Matéria-prima para a fabricação de chips, os semicondutores são componentes cruciais para uma infinidade de tecnologias indispensáveis à vida contemporânea. Eles estão nos automóveis, navios, aviões, foguetes, celulares, computadores, televisores e até em torradeiras, geladeiras e máquinas de lavar.
São imprescindíveis também para o aperfeiçoamento de ferramentas de inteligência artificial, cloud computing, data science e internet das coisas, além de impactarem o desenvolvimento de um série de setores – do energético e de cibersegurança ao agroalimentar e farmacêutico.
A importância (e dependência) dos chips é tanta que, frequentemente, eles são chamados de “o novo petróleo”. Pois bem, pergunte a um analista econômico qual deve ser a próxima grande crise mundial e, é quase certo, que ele responderá: a dos semicondutores.
Sim, há risco de novo desabastecimento. Quase três anos depois da escassez deflagrada pela pandemia do novo coronavírus, quando todos os prognósticos para 2023 apontavam para a normalização, o alarme soou.
Em seis meses, as 220 maiores fabricantes listadas em bolsa, avaliadas em pelo menos US$ 1 bilhão, perderam juntas quase US$ 2 trilhões em valor de mercado, segundo análise da Bloomberg Opinion.
Uma conjunção de fatores explica a queda. A alta na incidência de casos de Covid-19 na China, com suspensões constantes das atividades econômicas, é vista com preocupação pelos especialistas. As tensões entre o governo de Xi Jinping e Taiwan também são motivo de inquietação.
A nação insular é a maior produtora global de chips. Com uma capitalização de mercado em torno de US$ 400 bilhões, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) é uma das 12 empresas mais valiosas do mundo. De seu complexo industrial, sai metade dos chips comercializados no mundo.
Dos dez grandes clientes da companhia taiwanesa, oito são americanos. Só a Apple responde por um quarto da receita anual da TSMC, segundo lista do jornal DigiTimes, no ano passado.
A invasão da Ucrânia pela Rússia é outra ameaça ao setor de chips. O país liderado por Vodolymyr Zelensky é responsável por 70% da produção mundial de gás neon, fundamental para a fabricação dos componentes.
Depois da primeira onda de escassez, como forma de se precaver contra eventuais crises, muitos fabricantes até passaram a estocar neon. Mas, caso os conflitos no Leste Europeu perdurem, essas reservas, naturalmente, se esgotarão.
O desabastecimento deflagrado em 2020 fez com que os governos se dessem conta do perigo da dependência externa em um setor tão estratégico. Para evitar problemas semelhante no futuro, alguns países decidiram criar estratégias para conquistar a autossuficiência.
Na Europa, no início do ano, a Comissão Europeia lançou a nova Lei do Chip. A iniciativa destina € 15 bilhões para investimentos públicos e privados no setor até 2030. Mas produzir semicondutores é um processo dos mais complexos. Uma fábrica leva anos para ficar pronta e a manufatura de um chip, da matéria-prima ao produto final, consome, no mínimo, 85 dias de trabalho.
Em se tratando de semicondutores, as tensões comerciais entre Estados Unidos e China ficam ainda mais evidentes. Recentemente, a administração Joe Biden anunciou que interromperia o acesso chinês a máquinas, software e suporte para a fabricação de chips de 14 nanômetros, uma versão mais avançada da maioria de componentes disponível no mercado.
Em 1990, os americanos, respondiam por 37% dos semicondutores produzidos. Hoje em dia, o país não fabrica mais do que 12%. Perdeu espaço para os taiwaneses, sul-coreanos e chineses.
Quando os primeiros casos de Covid-19 foram registrados na cidade chinesa de Wuhan, as restrições impostas pela emergência sanitária levaram ao fechamento de fábricas e desaceleraram a produção.
A indústria automobilística foi a mais atingida – um carro típico, sem grandes parafernálias tecnológicas, tem, em média, mil tipos diferentes de chips. Desde o ano passado, pelo cálculos da consultoria americana AutoForescast Solutions, 13 milhões de veículos deixaram de ser produzidos.
Paralelamente, por causa do isolamento social exigido pelo SARS-CoV-2, os serviços online explodiram, bem como a procura por laptops, webcams e todos aqueles produtos essenciais à vida confinada no universo digital.
À medida em que as tecnologias se sofisticam, a demanda por chips mais potentes só tende a aumentar. O setor movimentou, no ano passado, quase US$ 528 bilhões, segundo levantamento da consultoria Fortune Business Insights. Em 2029, deve chegar a cerca de US$ 1,4 trilhão. É um caminho sem volta e quem não se precaver contra possíveis crises, corre o risco de perder o passo.