Para algumas pessoas, um presente de Natal de segunda mão pode parecer uma desfeita e até mesmo estragar a magia da festa. Não é esse o caso para muitos franceses, que cada vez mais consideram brinquedos, celulares, artigos de informática, moda e luxo usados como uma boa opção para colocar sob a árvore enfeitada.
Praticamente a metade dos franceses prevê comprar presentes e também decorações natalinas que já foram utilizados antes, segundo um estudo do Crédoc, centro de estudos sobre o consumo, ligado ao ministério francês da Economia.
No caso dos jovens, mais sensíveis a questões ecológicas e mais acostumados a comprar produtos usados por uma questão de orçamento, dois terços optariam por esse tipo de presente neste Natal, de acordo com uma pesquisa realizada pelo instituto Harris Interactive para a Federação francesa de Vendas Online (Fevad, na sigla em francês).
Fatores como a queda do poder aquisitivo, por conta da alta dos preços - que já ultrapassa 6% na França na comparação com 2021; as perspectivas econômicas preocupantes na Europa, na esteira da guerra na Ucrânia; e a tomada de consciência ecológica estão impulsionando esse segmento.
Atualmente, na França, o mercado de segunda mão é estimado em € 7 bilhões. E esses produtos vêm atraindo cada vez mais o interesse dos consumidores e também dos lojistas, inclusive na época de Natal.
Mesmo para as crianças, artigos usados deixaram de representar um problema. O grupo Happy Cash, especializado em produtos de segunda mão, constatou um aumento da atividade no setor de brinquedos de 15% nesta reta final do Natal.
Redes de lojas de brinquedos também entraram nesse segmento: a King Jouet lançou um conceito em algumas de suas lojas, onde um terço de produtos de segundo mão passou a ser oferecido. Outras, como a Oxybul e JouéClub, criaram um sistema de trocas de brinquedos.
A moda é o primeiro segmento que se beneficia desse interesse crescente pela categoria: segundo um estudo do Observatório Natixys Pagamentos, houve um crescimento de 140% nas vendas de roupas de segunda mão entre 2019 e 2021 na França.
As grandes lojas de departamento parisienses não poderiam deixar de lado essa forte tendência de consumo e também abriram espaços de vendas de roupas e acessórios de segunda mão.
Essa redes afirmam que a iniciativa é baseada na necessidade de reforçar a economia circular, que tem entre seus princípios a reutilização e reciclagem para reduzir o consumo de matérias-primas.
No caso da Printemps e da Le Bon Marché, a oferta é voltada ao segmento de alto luxo, com peças únicas de grifes famosas em ótimo estado e preços bem inferiores ao de um produto equivalente novo.
A Printemps diz ter o maior espaço de segunda mão, de 1,3 mil metros quadrados, em uma loja de departamentos na Europa, cuja instalação estava fechada para o público desde os anos 1970. Na década de 1930, o local recebia desfiles de moda, como os do costureiro Paul Poiret e, posteriormente, foi transformado em uma área administrativa.
Situado no sétimo andar da Printemps, batizado de “7° Céu”, o lugar não lembra em nada a imagem que muitos podem ter de brechós, com roupas amontoadas e cheiro de naftalina.
Com um visual industrial, estruturas de Gustave Eiffel, o mesmo da famosa torre, e paredes de tijolos da época de sua construção, no século 19, o espaço é amplamente iluminado graças ao telhado de vidro, também de origem, e uma das enormes cúpulas que compõem a fachada do prédio. Ele foi decorado com uma monumental escultura presa ao teto realizada com origamis de pássaros. O carpete foi criado por um artista de street art.
É ali que funciona a “Segundo Printemps”, com roupas e acessórios usados de grandes grifes de luxo, femininos e masculinos. A Printemps fez uma parceria com uma especialista em moda vintage, Marie Blanchet, que criou o site Vestiaire Collective. Ela e sua equipe que encontram, mundo afora, as peças vendidas ali, de grifes como Hermès, Lanvin, Balenciaga ou Givenchy. Outras são compradas diretamente pela própria Printemps.
A sofisticação do lugar fez com que pessoas que não tinham o hábito de frequentar brechós, principalmente mulheres a partir dos 50 anos, passassem a se interessar pela moda de segunda mão.
No mesmo andar, há também um espaço com marcas ecológicas de moda, beleza e artigos para a casa que vendem produtos novos. Esses itens são feitos, porém, a partir de materiais reciclados ou reutilizados de maneira criativa para criar outros produtos. Há uma rotatividade das lojas ali presentes, garantindo uma oferta variada de produtos desse tipo.
Na Galeries Lafayette, também há artigos de luxo no espaço Restore, situado no terceiro andar, mas existem roupas e acessórios de segunda mão mais acessíveis, de marcas pouco ou nada conhecidas.
Por isso, o movimento ali era mais intenso às vésperas do Natal, como constatou a reportagem do NeoFeed. Várias pessoas buscavam presentes, como uma jovem que estava escolhendo um lenço para sua mãe e que contou que, pela primeira vez, presentearia sua família com artigos usados. Ela disse que sua escolha é motivada tanto por razões econômicas quanto ecológicas.
Os franceses preveem gastar, em média, € 354 euros presentes nesse Natal, segundo um estudo do instituto CSA. A cifra está em linha com montante do ano passado, com um leve aumento de € 27. Uma parte desse orçamento, em vários casos, deve ser gasta com produtos de segunda mão.