Lá no final dos anos 1990, entre um churrasco e outro harmonizado com rótulos obrigatoriamente “não comerciais”, como eram na época os de Carmelo Patti e Alto Las Hormigas, o empresário portenho Hugo Martino decidiu com amigos fazer o seu próprio vinho. “Um pouco de brincadeira e um pouco sério”, lembra ele ao NeoFeed.
A parte séria envolveu a contratação do engenheiro agrônomo argentino Mauricio Parodi, que cuidou do Alto de Las Hormigas, e a compra de uma fazenda de oito hectares de vinhedos centenários de Malbec, em Agrelo, região de Luján de Cuyo, em Mendoza. Assim, em 2001, criou a vinícola batizada então de Finca Don Martino.
Com uma área já produzindo, uma “colheita fantástica”, barricas francesas e o enólogo Hector Durigutti, o primeiro vinho lançado, o Martino Gran Reserva Vinã Violeta Old Vine (2002), ganhou de cara 92 pontos do crítico Robert Parker em 2004. “Naquela época não havia mais de 10 vinhos acima de 90 pontos na Argentina”, conta Martino.
A parte de brincadeira foi ter deixado o barco correr mesmo com essa conquista tão rápida e representativa, que abriu as portas do mercado americano para a marca. Resistiu às propostas de expansão súbita da produção, inicialmente eram 50 mil garrafas, e colocou um amigo que queria morar em Mendoza para tocar a vinícola.
Como seu negócio principal era na área de mídia, com a Media Strategy, a produtora de conteúdo Devicom e rádio El Mundo, “e ia tudo muito bem”, só em 2010 ele reassumiu as rédeas da Martino. Em 2013, trouxe como consultor o italiano Atillio Plagi, eleito um dos dez melhores enólogos pela revista Decanter.
Ele ampliou o portfólio para além dos Malbec de alta gama e começou a desenvolver cepas novas para a região mendoncina como Pedro Ximénez, Sangiovese, Marselan e Petit Verdot.
Hoje, depois de US$ 6 milhões de investimento, a Martino conta com mais uma fazenda de 47 hectares em Barranca Maipus, próxima ao rio Mendoza, e uma capacidade de vinificação de dois milhões de litros. “Só 15% é para a Martino, cerca de 300 mil garrafas, o restante produzimos para outras vinícolas como Nieto Senetiner e Peleretti, por exemplo”.
Grande parte de seus vinhos são reserva e gran reserva, com rótulos como Baldomir Gran Malbec 2014, que custa R$ 570 (Beco do Vinho) e que concorre, segundo o próprio mapeamento da vinícola, com os conterrâneos Rutini Antologia XLII (2017, R$ 767, Zahil), Gran Enemigo (2017, R$ 748,96, Mistral), Viña Cobos Vinculum (2018, R$ 741,18, Gran Cru).
Fernanda Martino, filha de Hugo, alçada a CEO, promoveu um rebranding na vinícola que passou a se chamar Martino Wines há dois anos. Nesta nova etapa, a Martino pretende dobrar a produção em até três anos e a meta é que o Brasil represente 20% do negócio no mesmo período.
“Queremos que esse projeto iniciado há 20 anos de forma prazerosa mas com pouco profissionalismo, continue prazeroso mas bem mais profissionalizado”, disse ela ao NeoFeed.
Um dos reforços é justamente na área comercial. “Já estamos em negociação com uma grande importadora e e-commerce para ampliar nosso alcance nacional no Brasil”, disse Fernanda, que em São Paulo tem seus vinhos na Casa do Porto.
Com esse foco por aqui, onde a marca só chegou oficialmente no ano passado, Martino já transferiu sua participação de 94% nos negócios para a filha e estabeleceu seu domicílio fiscal no Rio. Mora parte do ano numa cobertura no Leblon, com vista para o morro Dois Irmãos. “Agora vou ser só consultor”, diz ele, um pouco sério, um pouco de brincadeira.
Pensada desde o início exclusivamente para atender o mercado externo, a Martino tem a China como seu mercado principal. “Eles compram nossos vinhos de mais alta gama”, mas com os Estados Unidos disputando a liderança.
Por uma decisão de Fernanda, passaram a vender recentemente no mercado argentino. “Ela argumentava que tínhamos de ser conhecidos também na Argentina e surpreendentemente o mercado doméstico tem crescido mais de três dígitos”, conta.
Empreender na Argentina é só para “herói”, diz Martino, que começou a Martino antes da crise de 2001. Em 2014, por exemplo, conta que decidiu vender a rádio (AM) El Mundo, que havia comprado em 2008, porque seria necessário mais investimento para uma transformação digital. Mas também por embates com o governo da então presidente Cristina Kirchner. “Eles queriam uma rádio militante, mas nós também apontávamos o que não ia bem e o governo não gostava.”
No ano passado, disse, a inflação em dólar de 40%, com a política cambial adotada no país, praticamente “acabou com nossa margem”. O peronismo foi decisivo, contudo, com uma herança preciosa para Martino, como ele mesmo conta.
Os vinhedos que adquiriu em Agrelo são de 1926 e uma raridade na região. “Nos anos 70 na Argentina era negócio fazer vinhos a granel. O governo peronista pagava para quem fazia mais quantidade que qualidade”, conta.
Com isso, muitos produtores substituíam videiras antigas por outras de cepas mais produtivas. O dono de sua fazenda na época iria fazer o mesmo, ceifar tudo, não fosse a oposição de sua mulher. “Poucos vinhedos quase centenários de Mendoza resistiram. E, por isso, em honra dessa mulher batizamos nossa área de vinã Violeta.” E é o nome dela que estampa o rótulo que conquistou Robert Parker.