Se a Nuclea fosse uma startup, talvez ela recebesse um prêmio pela velocidade com que se transformou em um unicórnio. Mas a empresa de tecnologia para o setor financeiro não foi criada do zero.
Em abril do ano passado, a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), uma associação sem fins lucrativos, passou pelo processo de desmutualização. Ao se transformar em uma empresa privada, já nasceu com um histórico bilionário e um apetite tão grande quanto o volume de transações processadas.
No primeiro balanço publicado pela Nuclea, que o NeoFeed teve acesso com exclusividade, os números impressionam. A empresa realizou um total de 31,3 bilhões de operações financeiras e processou R$ 19 trilhões de transações (quase duas vezes o PIB do Brasil, que foi de R$ 9,9 trilhões em 2022), um crescimento de 1,7% e 11,6%, respectivamente, sobre 2021.
Tudo isso gerou um faturamento de R$ 1,3 bilhão, uma expansão de 23% sobre o ano anterior, e um um lucro antes do imposto de renda (LAIR) de R$ 576,4 milhões.
“Como éramos uma empresa sem fins lucrativos, a única forma de comparar o lucro é antes do imposto de renda. E ele cresceu 32% sobre o ano anterior”, diz o CEO André Daré, que ficou 25 anos no Itaú Unibanco e até o início do ano era o presidente do conselho de administração da Nuclea.
Com 48 acionistas, entre eles os principais bancos privados, como Itaú Unibanco, Bradesco e Santander, e 1,6 mil clientes, a Nuclea não precisaria ter a ambição de crescer. Afinal, toda a liquidação do sistema de pagamentos, como boletos ou cartão de crédito e débito, por exemplo, são feitos pela empresa. Mas o plano de expansão é ousado e Daré tem a missão de dobrar a companhia em cinco anos.
O primeiro movimento será por meio de aquisições. Como uma associação é proibida por lei de distribuir lucro, o processo de desmutualização da CIP deixou um gordo caixa para a Nuclea. “Estamos vendo, neste momento, o tamanho dos investimentos que serão feitos este ano”, diz Daré.
De acordo com o executivo, alguns dos segmentos que a Nuclea está de olho são processamento de dados, cibersegurança, planejamento estratégico e scoragem. E a ideia é ir além do sistema financeiro. Por isso, há grandes chances de a empresa entrar nos setores de educação e de saúde nos próximos meses.
O apetite por aquisições não é só pelo acúmulo de caixa. Como a Nuclea quer escalar o negócio rapidamente, empresas que já estão no mercado testaram a solução que ela demoraria para implementar. E, principalmente, venceram as burocracias regulatórias, algo que leva um longo tempo para se conquistar quando se trata de dados.
Um exemplo dessa estratégia foi a compra da CRT4 (pronuncia-se Certa), fechada no início de março, uma registradora de ativos financeiros como CDBs, RDBs, letras de câmbio, recebíveis de cartão de crédito entre outros. Com ela, a Nuclea complementa sua oferta de serviços em renda fixa.
“Uma autorização regulatória levaria mais de um ano para conseguir. Fizemos uma troca de ações, uma maneira mais barata e rápida de ganhar escala”, diz Daré.
A troca de ações é um modelo de aquisição que a Nuclea pode usar ao lado de outras três: a compra em dinheiro, um investimento parcial via emissão de debêntures conversíveis em ações ou uma parceria estratégica.
Com a BEE4, a bolsa de valores para pequenas empresas, a Nuclea entrou via emissão de debêntures. A ideia é usar o blockchain e baratear o acesso para quem ainda não consegue listar suas ações na B3. A primeira empresa lançada no ano passado foi a Engravida, uma clínica de reprodução humana com sede em São Paulo. A Mais MU, de snacks saudáveis e proteicos, está próxima de ser a segunda a participar da "divisão de acesso" da bolsa.
Além das aquisições que vão se concretizar nos próximos meses, Daré está otimista com um lançamento no segundo trimestre. A Nuclea passará a monetizar o seu banco de dados. Como a empresa detém as informações de todas as pessoas físicas e jurídicas do País, com material em tempo real tanto da capacidade de pagamento como do comportamento de consumo, minerar esses dados têm valor seja para a concessão de crédito ou para serviços ligados à cibersegurança.
“Como uma associação, eu não podia usar esses serviços de inteligência de dados. Agora eu tenho como diversificar os produtos com inovação”, diz ele.
A CIP foi criada no início dos anos 2000 pelas instituições financeiras para realizar todo o processamento de transações do sistema de pagamentos, como boletos, TED e DOC. A decisão por uma associação visava a segurança e o ganho de escala com a tecnologia, sem que cada sócio tivesse de desenvolver o próprio sistema - algo que seria caro e redundante.