Defensora do lema “vinhos sem maquiagem”, a produtora portuguesa eleita a enóloga do ano em 2020 Filipa Pato chega ao restaurante Taraz, no Hotel Rosewood, em São Paulo, também de rosto lavado. Ela ri e diz que esse é seu jeito.
Está de tênis, calça preta e com uma blusa de lurex prateada em sua passagem rápida pela capital paulista, onde veio promover degustações, participar de encontros e reafirmar seus laços com o país depois da pandemia. “Não gostamos de novidades, mas de mostrar o que a natureza nos dá a cada ano”, disse ao NeoFeed. Nesta viagem veio mostrar rótulos como Nossa Calcário Tinto 2016, Nossa Calcário Branco 2017, Dinamica Branco 2019, entre outros.
O Brasil ocupa um espaço especial em sua vida. Foi o primeiro país para o qual vendeu seus vinhos, quando começou a produzir em 2001, ainda com uvas compradas de terceiros. Foi aqui também que, em 2006, começou a namorar seu marido e sócio, o belga William Wouters, chef de cozinha e sommelier, que tinha o restaurante Pazzo, de sotaque ítalo-japonês em Antuérpia.
Juntos fundaram a vinícola Filipa Pato & William Wouters e foram pioneiros nos vinhos orgânicos e biodinâmicos em Portugal. Filipa é filha de Luis Pato, considerado uma lenda na viticultura portuguesa por ter revolucionado a casta baga, típica da região da Bairrada, que estava esquecida por ser difícil de trabalhar.
A Bairrada fica ao norte de Lisboa, acima de Coimbra e a 15 quilômetros do Oceano Atlântico, e se tornou conhecida por seu famoso leitão assado, catalogado como uma das sete maravilhas da gastronomia portuguesa.
O sonho de Filipa é que a casta baga seja mais reconhecida no mundo e que amanhã seja vista como uma uva especial, que traduz uma região e seu caráter como é o caso da pinot noir, na Borgonha, e da nebbiolo, no Piemonte. No ano passado, os Baga Friends, grupo ao qual pertence, instituiu o Dia Internacional da Baga que, em 2023, acontece dia 6 de maio.
Filipa, de 48 anos, seguiu o caminho do pai, inquieta como ele, mas saiu de sua sombra ao implantar ideias sustentáveis na região. “Sou uma artesã, sempre quis fazer vinhos autênticos, sem maquiagem, que espelhem o que vem da terra e sejam fieis às suas origens.” Hoje, ela também é um ícone da viticultura portuguesa.
Além de eleita enóloga do ano em 2020, já recebeu várias citações na publicação Wine Advocate, de Robert Parker, o crítico mais famoso do mundo, que deu 96 pontos a um de seus rótulos, o Nossa Calcário Tinto (2015).
Foi a primeira vez em que um vinho da Bairrada recebeu uma classificação dessas. Em 2021, o rótulo Nossa Calcário Branco (2019, uva bical) foi colocado entre os 100 melhores do ano na prestigiada revista Wine Spectator.
O premiado Nossa Calcário, mais uma vez reforça seus laços com o Brasil. Ela trouxe o vinho para cá para participar de degustações quando ainda a produção era muito pequena e tinha apenas o nome Filipa Pato. De tanto as pessoas fazerem a interjeição “Nossa!”, quando provavam, acabou sendo batizado assim.
Da terra à vinificação
Sua vinícola é de nicho. Uma produtora butique, que exporta 90% do que produz e já em janeiro tem toda a safra vendida antecipadamente. Os principais mercados são Estados Unidos e Europa. Para o Brasil exporta 7% o que o coloca na nona posição. A produção é de 120 mil garrafas ao ano e inclui 12 rótulos somando espumantes, brancos e tintos.
Em Portugal, há um vinho de entrada por 15 euros, mas a maioria varia de 20 a 180 euros, um padrão alto para o país. Não é de se estranhar que aqui, onde são importados numa parceria entre a Porto a Porto e a Casa Flora, cheguem ao consumidor a partir de R$ 180. São vinhos gastronômicos, vendidos especialmente para restaurantes e empórios.
O casal comprou as primeiras vinhas em 2006 para começar a ter um controle total sobre a produção, que se estendesse da terra à vinificação. Atualmente, são 20 hectares. A busca do orgânico entrou em sua vida ao se mudarem com os dois filhos de Antuérpia para a Bairrada, em função do desejo que experimentassem as duas culturas, mas que vivessem numa terra saudável.
Ela não quantifica os investimentos que fez, mas diz que no início chegou a perder 30% das vinhas na conversão para agricultura orgânica. “A vinha acostumada com pragas sofre muito quando você tira os pesticidas. Aquilo é como uma droga. Na ausência dela, as plantas ficam muito frágeis e precisam de um tempo para se purificar”.
O orgânico para ela é presente e futuro, embora, seguir nesse caminho é um desafio, acredita: “Há cada vez mais pragas e cada vez mais resistência aos pesticidas. Por isso, os pesticidas são cada vez mais potentes e matam mais os insetos auxiliares que poderiam ajudar no controle das pragas”.
No entanto, ela é otimista por verificar que as novas gerações são mais atentas, têm a cabeça mais aberta, o que se reflete na educação do consumidor.
Nos anos em que viveu em Antuérpia, Filipa tomou contato com vinhos diferentes, teve uma perspectiva do mundo orgânico e acabou conhecendo produtores de todos os lugares. “Gosto de trabalhar com vinho porque é um diálogo, não um monólogo”.
Ela lembra que as mulheres sempre estiveram presentes no mundo vinícola, mas estavam na retaguarda. E cita algumas que admira e pensam “fora da caixa”, como Lalou Bize-Leroy, considerada maga dos grandes vinhos da Borgonha, que é acionista da Romanée-Conti.