Horas depois de o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, elogiar o arcabouço fiscal durante evento do Bradesco BBI, na quarta-feira, 5 de abril, e defender a independência da autoridade monetária visando atingir a meta de inflação, três economistas que já fizeram parte da diretoria do BC elaboraram, no mesmo evento, uma análise crítica do cenário econômico brasileiro.
No painel “Desafios da Política Monetária”, sobraram desaprovações dos economistas Alexandre Schwartsman, Fabio Kanczuk e Rodrigo Azevedo às pressões do governo de Luiz Inácio Lula da Silva sobre o BC para baixar os juros e à inconsistência da autoridade monetária em perseguir a meta de inflação. De quebra, a análise do arcabouço fiscal também não foi positiva.
Embora reconheça que o maior desafio do BC este ano seja conduzir um processo de desinflação, o consultor Alexandre Schwartsman afirma que a previsão para 2023 é de uma inflação acima do que o próprio BC estava estimando. “Não deveremos ter desinflação em 2023”, disse.
A crítica de Schwartsman se concentra na sinalização do BC para o cenário de referência que, segundo ele, ficou clara na última ata do Copom: seguindo a projeção da taxa Selic de juros do mercado, o corte de juros começa no final deste ano, mesmo com inflação acima da meta.
“Seria ingênuo de minha parte afirmar que, num cenário como esse, o BC não tem espaço para cortar juros”, disse o economista. “As projeções devem piorar nos próximos meses – sou cético quanto ao arcabouço –, mas o BC deverá cortar juros mesmo assim.”
Segundo ele, a inconsistência do BC é porque, embora admita que não vai cumprir a meta de inflação de 2024, o órgão acredita que em 2025 conseguirá. Ou seja, passando o tempo, o BC vai produzindo expectativa de inflação sempre acima da meta.
“O BC vai chegar no segundo trimestre deste ano olhando a inflação no final de 2024 e, no terceiro trimestre, já começa a pensar na inflação de 2025. Joga sempre para frente atingir o centro da meta. Por isso, a queda sustentada de juros deve começar em meados de 2025”, disse Schwartsman.
Independência do BC
Azevedo, sócio da gestora Ibiúna, fez uma reflexão sobre a primeira gestão do Banco Central como órgão independente do governo. Uma experiência inicial desse período independente, segundo ele, é saber o que pode e o que não pode ser feito.
“Uma coisa é o governo criticar a política monetária do BC, outra é discutir que a meta de inflação está errada e precisa mudar”, afirmou Azevedo, referindo-se às pressões do governo Lula para o BC baixar os juros. “Isso atrapalha, e muito, o trabalho do BC.”
Ele observou que a separação da questão técnica de gestão do BC do ciclo político do Poder Executivo já rendeu um bom exemplo – o órgão aumentou muito os juros em ano de eleição – e acabou criando uma situação curiosa: “Agora temos um 'arranjo confortável' para o político criticar o inimigo de plantão, mesmo porque se o BC não fosse independente, seu presidente não seria criticado, seria demitido.”
Outro efeito dessa pressão é a sinalização que o presidente faz sobre o perfil do novo presidente do BC a partir de 2025, quando acaba o mandato de Campos Neto. “Juntando a sinalização de uma meta de inflação mais alta e um presidente do BC mais favorável, teremos uma expectativa de inflação elevada a partir de 2025”, concluiu.
Fabio Kanczuk, head de macroeconomia da ASA Investments, dedicou boa parte de sua participação para analisar aspectos do arcabouço fiscal. Ele observou que, para dar certo, é necessário crescer a receita do governo de forma significativa.
“E para isso a receita líquida precisa crescer de 18% para 20% do PIB durante o governo Lula, ou seja, um aumento de 4% da carga tributária”, afirmou.
Ele também criticou a criação de um piso (0,6%) e um limite máximo (2,5%) de alta real dos gastos em cada ano da nova regra, ligado à variação das receitas.
“No dia seguinte do anúncio, teve início uma discussão: se fizer um corte de quanto cresceria a receita até junho deste ano, data para estipular o índice de aumento de gastos do ano que vem, descobriram que seria de apenas 0,6%. Então já começaram a usar fevereiro como base, onde normalmente há corte de receitas, pois o índice seria de 2,5% de crescimento”, disse.
O problema, de acordo com Kancuzk, é que se comparar essa série de receita real com anos anteriores, a conclusão é que ela é brutalmente volátil. Quando o PIB vai bem, sobe muito; quando vai mal, despenca.