A Argentina continua às voltas com uma sucessão de más notícias. Não bastasse a inflação descontrolada, que chegou a 104,5% ao ano em março, e reservas cambiais em níveis críticos (cerca de US$ 2,7 bilhões, US$ 6 bilhões a menos do que tinha no começo do ano), o país agora está contabilizando o prejuízo nas exportações de grãos causado pela maior seca em 60 anos, registrada em 2022.
De acordo com os dados mais recentes, do começo do mês, a perda de receita prevista ao longo de 2023 com a colheita de soja, milho e trigo é estimada em US$ 16 bilhões, uma queda de 27% em relação ao ano anterior. Já as exportações de grãos devem ser 33% abaixo das registradas em 2022.
O impacto maior foi justamente na produção da soja, a cultura de grãos que mais contribui para as exportações argentinas, que teve uma queda entre 40% e 45% neste ano. Na comparação com a média das últimas cinco temporadas, o recuo da safra fica em 16 milhões de toneladas.
O prejuízo em dólares só não foi maior porque o governo argentino voltou a instituir o chamado dólar-soja, um câmbio bem mais favorável que o oficial para estimular a exportação de grãos dos produtores locais. Enquanto o câmbio oficial está em 210 pesos por dólar, na conversão para exportação de soja a relação é de 300 pesos por dólar.
De acordo com Samuel Isaak, especialista em Agronegócios da XP, o governo teve um duplo objetivo ao criar o câmbio especial: aumentar a arrecadação em dólares com a exportação da soja e estimular os produtores a não estocar o produto. “Os produtores costumam segurar parte da soja colhida como reserva de valor, à espera de um câmbio mais favorável”, diz ele. “O dólar-soja estimula a comercialização já.”
Impacto para o Brasil
A quebra da safra argentina causada pela seca acabou impactando nas exportações brasileiras. A redução da produção no país vizinho manteve o preço da soja mais elevado no mercado externo até fevereiro. “Os produtores brasileiros que garantiram os preços de exportação do começo do ano fizeram boa aposta”, diz o especialista da XP.
Segundo ele, quem decidiu esperar um pouco mais para comercializar – pois não se sabia o tamanho da safra brasileira – não levou vantagem, pois o impacto da quebra argentina só foi sentido até março. “Agora, em abril, a pressão da supersafra de soja brasileira é maior do que a falta de produtos argentinos, com isso, vemos uma queda de preços recentes.”
Mesmo assim, a diferença dos cenários entre os dois países é gritante. Enquanto a Argentina vê sua produção de grãos encolher, o Brasil deve colher uma safra recorde também de trigo. De acordo com previsão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o Brasil deverá exportar este ano 96 milhões de toneladas de soja.
A demanda mais fraca da China, por outro lado, agravou ainda mais o cenário para os produtores argentinos e para a economia do país. Por causa da seca e do péssimo cenário fiscal, o Fundo Monetário Internacional (FMI) espera que a Argentina apresente forte desaceleração em 2023, com crescimento econômico de apenas 0,2%. No ano passado, o país apresentou expansão de 5,2%.
O fato de o país passar por eleições presidenciais em outubro deverá agravar a situação econômica. A vice-presidente Cristina Fernández de Kirchner e o ex-presidente Mauricio Macri disseram que não vão concorrer. O deputado Javier Milei, simpatizante do americano Donald Trump e líder da coalizão direitista A Liberdade Avança, lidera as pesquisas. O presidente Alberto Fernandez ainda não decidiu se tentará a reeleição.
Desde a pandemia da Covid-19, o peso argentino perdeu dois terços do seu valor. Com isso, a população passou a recorrer à poupança em dólares para se proteger.
De acordo com o Indec, o IBGE argentino, no final de 2022 os argentinos tinham US$ 261,8 bilhões guardados fora do fluxo regular de transações do sistema bancário – em casa, em cofres de bancos ou em contas externas regularizadas. O valor é próximo da dívida externa do país em 2022, de US$ 276,7 bilhões.