MENDOZA - Há quem diga que o vinho une com mais força do que o sangue. Deve ser verdade, visto que por trás da Luigi Bosca, desde 1901, está a família Arizu. Com 7 propriedades, 29 rótulos no portfólio, presença em mais 60 países e venda de mais de 8 milhões de garrafas no último ano, a 3ª maior da Argentina, dentre as mais de 2500 regulamentadas de Mendoza, só comprova.
A referência piemontesa no nome se deve em parte a uma anedota: uma das matriarcas era do Piemonte, casou-se com um membro da família basca e, sim, tinha um parente que fazia vinho chamado Luigi. E em parte, deve-se à visão de Alberto Arizu.
Nos anos 1960, o engenheiro agrônomo decidiu modernizar a empresa. Apostou que, num país que ainda se dedicava ao vinho de mesa, um sobrenome italiano consolidaria uma identidade “mais qualificada”. Deu certo.
Deu certo também porque Arizu rodou vinhas mundo afora, tomou muito vinho e jamais se rendeu ao óbvio. Não à toa, seu primeiro lançamento, em 1977, foi um Cabernet Sauvignon. O segundo, um Riesling. O terceiro, um Pinot Noir. Tudo num terroir já abarrotado de Malbec.
Reservou há décadas uma área de 20 hectares, dos atuais 700 de suas propriedades, para ser transformada em um laboratório de manejo e cultivo de mudas, todas trazidas de suas viagens. O terreno é considerado por alguns especialistas o mais rico vinhedo experimental da Argentina.
“O que me encanta na Riesling e na Pinot é a fragilidade e o alto grau de dificuldade de vinificação que elas impõem, por isso comecei por elas, mas também porque sempre quis deixar claro que Mendoza não é só Malbec”, explica ele ao NeoFeed.
Ao longo de 44 anos, sua Bodega tornou-se referência em outras cepas, incluindo a Cabernet Sauvignon. Foram tantos experimentos que o presidente honorário perdeu a conta de quantos vinhos elaborou.
“Estou sempre buscando inovar. Nunca paro nessa estrada”. Graças ao olhar do enólogo-chefe, Pablo Cúneo, essa trajetória se traduz na sofisticada linha Apuntes, de tiragem limitada e que, por enquanto, não chega ao Brasil.
Inspirada nas anotações e viagens de Dom Alberto, ela é vanguardista: conta com um Semillon Fumé (inspirado no Sauvignon Blanc do Loire), um Petit Verdot e, em breve terá um laranja a partir da Gewürztraminer (vinho feito a partir de uva branca e vinificado como tinto, o que lhe confere mais taninos). Vai daí que, aos 82 anos de idade, Arizu segue entusiasmado, ainda que tenha cedido o posto de CEO oficial ao primogênito.
Alberto Filho, quarta geração viticultora, mantém a “vibe” paterna e, mirando sobretudo o Brasil, o maior mercado importador (seguido por Estados Unidos, Reino Unido, China e Canadá), passou a aplicar-se mais no entorno da bebida.
Por um lado, cerca de 4 milhões de garrafas – ou 50% da produção – passaram a ser exportadas. A entrada do fundo de private equity L Catterton, em 2018, possibilitou uma expansão global da companhia. Teria sido graças ao fundo que a Luigi Bosca ocupou a posição de única vinícola argentina servida na Copa do Catar. Detalhe: foram 50 mil garrafas de Malbec para um país muçulmano.
No Brasil, para onde mandam um milhão de garrafas por ano com rótulos de entrada como La Linda, um último lançamento vale nota. Nomeado Paraíso, é o top de linha da Bodega. Blend de Cabernet Sauvignon e Malbec plantados a mais de 1000 metros de altitude é importado com exclusividade pela Decanter e custa R$ 968,90.
Mais Messi que Maradona, diga-se de passagem, a corporação centenária esbanja habilidade técnica e humildade: “Meu pai é engenheiro, nem meus irmãos nem eu seguimos essa carreira. No entanto, todos acabamos vindo para o vinho”, conta Arizu filho.
Ele, mais do que os outros, envolveu-se para que a casa em que o patriarca nasceu se convertesse em um destino: “Foram muitos anos pensando em quem desejava viver Luigi Bosca de uma forma diferente, rodeados por um ambiente natural incomparável onde o vinho, a gastronomia e os sentidos são protagonistas”.
Recentemente, a vinícola inaugurou uma frente de enoturismo. O “castelo” da Finca El Paraíso, em Maipú, foi aberto para visitação há 6 meses. Ao redor dele, Malbec, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Petit Verdot, Pinot Noir, Syrah, Pinot Meunier, Chardonnay, Pinot Blanc, Sauvignon Blanc, Viognier e Gewürztraminer convivem em harmonia.
Entre as vinhas, toma-se vinho, faz-se piquenique, provam-se azeites das oliveiras locais, sobe-se ao mirante, escutam-se concertos em formato pocket. Toda essa parte pode ser feita com áudio-guias em português.
Já do lado de dentro do casarão, ou no quintal, o chef Pablo del Río serve alta gastronomia despretensiosa em homenagem aos ingredientes e vinhos locais – que podem ser comprados ali e, se não ultrapassarem 6 garrafas, transportados na bagagem de mão.