Ouvir Bia Pereira e Bob Vieira da Costa é ter vontade de largar tudo, comprar um pedaço de terra e cultivar oliveiras. Difícil, particularmente, seria alcançar a excelência do Sabiá.
Pelo segundo ano consecutivo, o azeite produzido pelo casal está na lista dos dez melhores do mundo, elaborada pelo respeitado prêmio espanhol Evooleum, considerado o Oscar dos azeites. É o único rótulo das Américas a conquistar a honraria.
"Esse prêmio teve muita repercussão no Brasil e fora também. Recebemos produtores de vários países depois disso, como da Itália e de Portugal", diz Bia ao NeoFeed.
A distinção não é a única. Com apenas quatro safras comercializadas, eles já acumulam quase 70 láureas internacionais. Aliás, a produção de 2023, recém-chegada ao mercado, está agraciada com outros sete prêmios. Um deles, o português Ovibeja, elegeu o Sabiá o melhor azeite do hemisfério sul.
Mas o casal vai além. Na semana passada, estrearam no mercado wellness, com um hidratante corporal à base de azeite. Vegano, de fácil absorção e aroma suave, desenvolvido com exclusividade pela suíça Givaudan, referência no desenvolvimento de fragrâncias, o produto ainda faz parte de um projeto piloto. Nesse primeiro momento, foram fabricados mil frascos de 250 mililitros, vendido, cada um, a R$ 148.
E pensar que Bia, jornalista, de 66 anos, e Bob, publicitário, de 59 anos, nunca haviam planejado produzir azeite. E até hoje se emocionam. No início da década de 2000, para ficar mais perto de São Paulo, onde moram, eles trocaram a casa de campo no interior do Rio de Janeiro por uma fazenda de 100 hectares, na Serra da Mantiqueira, na cidade de Santo Antônio do Pinhal, a duas horas da capital paulista.
Os antigos donos da propriedade criavam gado de corte. Como a ideia de mandar os animais para o matadouro não lhes agradava, Bia e Bob decidiram transformar os pastos em pomar. Pensaram em fazer vinho, mas desistiram – “era desafiador demais”, diz o publicitário.
Experimentaram um azeite produzido na região, se encantaram, desembolsaram R$ 200 mil e foram plantar oliveiras. Estudaram, fizeram cursos, se cercaram dos grandes nomes da olivicultura mundial. Viajaram para conhecer plantações na Espanha e na Itália. Visitaram os produtores gaúchos, responsáveis por 75% de todo o azeite produzido no Brasil – 500 toneladas, em 2022.
Finalmente, em 2014, o casal comprou as primeiras 4,5 mil mudas de oliveiras da Fazenda Sabiá. Os cem quilos de azeitona foram processados no campo experimental de Maria da Fé, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Bia e Beto voltaram, para casa com 10 litros de azeite. Em 2022, os quase mil pés resultaram em 3 mil litros.
Para tornar o negócio economicamente viável, porém, seria preciso produzir mais. E, assim, em 2017, eles compraram 440 hectares de terra na Serra do Sudeste, na cidade Encruzilhada do Sul, a cerca de 170 quilômetros de Porto Alegre. Reservaram 110 hectares para o pomar de 32,8 mil oliveiras. A primeira safra da Fazenda Sabiá da Vigia, a do ano passado, foi de 7 mil litros de azeite. A de agora deve chegar a 20 mil.
A fazenda gaúcha consumiu R$ 2,42 milhões, em investimentos, só no pomar, e é hoje um dos “mais modernos e inovadores lagares do mundo”. O maquinário para extração do azeite foi adequado às características das azeitonas Sabiá, pelo italiano Giorgio Mori. Fundador da Mori-Tem, ele revolucionou a olivicultura global ao criar equipamentos em inox, a vácuo, o que evita a oxidação dos frutos.
Além disso, a área de processamento fica no subterrâneo, com um jardim em cima, de modo a garantir a temperatura ideal, ao redor de 15ºC. Da plantação dos pés de oliveira à produção de azeite, todo cuidado é pouco.
As azeitonas são frutos muito delicados. Por isso, nas melhores plantações, a colheita é manual. “Diferente das frutas climatéricas, como a maçã e a banana, as azeitonas não amadurecem fora das oliveiras”, explica Bob. “No momento em que é colhida, começa a deteriorar.”
Para minimizar o risco, nas duas fazendas Sabiá, um caminhãozinho refrigerado, fica ao lado dos pomares, para encaminhar as azeitonas ao setor de processamento tão logo são colhidas. Entre duas e três horas, os frutos já começam a se transformar em azeite.
Outra preocupação de Bia e Bob é com a limpeza das máquinas. “Se levamos cinco horas na extração, gastamos outras três para higienizar a área”, conta ela. “Qualquer resíduo pode contaminar o azeite seguinte.”
O cultivo de oliveira é caro e demorado. Até começar a frutificar, vão-se de quatro a dez anos. E para chegar à plenitude, até 35, explica Ricardo Castanho, especialista em azeite e instrutor da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS).
Nos cálculos de Bob, a fazenda gaúcha, maior e mais produtiva, deve atingir o breakeven em 2026. De modo a fazer a espera valer a pena, ele e Bia estão diversificando os negócios. A propriedade da Mantiqueira está aberta para visita guiada e degustação de azeite – R$ 30, por pessoa. O casal chega a receber 500 visitantes, a cada final de semana.
Como todo olivicultor nacional, Bia e Bob têm um desafio para além do cuidado com as oliveiras, azeitonas e azeites –o de educar o consumidor brasileiro, o segundo maior importador de azeite do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.
Das 100 mil toneladas consumidas anualmente no país, 98% vêm do exterior. Em geral, fornecidas por grandes grupos, onde predominam as colheitas superintensivas. “Como o Brasil não é um mercado prioritário, o azeite chega depois de muitos meses da extração”, explica Castanho.
Além disso, os produtos vêm de navio, acondicionados em tonéis gigantescos, expostos à luz e ao calor, até chegarem aos supermercados, onde são vendidos a cerca de R$ 30, a garrafa.
A título de comparação, os azeites monovarietais da Sabiá custam cerca de R$ 100. O blend terroir, ao redor de R$ 180. São encontrados em redes com St. Marché, Quitanda e supermecados gourmets como Casa Santa Luzia e Varanda, em São, e rede Zona Sul, no Rio.
O paladar brasileiro pode até ser de reconhecer (e apreciar) um azeite bom de verdade, com picância e amargor acentuados. Também pudera a olivicultura brasileira é muito recente. O primeiro produto nacional lançado comercialmente no país, o Olivas do Sul, só chegou ao mercado em 2010, lembra o instrutor da ABS.