A cada garrafa que abre e serve para seus convidados, numa degustação no restaurante Spot, em São Paulo, o produtor Anselmo Mendes conta um pouco da criação do vinho que está ali. Quase uma lenda na vinicultura portuguesa, ele é conhecido como o “rei da alvarinho” ou “senhor alvarinho”.
“Ah, isso porque desde 1987, quando saí da faculdade, comecei a fazer experiências e a estudar a uva alvarinho de forma obstinada. Fui sempre um pouco fora da caixa, um pouco à frente”, diz.
Afortunadamente, a alvarinho, uma uva branca da região dos vinhos verdes, está se tornando uma moda no Brasil. A explicação de Mendes é porque tem boa acidez, mas ao mesmo tempo é friendly, o que a torna muito consensual.
“Aqui até dizem que ela desce redondo. Isso atrai muito o pessoal, aproxima. Há vinhos que entram na moda por marketing, por promoções feitas com muito dinheiro. Portugal não tem esse dinheiro. É um vinho que vem ganhando espaço de baixo para cima”, contou ao NeoFeed.
É fato que atualmente, a alvarinho, a uva mais conhecida dos vinhos verdes, está se tornando unanimidade quando se trata de acompanhar estilos diferentes de cozinha. É a preferida de chefs como Telma Shiraishi, do Aizomê, e chef do Consulado Geral do Japão em São Paulo, e do italiano Rudy Bovo, do Nido, no Rio de Janeiro, que a indica para acompanhar os pratos com frutos do mar que serve em seu restaurante.
Nas degustações que promove, Mendes começa sempre com outra uva da região, a Loureiro, usada em vinhos mais econômicos e mais difíceis de beber para o consumidor comum. Mas atenção: os vinhos são mais baratos apenas porque têm menos reconhecimento, alerta.
Dez anos depois de formado como engenheiro agrônomo, Mendes começou seu primeiro projeto com 2,5 hectares na Quinta Muros de Melgaço, que fica no coração dos vinhos verdes, em Monção/Melgaço. Hoje tem 130 hectares divididos em nove quintas, exporta 75% da produção de 800 mil garrafas/ano para 50 países e o Brasil já se tornou o quinto mercado. No ano passado, faturou 6 milhões de euros.
Da primeira quinta até agora, sua vida tem sido uma experiência contínua. “Sou um experimentalista.” Ele foi o primeiro a fermentar a alvarinho em madeira. “Não se fazia, era quase uma heresia”. Em 2000 lançou um vinho com fermentação total, com casca, algo parecido com o que hoje se chama de vinho laranja. “Claro que não teve sucesso.” Anos mais tarde retomou o processo de uma forma um pouco mais light e surgiu o Curtimenta, um vinho super gastronômico, que chega aqui por R$ 602.
Mendes também tem um papel importante na vinicultura brasileira. Foi ele que produziu o primeiro alvarinho brasileiro, o Matiz, em Pinheiro Machado, no sudeste do Rio Grande do Sul, para a Vinícola Hermann. A Decanter já importava os seus vinhos quando o proprietário Adolar Hermann convidou Mendes para reformular a Quinta da Neve, a primeira propriedade vinícola do empresário, em Santa Catarina.
“O Anselmo mudou tudo”, lembra Hermann. “A primeira coisa que nos disse foi que o terreno era bom para espumante." Depois, no Rio Grande do Sul, descobriu, entre as uvas plantadas, a alvarinho. "A propriedade tinha sido de portugueses e as vinhas estavam decrépitas. Havia uma placa onde estava escrito: “Gouveia”, mas o Anselmo na hora falou que era alvarinho." Hermann lembra que ele disse. 'Vamos fazer alvarinho no Brasil'. Ninguém fazia. Foi um imenso desafio. Mais tarde, nos orientou nos primeiros passos do espumante Lírica, que é um sucesso de vendas”.
Na Quinta da Neve, Mendes também foi consultor na produção de tintos. Em Portugal, além de produzir as brancas loureiro e melgaço, tem também tintos de uvas autóctones como alvarelhão, pedral e verdelho feijão. “Recuperei três castas que estavam no esquecimento”, diz, ao apresentar as novas safras do rótulo Pardusco, que trouxe ao Brasil nesta curta viagem.
Mendes nasceu em Monção, na fronteira com a Galícia, tem 60 anos e uma de suas cruzadas tem sido desconstruir o que as pessoas têm na cabeça sobre o vinho verde. “Passei os últimos 25 anos fazendo isso e tentando que as pessoas entendessem que vinho verde é apenas uma denominação de origem que tem brancos, tinto, rosés, espumantes e aguardentes. Esse é o primeiro dogma: entender que vinho verde não é um tipo de vinho, mas uma denominação de origem”.
O segundo dogma é a explicação simplória de que o nome provém do fato de a região ser verde. “É uma completa mentira, há explicações históricas para isso”. O terceiro é que é um vinho para beber jovem. Ele desmistifica a lenda ao abrir o rótulo Muros Antigos, 2009. “Tenho vinhos de 1999 excelentes, que estão fora do comércio.”
A quarta crença é a de que vinho verde precisa ser necessariamente barato. Não é verdade. Prova disso são os preços de seus vinhos em Portugal, que variam de 6 a 90 euros. Aqui, não chegam os rótulos mais caros e a faixa fica entre R$ 129 e R$ 602.
E se a questão é desfazer dogmas, Mendes tem um arsenal de argumentos e sugestões. Uma das mais importantes é desmistificar a velha crença de que vinhos brancos combinam apenas com peixes e frutos do mar. Ele indica o rótulo Parcela Única, por exemplo, para acompanhar carpaccio, carnes de aves e até um arroz de pato. “Para um prato há muitos vinhos e para um vinho há muitos pratos”. Quem duvida?