A loja de departamento Harrods já foca seu atendimento no “1% mais rico do mundo”. Mas em busca dos “melhores entre os melhores” criou o The Residence, um clube de relacionamento ainda mais selecionado. A unidade em Xangai conta com 250 vagas destinadas aos ultrarricos da China, com taxa de adesão equivalente a US$ 21 mil.
A Gucci também estabeleceu uma estratégia específica para, digamos, consolidar vínculos com seus clientes mais resilientes. Lançou o Salon Gucci, butique fechada com produtos que não custam menos de US$ 40 mil e chegam a US$ 3 milhões, segundo régua declarada pelo próprio dono do grupo Kering, François-Henri Pinault. A primeira loja neste modelo foi aberta em Los Angeles.
A americana Ralph Lauren, por sua vez, está num processo frequente de reajuste de preços para recuperar prestígio, aristocratas e margens. A estratégia se reflete em sua expansão na Índia, onde têm quatro lojas e pretende estabelecer a “base e a percepção de imagem de marca corretas”, segundo o CEO Patrice Louvet, disse em entrevista a Bloomberg TV.
Depois de anos no processo de expansão da base, num movimento que era tratado como “democratização do luxo” com globalização do varejo e itens mais acessíveis, as marcas estão direcionando seus esforços para ofertar exclusividade no topo da pirâmide, de uma forma bem mais seletiva do que antes.
“A indústria do luxo sempre lidou com os super-ricos, que devem representar em média 40% do resultado e em marcas já nichadas como Brunello Cuccineli, claro, são 100% do resultado”, disse ao NeoFeed Martin Gutierrez, sócio da consultoria MCF. “A questão agora é que estas ações estão mais visíveis, em especial, porque a polarização da economia se reflete na polarização do luxo.”
Num cenário de crise e inflação, os clientes aspiracionais, responsáveis por parte de sustentação de muitas grifes, estão cada vez mais distantes do universo do luxo. Como a retomada da China estava lenta, drasticamente afetada com a segunda onda da pandemia e lockdown, os Estados Unidos haviam assumido o protagonismo do mercado, em especial no aspiracional, no frenesi pós-Covid 19.
Desde o início do ano, contudo, os grandes grupos registraram um abrandamento das vendas por lá, com consumidores mais receosos, em especial com o fim dos subsídios do governo Biden. Os aspirantes estariam fazendo "uma pausa”, na avaliação do diretor financeiro da Kering, Jean-Marc Duplaix, durante a teleconferência de resultados da companhia, quando o grupo registrou um queda de 18% nos EUA no primeiro trimestre.
Até o grupo LVHM, o menos afetado no começo do ano, agora registrou uma queda de 1% no mercado americano no balanço apresentado esta semana.
O momento de foco nos ultrarricos tem um componente cíclico, claro, “a acessibilidade se cria quando há euforia econômica, o que não acontece agora”, avalia Gabriele Zuccarelli, sócio da Bain & Company e líder das práticas de Varejo e Consumo na América do Sul. Mas também é a estratégia das marcas para se manterem aquecidas quando houver a retomada.
“É essa exclusividade que as mantém no radar dos aspirantes no mundo do luxo. Então explorar bem o topo da pirâmide neste momento, é uma forma de estar presente para estes dois públicos."
Não deixa de ser significativa também a questão geográfica, como o clube da Harrods em Xangai, que mantem viva a relação presencial com os bilionários locais, uma vez que o mercado chinês, que responde por 16% do resultado da loja de departamentos, estava demorando a reagir. Ali os clientes vão poder fazer compras em salas reservadas e dispor do primeiro restaurante de Gordon Ramsay na cidade.
Assim, como é cirúrgica a escolha de Los Angeles para a estreia do Salon Gucci, onde se concentram as celebridades hollywoodianas, ou mesmo a Ralph Lauren restabelecendo seu status entre a elite indiana de pólo.
São os ultrarricos, não abalados com as intempéries econômicas, que têm garantido parte da expansão do setor. O movimento foi detectado no estudo de luxo elaborado pela Bain & Co em parceria com a Altagamma, associação de marcas de luxo.
Há uma busca crescente por produtos mais sofisticados, peças icônicas, “uber-lux” em todas as categorias. Trata-se da equação “menos, mas melhor” e também de um reconhecimento destes bens como investimento.
Ao mesmo tempo, segundo relatório da consultoria Edited, destacado pelo Business of Fashion, os varejistas de luxo adicionaram 34% menos novos SKUs de tênis de 2022 a 2023, um produto típico de acesso às grifes. Assim como reduziram os itens com logotipos exuberantes.
“A busca pela exclusividade não se dá só pelo status, de ter algo que ninguém tem. Mas pelo prazer de dispor de algo personalizado, um ambiente e atendimento diferenciado, mas mais que tudo uma experiência única, como esses clubes”, diz Zuccarelli.
A tecnologia também tem sido usada nesse sentido, diz ele, com os gêmeos digitais. São produtos idênticos ao que se compra na loja, "um passaporte baseado em blockchain e que te permite ter acesso a experiências e privilégios no virtual e no mundo físico. Isso é uma personalização.” A marca de relógios Brietling é uma das que tem utilizado este recurso.
A estratégia para cultivar os ultrarricos traz embutido outro elemento. Em seu lançamento, o conceito do Salon Gucci foi assim definido: “um universo pessoal, oferecendo intimidade e discrição para clientes convidados com hora marcada. É um espaço para conversas criativas, para exploração e indulgência.”
Traduzindo: um local para poder desfrutar do mais exclusivo ao lado, ou não, de seus pares ( afinal, o atendimento é agendado) e sem o julgamento externo.
“Os ultrarricos ficaram muito mais expostos com a pandemia e as disparidades se acentuaram”, diz Gutierrez. “As marcas estão captando essa fragilidade, oferecendo bem-estar, discrição e segurança.” Ao mesmo tempo, claro, privilegiando ainda mais a margem no lugar do volume.