Brasília – Todas as atenções do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, estão voltadas para o Banco Central (BC). Na próxima terça e quarta-feira, 1º e 2 de agosto, o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne para decidir como ficará a taxa Selic, que hoje está em 13,75% ao ano.
“Seguramente, nós vamos ter uma queda. É vital para a economia e para o país, além de sinalizar essa melhora geral do quadro macroeconômico e da inflação”, diz Mercadante, em entrevista exclusiva ao NeoFeed. “O Brasil precisa melhorar seu rating nas agências de risco. Por isso, há uma forte expectativa sobre essa decisão.”
A taxa de juros continua no maior nível desde janeiro de 2017. O Banco Central tem sido alvo de críticas públicas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da cúpula do governo por não rever o índice. Em junho, o banco não mexeu na Selic pela sétima vez seguida, mantendo o mesmo nível desde agosto do ano passado. A expectativa é de que isso mude nesta semana.
Nesta entrevista que você lê a seguir, o presidente do BNDES fala também das prioridades do banco. Entre elas, os investimentos em energia limpa e infraestrutura.
"A demanda de crédito e de desembolso para essas áreas, no ano passado, foi de R$ 25 bilhões. Hoje, os projetos que já foram protocolados no BNDES apontam que essa carteira chegará a um total de R$ 74 bilhões neste ano", diz Mercadante.
Ele afirma ainda que os investimentos em infraestrutura serão impulsionados com o novo PAC, cujos detalhes vão ser anunciados em agosto pela Casa Civil. Mercadante projeta que os financiamentos para concessões de infraestrutura deverão atingir R$ 50 bilhões.
"O que posso adiantar, neste momento, é que teremos um novo pacote de prioridades de investimento na área de infraestrutura, incluindo áreas como transportes, habitação e energia", afirma.
Mercadante avalia também os resultados consolidados pelo banco no primeiro semestre deste ano. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista com o presidente do BNDES:
Como você avalia o desempenho do BNDES no primeiro semestre deste ano, ao herdar a estrutura interna e o cenário econômico deixado pelo governo anterior?
Tivemos avanços importantes em um cenário econômico muito difícil. Enfrentamos uma tentativa de golpe, o que gera instabilidade e impacta a economia, temos a maior taxa de juros da economia mundial e elidamos ainda com todo questionamento sobre a sustentabilidade fiscal. Além disso, o banco havia antecipado o pagamento de R$ 45 bilhões no fim do ano passado ao Tesouro Nacional, uma exigência de repasse feita pelo TCU (Tribunal de Contas da União). Pegamos o BNDES nessa condição, mas acredito que conseguimos avançar em algumas linhas fundamentais, apesar deste cenário.
Quais foram esses avanços, concretamente?
No primeiro semestre, aumentaram em 207% as consultas ao banco, se compararmos com a movimentação do mesmo período do ano passado. São pedidos de crédito, projetos de financiamento que estão sendo protocolados, o que mostra que há uma expectativa de investimento muito forte na economia. O desembolso cresceu 21%, em um momento em que houve uma retração do crédito.
Quais foram as áreas que mais buscaram recursos?
Vamos falar da área de infraestrutura e energia limpa, por exemplo. A demanda de crédito e de desembolso para essas áreas, no ano passado, foi de R$ 25 bilhões. Hoje, os projetos que já foram protocolados no BNDES apontam que essa carteira chegará a um total de R$ 74 bilhões neste ano. Já passamos, até o mês de julho, tudo o que foi emprestado o ano passado. Vamos fechar o ano com cerca de R$ 50 bilhões de projetos aprovados, o dobro do ano passado. Desse valor total, teremos um desembolso efetivo de aproximadamente R$ 45 bilhões, isso só em infraestrutura.
Que projetos de infraestrutura são esses?
A carteira é vasta e envolve grandes concessões, muitas ligadas a obras para estradas, metrô e usinas, por exemplo. Tudo isso será impulsionado ainda mais com o novo PAC, que terá os detalhes divulgados em agosto pela Casa Civil. O que posso adiantar, neste momento, é que teremos um novo pacote de prioridades de investimento na área de infraestrutura, incluindo áreas como transportes, habitação e energia. Paralelamente, estamos crescendo com os repasses para a área de exportação de bens e produtos. O BNDES financiou mais exportação no primeiro semestre que em todo ano passado.
"Teremos um novo pacote de prioridades de investimento na área de infraestrutura, incluindo áreas como transportes, habitação e energia"
O banco deve diversificar sua carteira, em busca de empreendedores de menor porte, ou vai se concentrar nas grandes operações?
Esse movimento já está ocorrendo. Para as micro e pequenas empresas, já liberamos R$ 43 bilhões entre janeiro e junho. Isso é 56% a mais do que o liberado no primeiro semestre do ano passado. Na área da agricultura, liberamos, de forma inédita, R$ 10,8 bilhões na entressafra, o que nunca foi feito. É uma linha indexada ao câmbio para os exportadores, com taxa de juros fixa de até 7,5% e até 12 anos para pagar, com dois anos de carência. Foi uma novidade exitosa. Fizemos inovações nesta área, tanto que o financiamento do agro vai crescer 30% dentro do Plano Safra neste ano.
São ações apenas para grandes produtores?
Não é só isso. Na agricultura familiar, a contratação de financiamento cresceu 100%. Temos registrado ainda uma forte movimentação no cooperativismo do agro. O BNDES já tem uma carteira ativa de R$ 50 bilhões emprestados junto às cooperativas de crédito, pequenos produtores e agricultura familiar. No primeiro semestre, aumentou em 77% o volume emprestado para esse segmento. O que eu quero dizer é que estamos fazendo um esforço grande, num cenário muito adverso, como foi o primeiro semestre. Mas é extremamente promissor ver esse estoque de projetos que estão sendo protocolados e que podem virar investimento.
Como garantir que esses investimentos se confirmem em um cenário econômico com taxa de juros tão elevada?
Essa é a questão. Os empresários estão esperando a queda nos juros. Qual é o cenário? O câmbio voltou para R$ 4,70, a inflação está abaixo da meta, o Brasil está batendo recorde de superávit comercial, está sendo aprovado o arcabouço fiscal, que dá previsibilidade à trajetória da dívida pública, há um projeto de reforma tributária para simplificar e racionalizar a carga tributária. O ambiente macroeconômico, portanto, é muito mais favorável neste segundo semestre. O que é importante? A velocidade e a sustentação da queda da taxa básica de juros. Estamos com a maior taxa de juros real do mundo. E ela cresceu, em termos reais, enquanto a inflação caiu.
"Seguramente, nós vamos ter uma queda (dos juros). É vital para a economia e para o país, além de sinalizar essa melhora geral do quadro macroeconômico e da inflação"
Você acredita em uma queda efetiva da taxa básica de juros nesta próxima reunião do Copom?
Seguramente, nós vamos ter uma queda. É vital para a economia e para o país, além de sinalizar essa melhora geral do quadro macroeconômico e da inflação. O Brasil precisa melhorar seu rating nas agências de risco. Por isso, há uma forte expectativa sobre essa decisão. Isso acontecendo, eu acho que já é um passo muito relevante para acelerarmos o desembolso e avançar em outros temas, como as novas linhas voltadas para a inovação.
O que será feito nessa área?
O banco vai oferecer financiamentos à inovação atrelados à Taxa Referencial (TR), que chega a, no máximo, 3% ao ano. Hoje, os financiamentos são corrigidos pela Taxa de Longo Prazo (TLP), que segue a cotação do mercado de títulos públicos vinculados à inflação. Estamos oferecendo uma taxa como essa porque inovação é risco para a indústria. Se ela quer montar um novo produto, ela não sabe se vai chegar. Ela vai tentar. O BNDES tinha parado de financiar inovação. Vamos retomar. Se o projeto deu certo, eu retomo a TLP para bancar as máquinas, investimentos etc. Isso acelera o desembolso do banco.
O que falta para essa linha estar disponível?
Só falta o Conselho Monetário Nacional regular. Já foi aprovado na Câmara e no Senado. Serão R$ 5 bilhões por ano para inovação pelo BNDES. E nós vamos trabalhar junto da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e chegaremos a R$ 10 bilhões. É uma iniciativa importante, ao lado de outro instrumento que estamos fechando para a questão climáticas.
Você se refere ao Fundo Clima?
Sim, vamos retomá-lo. A partir de agosto, o Fundo Clima terá R$ 680 milhões para crédito, com taxa de até 3% ao ano, para descarbonização e transição energética. São recursos de royalties de exploração de petróleo que são destinados ao programa. O Ministério da Fazenda está trabalhando para lançar um Plano de Transformação Ecológica. O Fundo Clima será um grande instrumento de financiamento desse plano, uma vez que também pode captar recursos de green bonds (papéis de dívida emitidos especificamente para financiar projetos com compromissos ambientais), o que aumenta seu potencial.
Este segundo semestre será melhor que o primeiro?
Por tudo isso, pela melhora do cenário econômico, a criação de novos instrumentos, por já termos uma política industrial aprovada, pelo lançamento do novo PAC, acreditamos que teremos um segundo semestre ainda melhor.