Em árabe, “safra” significa amarelo, ou dourado; como o ouro comercializado pela família de onde saiu Edmond Safra, que o ex-presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, chamou de “o maior banqueiro de sua geração”.

Morto em um incêndio criminoso provocado pelo próprio enfermeiro em 1999, Edmond é ainda hoje lembrado como figura lendária do mundo financeiro – e, com sua mulher, Lily, do mundo das artes e da filantropia. Sua história, narrada no recém-lançado em português “A Jornada de um Banqueiro” tem contornos de fábula.

Acostumado desde os oito anos a acompanhar o pai, Jacob, nos contatos com clientes, Edmond foi enviado por ele, aos 15 anos de idade, de Alepo, na Síria, a Milão, na Itália, para prospectar oportunidades. Edmond baseou seu sucesso no talento precoce para os negócios e na extensa experiência com arbitragens financeiras e transações cautelosas por variados mercados turbulentos.

Profundamente religioso, andava com amuletos nos bolsos, negava-se a assumir compromissos em dias sagrados e escolhia datas e valores muitas vezes por seu significado místico.

Lançado pela editora Best Business (grupo Record) e com tradução de Alessandra Bonrruquer, o livro tem como subtítulo “Como Edmond Safra construiu seu império global”, e foi escrito pelo jornalista econômico Daniel Gross.

“Como no império britânico, o sol nunca se põe na família Safra de bancos”, cita Gross, ao descrever as realizações superlativas de seu biografado e sua pioneira atuação globalizada, operando entre culturas e mercados, dominando seis línguas e com casas espalhadas por vários países.

“Ele nasceu e foi criado na estufa cosmopolita de Beirute, em um mundo de redes comerciais e financeiras que se estendia de leste a oeste”, descreve Gross, ao mostrar, com exemplos da vida de Edmond, a importância de ter uma mente aberta a diversas culturas e ambientes de negócio – e, baseando-se em uma maneira cordial e personalista de tratar parceiros potenciais ou funcionários, alimentar uma rede de contatos nos mais variados ambientes.

Edmond e Lilly Safra com Gorbachov, em 1993, em Cambrigde: aposta no mercado emergente da Rússia

Seja com ouro ou prata, matérias-primas ou transportes de cédulas, Edmond tinha um talento especial para identificar oportunidades. “Era excelente em se infiltrar nas falhas tectônicas do comércio global, trabalhando nos veios entre impérios destroçados, potências decadentes e regimes regulatórios em mutação”, diz Gross.

Gross intercala o relato dessa infiltração com descrições das crises mundiais que influíram no destino de seu biografado, a primeira delas no Oriente Médio, de onde saiu a família Safra, que, após a migração bem-sucedida da irmã mais velha de Edmond, Eveline, para a Argentina, decidiu refugiar-se da turbulenta Síria do pós-Segunda Guerra. Nos anos 1950, foram buscar abrigo no Brasil, um dos poucos países promissores disposto a aceitar levas de judeus emigrantes em busca de porto seguro.

Para consolidar seus negócios financeiros e montar banco no Brasil, Edmond e seus irmãos Joseph e Moïse conseguiram cidadania brasileira – da qual Edmond renunciaria poucos meses antes de morrer, após vender seus bancos para o HSBC, para naturalizar-se cidadão de Mônaco, país com fama de “paraíso fiscal” por não cobrar imposto de renda de seus habitantes.

Republic National Bank, em Nova York

A narrativa protagonizada por Edmond Safra mostra um personagem que não se encaixa bem no modelo preconizado pelos clássicos manuais de gerenciamento financeiro. Lições seculares dos mercadores e financistas do Oriente Médio encontravam seguidor fiel em Edmond Safra, que mostrava pouco respeito a organogramas; começou sua carreira de banqueiro com instituições onde a informalidade (aliada ao zelo pela elegância pessoal) era comum; e tinha alta conta por conceitos como “honra” e “amizade”.

Nem sempre essa falta de apreço às normas clássicas de administração trazia vantagens: o livro mostra como o banco de Edmond em Nova York, o Republic National, demorou a reagir a pelo menos uma crise importante, esperando instruções do dono, enquanto operadores de Safra em outros países, mais acostumados à delegação de poderes, descartavam mais rapidamente ativos problemáticos.

Edmond considerava essencial olhar diretamente nos olhos dos futuros clientes ou sócios, e dava valor de contrato à palavra empenhada. Fiel aos preceitos do pai por toda a vida, o banqueiro de certa forma incorporava algumas atitudes hoje defendidas pelos que propõem um capitalismo voltado aos interesses dos “stakeholders”, a comunidade e indivíduos com interesses afetados pelos negócios.

Na descrição de momentos-chave na rede de bancos montada por Edmond, Gross mostra exemplos de decisões incomuns tomadas com base no que o banqueiro considerava ser sua responsabilidade frente aos clientes, aos funcionários, ou à comunidade judaica a qual pertenceu.

A figura do outsider sempre esteve na consciência de Edmond, que, na crise financeira dos anos 80, sem confiar no socorro estatal, minimizou os efeitos das moratórias dos países emergentes vendendo seu banco suíço ao American Express.

A transação, porém tornou-se um pesadelo para o banqueiro. Gross descreve como, após desentendimentos entre os envolvidos, Safra foi alvo de uma campanha de difamação alimentada clandestinamente por funcionários do American Express, que incluiu notícias “plantadas” em jornais por todo o mundo, envolvendo seu nome em acusações mentirosas de lavagem de dinheiro, tráfico e até de envolvimento com o escândalo Irã-contras (escândalo de venda clandestina de armas ao Irã com o uso dos recursos para financiar a oposição armada na Nicarágua).

Lilly e Edmond Safra, na inauguração da Praça Safra, em Amsterdã: filantropia

Nos anos 90, sem filhos nem interesse dos irmãos em assumir a frente de seus negócios, debilitado pelo mal de Parkinson, ele decidiu vender seus bancos ao HSBC, outro episódio com surpreendentes idas e voltas contadas em detalhe no livro.

Gross não esconde sua simpatia pelo biografado, que define como um “um herói e um ícone da comunidade judaica síria — uma espécie de Warren Buffett, Rothschild  e Schindler (o benemérito) misturados em uma única pessoa.”

Ele teve apoio próximo da família para escrever sua obra, baseada em documentos e entrevistas fornecidos pela instituição dedicada à memoria do banqueiro que raramente dava entrevista e, apesar de oferecer festas luxuosas, era muito discreto em relação a detalhes pessoais.

A obra, com alentadas 392 páginas, é uma leitura que se justifica pela saborosa linguagem jornalística e a riqueza do personagem – dificilmente um modelo a ser seguido, por suas características e história pessoal inimitável, mas certamente uma fonte de boas lições. Uma delas, com fartos exemplos, é o apego dos Safra à filantropia e às artes, com evidentes retornos para as comunidades onde atuaram.

Capa do livro

Serviço:
"A jornada de um banqueiro"
Daniel Gross
392 páginas
impresso: R$70
Editora Best Business