Ao longo de quatro horas, em abril de 2023, os olhos de Rodrigo Jolig não desgrudaram da tela do seu laptop. Do outro lado, em vez de dados referentes ao mercado financeiro global, ele estava concentrado na primeira audiência de mediação da Finra, a autoridade reguladora do setor financeiro dos Estados Unidos, que acontecia em Nova York.
Nesse período, enquanto o seu advogado apresentava documentos, os representantes do Morgan Stanley argumentavam e os mediadores da Finra analisavam cada palavra, um filme passava pela cabeça de Jolig.
Ao longo dos últimos quatro anos, um dos principais traders de moedas de países emergentes viveu, literalmente, um calvário. Em 2019, uma estratégia errada e uma perda milionária empurraram Jolig para o desconforto, a insegurança e, pior, a desconfiança.
“Tivemos um ano ruim, perdemos dinheiro e o banco queria entender o que aconteceu”, diz Rodrigo Jolig, em entrevista exclusiva para o NeoFeed.
Por mais de uma década, Jolig fez parte de um dos times mais bem-sucedidos do Morgan Stanley. De Londres, a área, que era comandada por outro brasileiro, Thiago Melzer, vinha se destacando na estrutura do banco. Em quatro anos, eles chegaram a acumular quase US$ 1 bilhão de ganhos com operações de derivativos cambiais.
Em 2019, porém, uma estratégia envolvendo a lira turca deu errado e o Morgan Stanley teve de arcar com uma perda milionária. Em todo caso como esse no mercado financeiro, um processo administrativo interno é instaurado para checar se foi realmente um erro de estratégia ou se há indícios de fraude. Melzer e Jolig estavam tranquilos. Foi um erro, paciência, vida que segue.
Mas não foi bem assim. O caso acabou vazando para a imprensa e o Morgan Stanley teve de reportar para a Finra o que estava sendo investigado. “Um negócio que leva uma semana, duas semanas escalonou para uma proporção que não era para escalonar”, afirma Jolig.
Basicamente, o banco informou que os seus profissionais fizeram o uso de plataformas não aprovadas para a execução de ordens, ou seja, em vez de usar os canais oficiais do banco, como o e-mail, usou-se o WhatsApp ou mesmo a autorização por voz.
Junto com os canais considerados inapropriados também estavam sendo checadas “marcações de posições erradas”. Em casos como esse, de grandes perdas financeiras, essa é uma maneira de tentar esconder uma fraude.
A Finra, que atua como árbitra e reguladora em disputas relativas ao mercado de capitais, é bastante atuante na resolução de problemas. No ano passado, a entidade suspendeu 328 profissionais e 3 firmas, levou 663 casos de fraude ou insider trading para a Justiça e conseguiu restituir US$ 26,2 milhões. Em 2019, a Finra registrou 854 atos disciplinares - entre eles o de Jolig e Melzer.
Jolig estava tranquilo porque não havia cometido fraude, mas tinha um problema para resolver. Ao ter o caso registrado na Finra, sua ficha profissional passava a exibir um disclaimer do caso. Era como se um alerta vermelho aparecesse sempre que seu nome fosse pesquisado.
Em qualquer análise de risco, há uma checagem das movimentações de mercado dos profissionais na Finra. Quem digitasse seu nome no brokers check iria se deparar com esse destaque negativo (que fique claro: nunca houve processo no regulador contra ele, algo natural caso a conclusão fosse de fraude).
“A minha preocupação era: como vou arrumar isso? A consciência estava tranquila, mas eu precisava resolver o problema causado pelas inverdades”, afirma Jolig.
Com o caso da perda com derivativos cambiais registrado na Finra, o Morgan Stanley decidiu afastar os dois nomes envolvidos. De 2019 a 2021, Jolig e Melzer foram colocados em um gardening leave enquanto as investigações estavam em curso.
Ambos precisavam se defender da acusação de que faziam marcações erradas das perdas. O que estava registrado na Finra era difamatório para os dois brasileiros.
Com a demora na resolução, Melzer decidiu sair do banco cerca de um ano após o afastamento e deu início ao processo para limpar o seu nome. Com a decisão de ir para o litígio, ficou livre e pode voltar ao Brasil para montar a gestora Upon Global Capital, que detém atualmente cerca de R$ 460 milhões sob gestão. Em setembro do ano passado, seu caso foi encerrado na Finra.
Assim como Melzer, Jolig estava com tudo pronto para deixar Londres e voltar para o Brasil para ter a sua própria gestora. A Alphatree Capital já estava sendo estruturada com ele como CIO, ao lado de Jonas Doi, que estava na Verde Asset, e do economista Raone Costa. A gestora nasceria com um importante apoio: o investimento semente de Elie Horn, o fundador da Cyrela, e sua família.
Mas Jolig resistia em pedir demissão. Queria voltar para o Brasil e iniciar a nova vida profissional com o passado limpo e nenhuma pendência a resolver. Mas não deu tempo. A Alphatree estreou em 30 de setembro de 2021 sem Jolig em nenhuma função administrativa ou de gestão. Ele ainda estava ligado ao Morgan Stanley.
“Em Londres, a cabeça era que tudo seria resolvido. Quando não deu certo, pedi demissão”, diz ele. “Até porque chegou num ponto que eu estava há dois anos em licença. Eles tinham que me cozinhar para eu tomar a decisão. A outra opção era voltar a trabalhar, mas do lado deles não tinha como.”
Para não atrasar ainda mais a sua nova gestora, Jolig decidiu se demitir e abrir mão de boa parte do que tinha para receber com a certeza que o disclaimer na Finra seria retirado. Infelizmente, o alívio que Jolig buscava não aconteceu e sua ficha continuou suja na autoridade reguladora do setor financeiro dos EUA.
Entre o fim de 2021, quando ele se desligou definitivamente do Morgan Stanley e agosto deste ano, quando a decisão final do acordo foi publicada, Jolig teve de encarar a disputa para limpar o seu nome. No registro da Finra, não constava que ele havia pedido demissão, mas que fora demitido. E todo o disclaimer contra ele.
“É aquele negócio, todo mundo fala e todo mundo passa a julgar você. A cabeça fica louca. Partem do princípio que sou um criminoso; é horrível”, diz ele sobre o desgaste mental desse período. “Você tem de se provar inocente. Isso é muito chato."
Jolig é um sujeito pacífico. Embora tenha cerca de 2 metros de altura, seu tom de voz é baixo, seus gestos são comedidos e as palavras são colocadas com muito cuidado. Tímido, ouve mais do que fala. Para ele, ter de buscar um advogado em Nova York era um processo desgastante e contrastava com toda a paciência para não ir a litígio nos dois anos iniciais.
Além de cuidar da sua reputação, Jolig tinha uma segunda preocupação para encerrar de vez esse assunto: a Alphatree. Quando se desligou do Morgan Stanley em dezembro de 2021 e pôde entrar na gestão do fundo, o CIO atrelou à gestora o seu histórico.
Criado para ser um multimercado de estratégia livre com parte da alocação no mercado internacional, o fundo da Alphatree é direcionado para investidores institucionais. São eles que cumprem processos de due dilligence para alocação em um fundo. E, por mais que a família Horn, os sócios e o time da gestora confiassem em Jolig, a marca negativa do CIO na Finra não passava do primeiro filtro de análise.
“O mercado financeiro é muito reputacional e o que importa é a confiança das pessoas em você”, diz Doi, co-CEO e portfólio manager. “Ganhar e perder é parte do jogo, porque tem algo errado em quem só ganha. Agora, ter isso resolvido, abre muito espaço para a Alphatree passar por uma nova fase de captação.”
Com patrimônio líquido em torno de R$ 450 milhões, o fundo da Alphatree tem um retorno acumulado de 27,2% ante 24,6% do CDI, seu benchmark. Hoje está disponível no BTG Pactual, no Safra, na Órama, na Toro, entre outras plataformas.
“Obviamente que esse não foi um período legal, mas foi bom me envolver no projeto da Alphatree e ter pessoas que confiaram em mim, como a família Horn, o Jonas…”, afirma Jolig.
Desde agosto, o passado de Jolig tem um nada consta após o acordo feito com o Morgan Stanley no painel da Finra. O registro de que ele havia sido mandado embora no último dia do seu gardening leave com menção a todos os allegations foi apagado. No registro consta apenas que ele se desligou do banco em dezembro de 2021.
Agora, com a cabeça única e exclusivamente voltada para a gestão do seu multimercado, Jolig vê o mercado longe de definir uma próxima tendência. Para a Alphatree, são nesses momentos que ela ganha dinheiro.
Neste momento, uma das maiores posições do fundo é estar comprado em dólar contra a moeda na China. A divergência de política monetária e a revisão cada vez mais negativa da expectativa de crescimento do dragão asiático sustentam a tese da gestora.
“A depreciação da moeda da China, favorece a recuperação deles com as exportações. Mas o governo chinês tenta administrar o ritmo de depreciação para não acontecer muito rápido”, diz o CIO.
A Alphatree segue reticente com a bolsa. A gestora está vendida no mercado de ações, que embora tenha subido até os 120 mil pontos, só deve voltar a decolar quando os juros atingirem patamares mais baixos.
Outra posição vendida da gestora é em volatilidade de commodities. Recentemente, aquele movimento inesperado da invasão dos guerrilheiros na Rússia fez os preços dos grãos subirem bastante. “Como estamos vendidos, capturamos bem esse movimento”, afirma Doi.