Não são “apenas” os cerca de R$ 300 milhões que Alemanha e Noruega anunciaram deixar de doar, no início de agosto, ao Fundo Amazônia. Criado há dez anos e administrado pelo BNDES, o Fundo capta investimentos para a prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal, região que engloba nove estados do Norte e Centro-Oeste.
Este dinheiro é a perda imediata causada pelo aumento do desmatamento nesta vasta região e que tem provocado grande preocupação na comunidade internacional. Certamente fará falta para os 103 projetos hoje apoiados, que beneficiam 162 mil pessoas que têm atividades produtivas sustentáveis.
Esta é somente a ponta do iceberg. As perdas econômicas causadas pelo desmatamento estão apenas começando e ainda são de difícil estimativa. Vêm por aí sanções contra a entrada das commodities agrícolas brasileiras em mercados desenvolvidos do Norte da Europa e Canadá, boicotes de consumidores a produtos industrializados do país e, no futuro, alterações climáticas que poderão afetar a produtividade dos agricultores das regiões Centro-Oeste e Sudeste.
Qualquer desses riscos são ameaças totalmente dispensáveis para um país que já possui um vasto cardápio de problemas: a estagnação econômica; a dependência do mercado externo como tábua de salvação; e os baixos índices de produtividade em comparação com os competidores internacionais.
O desmatamento na Amazônia Legal cresceu 66% em julho comparado ao mesmo período do ano passado
Pior ainda quando se sabe que esses riscos têm sido criados por nós mesmos. O desmatamento na Amazônia Legal cresceu 66% em julho comparado ao mesmo período do ano passado, segundo levantamento do instituto de pesquisa Imazon. A perda é de uma área equivalente ao tamanho do município do Rio de Janeiro.
Os dados do Imazon, levantados por meio de outra metodologia, confirmam a tendência de aumento descontrolado, apontada pelo Instituto Nacional de Pesquisas espaciais (Inpe), que gerou a crise de relacionamento com o presidente Jairo Bolsonaro.
Os líderes do agronegócio e da indústria florestal já identificam problemas no horizonte. Afinal, cresce a quantidade de questionamentos de administradores de fundos internacionais sobre a procedência dos produtos, os impactos de sua produção e os esforços para o combate às mudanças climáticas. Esses questionamentos representam a preocupação de investidores e se estendem a importadores, clientes e varejistas.
Os líderes do agronegócio e da indústria florestal já identificam problemas no horizonte
No olhar um pouco mais distante, cientistas temem que o desmatamento na Amazônia afete o regime de chuvas nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, principais centros produtivos da agricultura nacional. Já se sabe que a umidade amazônica é responsável pelas enormes correntes de vapor de água que percorrem o país e irrigam as plantações. São os chamados “rios voadores”. Sem eles, a produtividade de importante parcela de nossa área agriculturável está fortemente ameaçada.
Portanto, a atividade extrativista de madeira, que segue um padrão econômico da era pré-industrial, é movida por uma lógica de curto prazo, que não garante recursos para a União, pois sequer é praticada como uma atividade formal. Em verdade o desmatamento, gera prejuízos em série: da perda de recursos de cooperação internacional ao boicote de consumidores aos produtos brasileiros, passando pelo aumento da desconfiança de investidores e clientes globais até o aumento dos riscos climáticos sobre a agricultura nacional. Enfim, como diziam os manifestantes em 2013, “não só 20 centavos”, também podemos afirmar agora que “não são apenas os R$ 300 milhões”.
* Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).