Com apenas 49 anos, Frank Geyer Abubakir costuma brincar que já tem seus testamentos prontos “há muito tempo”. A prática é uma herança de família, mas não é a única. Parte de uma linhagem de seis gerações de empresários, ele se envolveu muito cedo nos negócios do clã.

Já em 2005, Abubakir assumiu um assento no board da Unipar, como representante da Vila Velha, holding da família e maior acionista da operação. Três anos depois, foi eleito presidente do conselho e conduziu a empresa às posições de maior produtora de cloro-soda da América do Sul e segunda maior de PVC da região.

Cumpridas essas etapas, a Unipar e Abubakir começam a escrever um novo capítulo dessa trajetória nesta quarta-feira. A companhia acaba de anunciar que o empresário está deixando a presidência do board e que, para ocupar o seu posto, ele nomeou Bruno Uchino.

Uchino ingressou no conselho da Unipar em 2017 e, desde então, vinha sendo preparado por Abubakir para a posição. Com uma bagagem de mais de 20 anos, ele é sócio-fundador da Essentia Partners, butique especializada em assessoria financeira e M&A, e passou por grupos como Royal Dutch Shell e Oi/Telemar.

“Estamos terminando um ciclo na Unipar e é importante criar uma nova dinâmica para a empresa”, diz Abubakir, ao NeoFeed. “A ideia é ter pessoas mais especializadas para cada papel e que eu possa, como acionista controlador, me dedicar ainda mais aos papéis estratégicos da empresa.”

Em paralelo à passagem de bastão, Abubakir dá início à sucessão em seu próprio círculo familiar. Aos 18 anos, Maria Cecília, sua filha mais velha, passa a ser a suplente de Uchino no conselho e Maria Carolina, a caçula, de 17 anos, assumirá um posto na diretoria da Vila Velha.

“Depois, as duas vão alternar”, explica. “A Maria Cecília começa agora pra que possa observar e começar a aprender, não só na mesa do almoço e do jantar, como eu aprendi com meu avô e minha avó. Até para decidir se quer ou não seguir esse caminho.”

Se Abubakir traz no sangue e na memória os ensinamentos dos avós, na Unipar, seu legado envolve uma operação avaliada atualmente em R$ 8,9 bilhões, dona de uma receita de R$ 6,2 bilhões, em 2021, e uma das principais pagadoras de dividendos no ano passado, com um montante total de R$ 1,5 bilhão.

Na entrevista ao NeoFeed, o empresário dá mais detalhes sobre a nova governança da Unipar, os planos e investimentos a partir da demanda esperada com o Marco Legal do Saneamento, aquisições e projetos greenfield, de internacionalização e do cenário político do País. Confira:

Como a sua saída do board da Unipar se encaixa no momento e nos planos da empresa?
Eu brinco que, dessas coisas que se aprende em família, já tenho os meus testamentos prontos há muito tempo. É melhor você refletir sobre o fim dos ciclos mais distante deles. Eu entendo que estamos terminando um ciclo na Unipar e é importante criar uma nova dinâmica para a empresa. A ideia é ter pessoas mais especializadas para cada papel e que eu possa, como acionista controlador, me dedicar ainda mais aos papéis estratégicos da empresa, a uma construção de longo prazo e que, na maior parte das vezes é, inclusive, intergeracional.

Qual componente intergeracional você destaca nesse caso?
Estou com 49 anos, mas já penso na sucessão que não é uma sucessão, digamos, da Unipar, mas da minha família. Então, por exemplo, a Maria Cecília, minha filha mais velha, assume agora como suplente do Bruno Uchino no Conselho, assim como fizemos com a Louise Barsi, que já é suplente do pai, o Luiz Barsi (que detém uma participação de 13,92% na Unipar) há mais de cinco anos.  A Maria Cecília começa agora, para que possa observar e começar a aprender, não só na mesa do almoço e do jantar, como eu aprendi com meu avô e minha avó, mas também escutar, ver como é o dia a dia de um conselho, da vida empresarial, os desafios. Até para decidir se quer ou não seguir esse caminho. Isso não significa que ela vai assumir qualquer posição na administração factual da companhia.

E sua filha mais nova, também já está seguindo esses passos?
A Maria Carolina vai entrar agora na diretoria da Vila Velha. Depois, as duas vão alternar. É uma questão de preparar as mulheres para a liderança e do começo. Se elas querem ser empresárias, é preciso entender como criar boas empresárias. O que eu faço é algo que se aprende muito no empírico, no real. Claro que o amparo técnico é fundamental. Mas a experiência empírica é essencial.

"É uma questão de preparar as mulheres para a liderança e do começo. Se elas querem ser empresárias, é preciso entender como criar boas empresárias"

Quais componentes levaram à escolha do Bruno Uchino para assumir sua posição?
O Bruno reúne as qualidades éticas e as competências. Ele é capaz de conceituar, de pensar de maneira tática, ou seja, mais de curto prazo, e é capaz de pensar de forma mais estratégica, no longo prazo. E eu pude averiguar isso ao longo de 5 anos, trabalhando em conjunto com ele e tendo oportunidade de ver como ele faz negócio, como administra as pessoas, como cumpria aquilo que eu designava a ele como conselheiro. Então, o momento é agora, porque ele está preparado. Era algo que eu queria fazer. A Unipar chegou num tamanho e num momento de maturidade e eu acho que essa evolução no sistema vai nos permitir crescer com saúde e de maneira mais eficiente.

Qual perfil de atuação você espera dele nessa nova composição?
Eu preparei o Bruno Uchino pra que ele pudesse vir a fazer o papel de executive chairman, que não é apenas um presidente de conselho com a dedicação de algumas horas. É um presidente de conselho com total dedicação à companhia. Ele vai fazer a função de equilíbrio com a diretoria, de observar que a empresa cresça com saúde, de cobrar, de definir as estratégias e de apoiar também essa diretoria.

E qual será o seu papel dentro dessa nova dinâmica?
Eu passo a ter um pouco mais de distância, para ter a capacidade de enxergar mais o conjunto e menos a árvore em si. E ter mais tempo para refletir sobre as estratégias e as questões culturais, filosóficas, os princípios, os objetivos, os valores da companhia. E menos, por exemplo, sobre a quantidade de ações, de planejamento, de conversas que você tem que fazer pra culminar naquela reunião formal que é a reunião de conselho. Então, o Bruno passa a esse papel, se equilibrando com o Mauricio, e a gente cria uma outra camada decisória no voto, através da minha posição de acionista controlador, nas assembleias. Do ponto de vista de dinâmica, é claro que o meu trabalho continua sendo ser empresário da Unipar. Sigo sendo acionista controlador e vou discutir com o próprio board o que, como e quando deve ser.

Dentro dessa agenda, um dos elementos que abrem boas perspectivas para a Unipar é o Marco Legal do Saneamento. Como essa questão está influenciando os planos e investimentos da empresa?
Nós anunciamos recentemente em Camaçari o que é o começo de um pequeno cluster de produção de cloro/soda, mas que esperamos que se torne tão grande quanto Cubatão. É uma planta de apenas 10 mil toneladas, mas é o primeiro passo e se for necessário um incremento, podemos fazer muito mais rápido. Estamos prontos para fazer ampliações e novos investimentos assim que a demanda apontar no horizonte. Não só em Camaçari como em outros locais.

Há outras unidades de produção no radar, sejam elas projetos greenfield ou fruto de aquisições?
Nesse momento não. Começamos em Camaçari e a decisão é ter, a princípio, a base do Nordeste lá, pelo menos naquela região. Se houver algo para mais para o norte do Nordeste ou Centro-Oeste ou Sudeste, vamos avaliar. Estamos com dívida negativa, temos caixa sobrando. Então, vai ser sempre um racional de onde há demanda de saneamento e que não está sendo atendida. Mas posso dizer que esse não é o único caminho que nos atemos para crescer. Sendo uma indústria de capital, química, petroquímica ou algo próximo que a gente tenha conhecimento e se sinta competente para gerir, a gente vai olhar. Inclusive em termos de internacionalização.

O que há de concreto em projetos fora do País?
Estamos olhando para América do Sul, Europa e América do Norte. Pode ser tanto aquisição quanto greenfield. Temos várias conversas, mas nada ainda no encaminhamento de sair. Não temos um limite hoje para investir na Europa, nos Estados Unidos ou no Brasil. É questão mais de oportunidade.

Em 2021, vocês chegaram a considerar uma venda ou fusão. Há espaço para um movimento nessa direção?
Na verdade, fomos procurados na época por um grupo muito grande que queria nos comprar. E minha posição como empresário, tenho obrigação de escutar a proposta. Então, nós abrimos a competição para escutar várias propostas, mas encerramos a matéria. Ninguém chegou no preço que eu queria vender. E hoje não tenho nada no horizonte que me diga para vender a Unipar.

"Sigo sendo acionista controlador e vou discutir com o próprio board o que, como e quando deve ser"

Em um contexto mais amplo, como você está enxergando o cenário político e das eleições no País?
Eu realmente espero que paremos de polarizações. As análises que são feitas me parecem quase sempre torcidas. São análises radicalmente com certezas de um lado ou radicalmente com certezas de outro. É preciso ter a humildade de reconhecer que o mundo é bem mais complexo e bem mais holístico. Espero que passemos a fazer falas transversais, que procurem um equilíbrio, um diálogo, e claro com espaço da dúvida, que é o espaço onde o político deve trabalhar. Então, eu espero que a gente acorde e passe a ter um diálogo onde cada um fale daquilo que entende e com responsabilidade.

Dentro dessa polarização, há espaço para uma terceira via?
Eu não entendo de política. Lá em casa a gente era gerador de riqueza. Eu acho o poder muito perigoso. Dinheiro já é uma coisa complicada e o poder é pior ainda. Mas, pelo que leio, me parece razoavelmente coerente que está polarizado entre o ex-presidente Lula e o atual presidente Bolsonaro.

Voltando à nova dinâmica da Unipar, quais são seus planos além da empresa?
Há dois anos, eu e minha mulher fundamos o Instituto Flávia Abubakir, onde reunimos uma série de ações que tínhamos há mais de uma década, de ajuda sócio, cultural e artística, perto de onde moramos. É o princípio que aprendi com os franceses, “cuide da sua rua”. Temos um acervo de preservação histórica do Brasil que está sendo disponibilizado para pesquisadores, que está subindo para a nuvem e guardado em estado de arte. Também ajudamos escolas, pessoas carentes, em situação de rua. Eu já tenho me dedicado a isso e quero me dedicar também a estudar. Tenho muita vontade de fazer filosofia. E devo fazer um curso de negócios em Los Angeles.