O dia tinha tudo para dar errado e mergulhar a Europa no caos, mas isso não aconteceu e até o euro ganha fôlego ante o dólar, após chegar à paridade na semana passada. Apesar da renúncia definitiva do primeiro-ministro italiano Mario Draghi, o aumento do juro pelo Banco Central Europeu (BCE) e a retomada do fornecimento de gás russo para a Europa trouxeram alívio aos mercados.
“Os ativos financeiros agora se ajustam ao cenário de uma era de juro negativo quase enterrada, mas entre as grandes economias ainda temos o Japão que manteve sua taxa básica em -0,10% e a de títulos de 10 anos em 0%”, afirma ao NeoFeed o especialista em mercados internacionais Julio Hegedus Netto, economista-chefe da Mirae Asset Wealth Management.
Nesta quinta-feira, 21 de julho, o BCE quebrou o jejum de 11 anos e foi além do esperado: elevou suas taxas em 0,50 ponto percentual e não em 0,25 ponto percentual como indicado pela presidente da instituição, Christine Lagarde, e dado como certo pelo mercado.
A taxa de depósitos deixou o campo negativo de -0,50% para a 0%. Com a decisão, o BCE reforça o compromisso de combater a inflação que Lagarde espera permanecer “indesejavelmente alta por algum tempo”.
O índice de preços ao consumidor na Zona do Euro atingiu 8,6% em base anualizada até junho e pode avançar aos dois dígitos, caso o abastecimento de gás russo seja descontinuado durante o inverno europeu. Neste mês, a Gazprom manteve o gasoduto desligado por 10 dias, como programado, e retomou a operação, também nesta quinta-feira, a 40% da capacidade, informa a France Press – fluxo estabelecido antes da manutenção.
Assim como o aumento do juro, a formalização do Transmission Protection Instrument (TPI) também era aguardada. O TPI será utilizado pelo BCE para recomprar títulos dos países mais endividados da Zona do Euro para conter o aumento de custo de financiamento, sobretudo, nas economias consideradas periféricas do bloco: Itália, Espanha, Portugal e Grécia.
Ao anunciar a alta do juro, o Conselho do BCE afirmou, em comunicado, considerar “apropriado dar um primeiro passo maior em seu caminho para a normalização da taxa básica do que o sinalizado em sua reunião anterior.” Na sequência do BCE, o Banco Central da Dinamarca também elevou suas taxas em 0,50 ponto. Movimento semelhante de outros bancos centrais de países-membros do bloco é aguardado, de acordo com a Reuters.
Para o economista-chefe da Mirae, a instituição demorou a agir no sentido de alinhar sua política a do Federal Reserve (Fed), o BC dos EUA. “Ambos estavam na tese da inflação temporária. Acreditavam que, superada a pandemia, os preços se estabilizariam e a política monetária seria normalizada, mas a aceleração recente de preços, pelos choques de oferta com a guerra da Ucrânia – e gargalo na oferta de petróleo e grãos – mudou o cenário. O BCE demorou, mas iniciou o ciclo de alta [mais agressivo] em 0,50 ponto”, avalia.
Hegedus Netto credita a demora no início do ciclo de alta pelo BCE também ao fato de a economia europeia não ter tanto dinamismo quanto a americana. “A economia europeia é pesada, dado o excesso de subsídios e fundos governamentais. O motor do velho continente é a Alemanha, também em apuros pela grande dependência da Rússia.”
O economista-chefe da Mirae Asset no Brasil chama atenção para o fato de os mercados conviverem atualmente com “duas realidades descoladas” dos movimentos dos maiores bancos centrais.
“Todos enfrentam a inflação. Mas a China está saindo de vários focos de pandemia e querendo crescer 5,5% como o planejamento para este ano. E o Japão segue vivendo sob o fantasma da deflação, baixo crescimento e juro real negativo. Claro que a inflação por lá repicou para 2,3% anualizada, mas está muito próxima da meta de 2%”, lembra Hegedus Netto.