Com o esvaziamento do Fies, o programa do governo federal que financiava estudantes, o crédito privado começou a ganhar força no setor educacional. É esse flanco que a Pravaler, uma empresa da qual o Itaú Unibanco é acionista com uma fatia de 42,49%, quer explorar.
Para isso, a Pravaler acaba de concluir uma captação de R$ 180 milhões em um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), mecanismo que usa desde meados dos anos 2000, com a meta de financiar até 1 milhão de estudantes até 2025, mais de cinco vezes sua base atual.
Com os recursos, a Pravaler quer também ampliar a oferta de soluções de crédito para além do ensino presencial, investindo em cursos livres e a distância. “Mais do que crédito universitário, queremos nos tornar uma companhia que oferece soluções financeiras para a educação", afirma Carlos Furlan, CEO da Pravaler, ao NeoFeed.
Desde que foi fundada em 2001, quando se chamava Ideal Invest, a Pravaler já captou R$ 4 bilhões em FIDCs. Atualmente, a companhia fatura R$ 250 milhões, já atendeu 170 mil estudantes e tem 350 funcionários na equipe, um terço deles na área de tecnologia.
O principal serviço da Pravaler, que também conta com a gestora EOS Investimentos e o fundo americano de venture capital Ribbit Capital na base de acionistas, é uma plataforma em que o aluno escolhe a instituição que quer estudar, faz uma simulação e já sabe se tem crédito pré-aprovado antes mesmo de se matricular. O pagamento é parcelado no dobro do tempo da graduação, com valores subsidiados pelas faculdades parceiras, que se comprometem a absorver ao menos parte dos juros.
Com o subsídio, a Pravaler consegue cobrar juros de até 15% ao ano. Dependendo da instituição, o estudante só paga o reajuste de acordo com o IPCA. Grupo Ânima, Cruzeiro do Sul e Unip são algumas das faculdades que oferecem o financiamento com juro zero a sua base de alunos.
Para reduzir a inadimplência, um algoritmo analisa o perfil de cada estudante, criando um score de crédito a partir de fatores como a probabilidade de o aluno encontrar emprego na área escolhida dependendo da cidade em que vive. De acordo com a empresa, 60% das propostas são aprovadas.
Com os novos recursos, a empresa quer expandir sua atuação. Um dos objetivos é fornecer também soluções de crédito para as próprias instituições de ensino. O plano envolve a compra de carteiras de dívidas dessas faculdades. A empresa está negociando com o BV (ex-Banco Votorantim) para a captação de outro FIDC ainda neste ano, no valor de R$ 100 milhões, para atender o setor B2B. Outra solução oferecida para as instituições é a gestão da carteira mediante a cobrança de um fee, uma das formas de gerar receita.
A Pravaler quer também dar mais atenção a outros tipos de cursos, como ensino a distância, cursos de curta duração, de tecnologia e idiomas, e intercâmbio. "Havíamos começado a apostar no setor de intercâmbio, mas paramos por conta da pandemia. Esperamos retomar neste ano", afirma Furlan.
Um levantamento feito pela empresa Educa Insights, especializada em pesquisas no setor, apontou que 71% dos alunos esperam retornar à graduação presencial entre o primeiro semestre de 2021 e o início de 2022, se possível após serem vacinados. "Quando você olha para esses números, vê que é um mercado muito grande", afirma Furlan.
O setor de educação caminhava rumo à digitalização antes da pandemia, mas a transformação foi acelerada pelas medidas de isolamento provocadas pela Covid-19. "Houve uma mudança muito grande do aluno, que, a partir de 2019, passou a ingressar na educação superior por meio do ensino a distância", diz William Klein, CEO da consultoria Hoper Educação. "Nós estamos na metade da jornada da transformação digital das instituições de ensino."
Segundo o consultor, o setor encontrou uma maneira de existir em 2020, recorrendo às aulas remotas. Agora, passará por um processo de profissionalização em que um formato capaz de mesclar aulas remotas e presenciais será consolidado. O processo deve levar alguns anos.
Há também uma oferta maior de cursos a distância, com preços mais baratos aos alunos. "Os novos modelos educacionais são híbridos, com enxugamento da carga horária, o que se reflete no preço final", afirma Carlos Monteiro, presidente da CM Consultoria.
Esse cenário trouxe mais competição. Em especial, pelo esvaziamento do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil). No auge do programa, em 2014, foram oferecidos 733 mil contratos, com juros abaixo da inflação e prazo maior de quitação.
A partir de 2015, o programa foi reformulado, com redução no número de vagas e maior rigidez para a contratação, motivadas principalmente pela alta inadimplência. A previsão de oferta para 2021 é de 93 mil vagas.
Isso fez com que mais alunos buscassem alternativas de financiamento privado. As opções são variadas e incluem desde bancos como o Bradesco e Banco do Brasil, que oferecem linhas de crédito, muitas vezes em parceria com as próprias instituições de ensino, até startups, que também oferecem soluções no segmento.
Exemplos de startups são a Mova e a Biva, que atuam na categoria de Sociedade de Crédito entre Pessoas (SPE), e permitem a realização de empréstimos sem intermediação bancária
Para fazer frente à concorrência, a Pravaler também deve buscar o crescimento inorgânico através de fusões e aquisições. Desde o fim de 2020, a companhia criou uma área de M&A para estudar oportunidades na área de educação.
A companhia busca startups que oferecem soluções de crédito de nicho, para cursos específicos, muitas vezes fora do ensino superior. "É o tipo de empresa que queremos estar mais próximos", afirma Furlan. As primeiras negociações devem ser concluídas ainda neste ano.