O reinado do Chevrolet Onix parece ter subido no telhado. O próximo passo é cair. Ao contrário do gato, o Onix não vai morrer, mas sua hegemonia, que dura desde 2015, nunca esteve tão ameaçada.
Há exatamente um ano, no comecinho de março do ano passado, antes de a pandemia de coronavírus chegar ao Brasil, o Chevrolet Onix era líder do mercado com o dobro de vendas do segundo colocado. Hoje, ele tem apenas 2,2 mil carros de vantagem sobre o segundo colocado.
Muita coisa mudou no mercado brasileiro de carros por conta da pandemia. A crise sanitária levou a uma crise econômica e agora a indústria automobilística enfrenta problemas de fornecimento. Essa tempestade perfeita tem acelerado alguns fenômenos e antecipado decisões.
A mais chocante de todas foi a saída da Ford do clube de fabricantes de carros nacionais. Agora, também incomum, foi a decisão da General Motors de paralisar a produção do Chevrolet Onix na fábrica de Gravataí (RS) por um período mínimo de 20 dias.
Segundo a GM, a paralisação ocorre por falta de componentes para a fabricação do Onix. Mesmo que essa situação seja passageira, identificamos cinco cenários e vários fatores que indicam a pior notícia para o Chevrolet Onix: o fim de seu reinado está próximo. Vamos a eles.
Cenário 1 – Há apenas um ano, somados os emplacamentos de janeiro e fevereiro, o Chevrolet Onix tinha uma venda acumulada de 35,1 mil carros. Uma vantagem de 17,3 mil sobre o segundo colocado, seu irmão Onix Plus (sedã), que acumulava 17,8 mil emplacamentos. Perante um verdadeiro concorrente, o Ford Ka, a vantagem do Onix era de quase 20 mil unidades.
O mercado de carros somava 376,7 mil unidades vendidas. O Chevrolet Onix, portanto, era dono de 9,3% de todo o mercado. Se fosse um fabricante, o Onix sozinho estaria em quarto lugar, atrás apenas da Chevrolet, da Volkswagen e da Fiat. A Chevrolet tinha 51% de suas vendas concentradas no Chevrolet Onix. Esse cenário não existe mais.
Cenário 2 – Um ano depois de ser duramente castigado pela pandemia de coronavírus, o mercado de carros caiu para 320,8 mil unidades no primeiro bimestre. Mesmo assim, a participação do Chevrolet Onix encolheu para 6,5%. Ele ainda é o líder, com 20,8 mil emplacamentos, mas o segundo colocado agora é uma picape, a Fiat Strada, com 18,6 mil vendas acumuladas. A diferença agora é de apenas 2,2 mil carros. A participação do Onix nas vendas da Chevrolet caiu para 40%.
Há um ano, quatro dos cinco carros mais vendidos do Brasil eram hatches, como o Onix. Hoje, apenas dois hatches sobreviveram no ranking top 5: o próprio Chevrolet Onix e o Hyundai HB20. Os outros são uma picape, um sedã e um SUV.
Cenário 3 – A preferência do consumidor não mudou, mas os carros ficaram mais caros e boa parte da classe média que comprava os hatches compactos zero km passou a comprar carros seminovos. Os próprios fabricantes passaram a concentrar esforços em modelos com maior valor agregado e maior rentabilidade.
Assim, dois carros de entrada que estavam no top 5 há um ano perderam espaço no mercado. O Ford Ka, que era terceiro, deixou de ser produzido e caiu para o 22º lugar, com apenas 4,9 mil unidades vendidas. O Renault Kwid, que era o quinto, caiu para 14º, com 8,8 mil. Ou seja: se antes o terceiro colocado do ranking tinha apenas 44% das vendas do Onix, hoje o 14º colocado tem 42%. O Onix deixou de ser imbatível.
Cenário 4 – A paralisação da produção na fábrica de Gravataí talvez não custe a liderança do Chevrolet Onix em março, pois a GM tinha carros em estoque. Porém, ela certamente vai afetar as vendas em abril. Se tudo der certo, a GM corrige a questão do fornecimento de componentes para retomar a produção nos últimos dez dias de março. Se não, ela pode se alongar um pouco.
Ao contrário do Onix, a picape Strada, da Fiat, está num ritmo de crescimento forte. Agora com cabine dupla mais espaçosa e quatro portas, a nova Strada roubou vendas de hatchbacks nos últimos meses. Boa parte do público considera que a Strada é mais versátil para uso na cidade e em viagens curtas de fins de semana, pois ela tem mais ou menos o mesmo porte dos hatches e um espaço de bagagens muito maior.
Cenário 5 – Quando o Volkswagen Gol liderou o mercado brasileiro por 27 temporadas, a verdadeira façanha nos últimos anos foi do modelo G4 (velho e mais barato) e não do G5 (novo e mais caro). De alguma forma, a GM tentou a mesma estratégia com o Chevrolet Onix. Quando o novo Onix chegou ao mercado, no fim de 2019, o velho Onix não saiu de linha. Ele foi apenas rebatizado de Joy.
Pois bem, segundo relatórios do Renavam, aos quais tivemos acesso, o Onix Joy, que continua sendo produzido em São Caetano do Sul (SP), responde por apenas 9,7% das vendas do modelo. Ao contrário do que acontecia no caso do Gol, é o novo Onix (o que está com a produção paralisada) quem carrega a fama do modelo mais vendido da Chevrolet. Portanto, as vendas serão, sim, afetadas – e muito.
Conclusão – Segundo dados do Renavam, pelo menos 40% das vendas do novo Onix (que tem 90,3% do total do modelo) são das versões topo de linha LTZ, RS e Premier. São as versões mais caras, que deixam boa margem para os cofres da GM. E é exatamente nesse nicho que estão concentrados os esforços de vendas atualmente. As versões LTZ, RS e Premier do Onix custam de R$ 71 mil a R$ 82 mil.
Os consumidores dessa faixa de preço têm pressa para adquirir um carro novo e são sensíveis a ofertas. Por isso, alguns concorrentes podem atrair os consumidores infiéis. A GM tem capacidade de produção e o Chevrolet Onix tem atributos fortes para manter a liderança, mas, em termos de participação no mercado, o momento é ruim para uma paralisação na linha de montagem, pois a indústria inteira está com poucos estoques.
As próximas semanas serão decisivas para sabermos se o reinado do Onix cairá ou não do telhado.
Sergio Quintanilha é editor-chefe do site Guia do Carro. Trabalhou nas revistas Quatro Rodas, Carro, Carro Hoje, Motor Quatro e Motor Show. Atua na cobertura do setor automotivo desde 1989 e atualmente desenvolve uma tese de doutorado na USP sobre as transformações no significado do automóvel. Twitter: @QuintaSergio