Diébédo Francis Kéré, de Burkina Faso, tornou-se o primeiro africano e pessoa negra a receber o prêmio Pritzker, o equivalente ao Nobel da Arquitetura. O trabalho de Kéré sempre destacou o papel do design na criação do que ele chama de “cidades coerentes e pacíficas”.
Quando o prédio do parlamento de Burkina Faso foi incendiado durante a revolta do país, em 2014, na capital Ouagadougou, Kéré apresentou uma proposta para o novo complexo: a ideia era ser um símbolo de transparência e inclusão, demandas que a população tinha em relação ao novo governo.
Para o edifício central (ainda em construção), ele pensou em uma pirâmide escalonada cuja fachada se duplicaria como espaço público, acessível dia e noite aos cidadãos. Kéré desenhou terraços com plantações que simbolizavam as conquistas agrícolas de seu país, como explicou em uma entrevista, em 2017.
“Minha ideia ingênua é de que da próxima vez que houver uma revolta, as pessoas vão preservar o prédio e não incendiá-lo porque elas o utilizam.”
O primeiro edifício de Kéré foi uma escola primária em Gando, sua aldeia natal. Ele revisou e modernizou técnicas tradicionais – mas não as evitou. Utilizou o barro local, abundante, e, principalmente, envolveu toda a comunidade.
As crianças juntaram pedras para as fundações do prédio e as mulheres traziam água para fazer os tijolos. “Quanto mais materiais locais você usa melhor porque isso incentiva a economia e ajuda a fortalecer o conhecimento da comunidade, o que deixa as pessoas orgulhosas”, explicou ele.
Desafiando o pensamento eurocêntrico
Estima-se que até 2030 dois bilhões de pessoas estarão vivendo em assentamentos “informais” autoconstruídos. Mais de 61% da população mundial empregada já ganha a vida nessa economia informal.
Os arquitetos, portanto, tem a responsabilidade de ir além das abordagens ocidentais dominantes e eurocêntricas do ambiente construído e revigorar o conhecimento locais, exatamente como Kéré fez. Esse tipo de atitude reforça a capacitação das comunidades locais e promove maior sustentabilidade.
Como Kéré disse à CNN logo após saber que havia recebido o prêmio Pritzker:“Às vezes, o mundo ocidental – e a sua comunicação – faz com que as coisas no Ocidente (pareçam) ser as melhores.
E elas são percebidas por outros como as melhores, sem levar em conta que os materiais locais podem ser a solução para a crise climática e podem ser nossa a melhor alternativa em termos socioeconômicos (desenvolvimento).”
Os últimos dois anos viram uma mudança acentuada no foco do prêmio Pritzker: passou de famosos “arquitetos estrelas” para profissionais cujo trabalho é mais motivado por preocupações sociais.
Em 2021, o prêmio foi conferido aos arquitetos franceses Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal. A abordagem destes profissionais - de reforma radical e reutilização de materiais - destaca o perigoso impacto ambiental da indústria.
Em 2020 a dupla irlandesa Yvonne Farrell e Shelley McNamara, da Grafton Architects, foi elogiada pelo trabalho que engrandeceu e melhorou a comunidade local.
No entanto, a questão maior e mais premente de representação e exclusão - que há tempos persegue a profissão de arquiteto - mostrou-se ilusória até o anúncio do prêmio deste ano. E podemos atestar isso na condição de arquitetos, acadêmicos e codiretores recentemente nomeados para questões de igualdade, diversidade e inclusão na Bartlett School of Architecture em Londres.
O racismo sistemático continua a moldar a arquitetura como profissão e o pensamento colonial continua no centro de grande parte da educação arquitetônica.
À medida que as desigualdades sociais, econômicas e ambientais aumentam no mundo todo, a necessidade de arquitetos socialmente conscientes é mais urgente do que nunca. Assim, é uma honra testemunhar a merecida premiação a Diébédo Francis Kéré.
Promovendo a diversidade
A arquitetura ainda é uma profissão dominada por homens brancos e afligida pela discriminação racial. Segundo o Architect Review Board, em 2020, menos de 1% dos arquitetos qualificados no Reino Unido eram negros.
E há um fato ainda mais preocupante, descoberto pelo Royal Institute of British Architects em 2019: apenas 8,3% dos alunos que se candidatam a estudar arquitetura eram negros e somente 1,5% concluíram com sucesso sua formação no período 2018-2019.
As escolas de arquitetura do ocidente só agora começam a abordar o impacto da raça com iniciativas para descolonizar o currículo de design. A premiação de Kéré é uma correção necessária à lista dos arquitetos mais prestigiados do mundo.
E faz coro à nomeação de Lesley Lokko, arquiteta escocesa-ganense, para a curadoria da Bienal de Arquitetura de Veneza de 2023. Ela será a primeira arquiteta negra – e a terceira em uma pequena lista de mulheres – a liderar o cobiçado evento bianual.
Essa mudança de valores nos principais eventos arquitetônicos do mundo é enfatizada pela própria declaração de Kéré após a premiação deste ano.
“Todos merecem qualidade, todos merecem luxo e todos merecem conforto. Estamos interligados e as preocupações com o clima, com a democracia e com a escassez são de todos nós.”
Profissionais da arquitetura e da sociedade em geral se beneficiam muito do trabalho de Kéré e do reconhecimento que sua premiação incorpora. Faríamos bem em prestar atenção às suas palavras.
Maxwell Mutanda – Palestrante – Conferencista de Justiça Ambiental e Espacial, University College London (UCL)
Lakshmi Rajendran – Conferencista (professor assistente) de Justiça Ambiental e Espacial, University College London (UCL)
Este texto foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation