Para o ser humano, a comida é muito mais do que um amontoado de nutrientes, combustível essencial ao bom funcionamento do organismo. O pão, de pão, só tem o nome, costumam brincar os estudiosos da alimentação. Comida é história, cultura, memória e afeto. Somos os únicos animais que se alimentam por prazer.
Nas últimas três décadas, no entanto, em nome da saúde, medicalizaram os alimentos. Horários, quantidades e combinações minuciosamente determinados, como na prescrição de um remédio. Uma nova tendência, porém, ganha força na indústria e no cardápio do consumidor – a da alimentação indulgente.
Manter uma dieta equilibrada continua, sim, importante, há, no entanto, espaço para um agrado sob a forma de um bombom, um pacote de salgadinho ou um pedaço de pizza. “Eu mereço” poderia ser o lema do movimento.
A indulgência ganhou impulso durante a pandemia. No Brasil, a categoria cresceu, em média, 20%. Algumas marcas, entretanto, registraram aumentos ainda mais expressivos. Na Seara, controlada pela JBS, o avanço foi de 45%.
A emergência sanitária arrefeceu, mas o mundo mergulhou em um cenário de instabilidade econômica e social. “Por isso, o consumo indulgente tende a aumentar ainda mais”, prevê a economista Fatima Merlin, especializada em comportamento do consumidor, fundadora e CEO da Connect Shopper.
Apesar do encarecimento do dinheiro, as famílias ressignificaram seus hábitos e passaram a reservar parte do orçamento para o conforto proporcionado pela comida - e os encontros em torno dela. Nenhuma ocasião de consumo se fortaleceu tanto no país, quanto o churrasco, aponta estudo da divisão Worldpanel, da consultoria global Kantar. Entre junho de 2020 e junho de 2022, o aumento foi de 126%
“O churrasco não está mais restrito aos finais de semana”, explica Tannia Fukuda, diretora de marketing e comunicação da Seara. Ao contrário das reuniões realizadas aos sábados ou domingos, com grupos maiores de amigos e parentes, o churrasco em dia útil é “mais intimista”, define ela.
A Seara foi ligeira em captar e atender os novos desejos dos clientes. No final do ano passado, apresentou ao mercado duas linhas com foco no churrasco. Uma delas, a gourmet, com porções menores, é para poucos convidados.
Nos últimos dois anos, a companhia promoveu uma série de outras inovações. O bacon ganhou uma versão defumada e outra, com mais paleta. A lasanha está com mais recheio e a pizza premium é feita artesanalmente, com ingredientes vindos da Itália, conta Tannia.
O isolamento social, diz Jenifer Ferreira Novaes, executiva sênior do Painel de Uso da Kantar, divisão Worldpanel, fez com que as pessoas buscassem levar também para casa “produtos que elas só acessavam nos restaurantes”. Mesmo com a covid-19 sob controle, ela afirma, a tendência se mantém.
O lançamento mais recente da Seara segue essa filosofia. Com a linha empanados de frango, lembra Tannia, a empresa quer proporcionar aos consumidores a mesma experiência pela qual eles passam, quando consomem, em viagens para o exterior, por exemplo, uma asinha ou um filé à milanesa, típicos das culinárias britânica e americana.
Os novos produtos saem da novíssima fábrica de Rolândia, no interior do Paraná –a primeira 4.0 da empresa e na qual foi investido R$ 1 bilhão. A aposta da Seara se justifica. O segmento de empanados é ainda pouco explorado no Brasil. E, a exemplo do churrasco, seu consumo também cresceu na pandemia - 46%, entre 2021 e 2022, informa a Kantar.
De olho na ascensão da “indulgência sem culpa”, a indústria acelerou suas inovações. Com a linha Levíssimo, no final de 2021, a Seara criou uma nova categoria no segmento de frios – a dos alimentos com o sabor do presunto e os baixos teores de sódio e gordura do peito de peru.
Para tanto, a empresa usa o lombo suíno, uma carne naturalmente magra. “No ano passado, a Seara estendeu a linha de produtos feitos com o Levíssimo”, conta Tannia. Hoje, o produto está na composição da pizza e do fettuccine de brócolis, entre outros.
O sabor que abraça
Nada supera os doces na cadeia alimentar da indulgência. E, entre eles, o chocolate é o líder. No ano passado, as vendas da guloseima cresceram 16%, movimentado R$ 7,2 bilhões.
É fácil entender o porquê da predileção. A manteiga de cacau é a única gordura que derrete à temperatura do corpo. Além disso, como explica o chocolatier Alexandre Costa, fundador e CEO da Cacau Show, nos produtos mais sofisticados, os ingredientes são tão moídos que, ao colocar o chocolate na boca, o alimento se dissolve.
“É daí que vem aquela sensação de abraço, de acolhimento”, diz o CEO da Cacau Show, uma das grandes fabricantes de chocolates do mundo e, desde fevereiro passado, a maior rede franqueadora do Brasil.
A combinação entre sabor e saúde começa a ganhar espaço. Em 2030, esses alimentos devem movimentar US$ 47 bilhões, no Brasil, indica a consultoria McKinsey.
A quantidade de açúcar nos chocolates da Cacau Show, por exemplo, está entre as mais baixas do mercado. É de 34% no laCreme, contra os 55%, em média, dos produtos ao leite de outras marcas.
Na Páscoa, a empresa lançou seu “dark milk”; composto por 55% de cacau, 25% de leite e 20% de açúcar. Ou seja, um chocolate com os benefícios nutricionais do amargo e o bem-estar proporcionado pelo ao leite.
Ao fim e ao cabo, como dizia, o chef e escritor americano Anthony Bourdain (1956-2018): “Qualquer pessoa que ama comida sabe que tudo o que importa é: Foi bom? Deu prazer?”.