O arquiteto da maior pirâmide financeira da história. O maior golpista de todos os tempos. Ou simplesmente um “serial killer” das finanças. São várias as definições para o americano Bernie Madoff, que segue exercendo grande fascínio, apesar de o escândalo causado por ele em Wall Street ter estourado há 15 anos.

Talvez porque até hoje seja difícil entender como Madoff conseguiu enganar milhares de investidores por quase 20 anos, orquestrando uma fraude de US$ 64 bilhões. É isso que a série documental “Bernie Madoff: O Golpista de Wall Street”, que chega esta semana ao catálogo da Netflix, tenta elucidar.

São quatro episódios recheados de entrevistas com ex-funcionários, vítimas, investigadores de fraudes, agentes reguladores do governo, especialistas em mercado financeiro e autores de livros sobre o caso Madoff. Poucos depoimentos inéditos do próprio também ajudam a compreender a magnitude do esquema, que lesou mais de 35 mil pessoas ao redor do globo.

Por colher pontos de vista diferentes, a série apresenta um mosaico mais completo, com mais detalhes sobre como tudo funcionava, na comparação com as produções de ficção inspiradas em Madoff. Como o filme da HBO, batizado de “O Mago das Mentiras”, estrelado por Robert De Niro em 2017.

Os testemunhos são entrelaçados com cenas de reconstituição ficcionais, só para dar mais dramaticidade, com o ator Joseph Scotto no papel do investidor. Mas são sequências sem som, em que o diálogo nunca é revelado. O que se vê são apenas as reações, como a dos filhos do investidor, Mark e Andrew, desesperados ao ouvirem a confissão do golpe da boca do pai.

Dirigida por Joe Berlinger, a série inicialmente resgata a vida de Madoff até ele se tornar um dos investidores mais admirados de Wall Street. A linha do tempo passa pela infância humilde no Queens, pelo casamento com Ruth Madoff, pela fundação da Bernard L. Madoff Investiments Securities LLC nos anos 1960 e pela sua ascensão à nata da sociedade de Nova York.

A fase em que ele foi presidente da Nasdaq, a primeira bolsa com pregão eletrônico, na década de 1990, também foi importante. Principalmente no sentido de estabelecer o respeito e a confiança que o seu nome conquistou no mercado. Isso explica, em parte, suas vítimas não terem desconfiado do esquema fraudulento que, com o tempo, foi tomando proporções épicas.

As irregularidades começaram nos anos 1990, quando Madoff passou a conduzir uma consultoria paralela e ilegal no 17º do prédio conhecido como Lipstick Building, em Manhattan. Enquanto a empresa oficial funcionava no 16º, com mobília e equipamentos de luxo, o 17º andar era um escritório velho, mantido em sigilo e acessado por poucos funcionários.

Para esse departamento, eram escolhidas geralmente pessoas com formação no ensino médio, que não entendiam de finanças e eram capazes apenas de executar as ações fraudulentas, sem muito questionamento. Entre as tarefas estava emitir extratos falsos das contas, simulando retornos elevados aos supostos investimentos feitos para os clientes.

Mas Madoff nunca investiu o dinheiro que recebeu. Tudo não passava de uma pirâmide financeira, com os recursos depositados em uma conta pessoal. Com a promessa de lucros milagrosos, Madoff sempre atraía novos investidores e com o dinheiro deles garantia o retorno dos clientes mais antigos. Foi apenas uma questão de tempo para o colapso, o que aconteceu em 2008.

A fraude só foi descoberta devido à crise financeira mundial. Foi naquele momento de desespero que muitos investidores quiseram sacar o dinheiro aplicado com Madoff. O montante teria chegado a cerca de US$ 7 bilhões, enquanto Madoff só tinha US$ 300 milhões disponíveis na conta, o que levou ao escândalo e à condenação a 150 anos de prisão, em 2009.

Muitos culpam o governo na série. Até porque não faltaram alertas, conforme conta aqui Harry M. Markopolos, um ex-investigador de fraudes financeiras. Ele teria avisado a Securities and Exchange Comission (SEC), que funciona como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) americana, sobre as irregularidades de Madoff diversas vezes.

O primeiro relatório foi enviado em 2000. “Naquele momento a fraude totalizava de US$ 3 bilhões a US$ 7 bilhões”, destaca Markopolos. E novos alertas foram feitos em 2001, 2005, 2007 e 2008. Algumas investigações até foram conduzidas, mas o influente Madoff sempre saía ileso.

“Se a SEC conduz uma investigação, mas, em vez de descobrir a fraude de modo relativamente fácil, o órgão permite que ela continue, a fraude ganha até credibilidade”, afirma na série H. David Kotz, que foi inspetor geral da SEC entre 2007 e 2012.

E o que Madoff, morto na cadeia, em 2021, aos 82 anos, dizia sobre tudo isso? “Nós nunca pedíamos dinheiro novo. Na verdade, tentamos devolver dinheiro às vezes, mas encontramos resistência por parte dos clientes”, afirmou Madoff, como quem se desculpa de tudo o que fez, em depoimento gravado em 2017, na prisão. “Eu sempre quis agradar todo mundo. Eles não queriam matar o ganso que botava os ovos de ouro.”