Apesar da evolução tecnológica dos sistemas computacionais ao longo do último meio século, existem ainda muitos problemas que os computadores atuais não conseguem resolver. Muitos desse problemas estão e estarão fora do alcance dos computadores que temos hoje. É a perspectiva de finalmente encontrar uma solução para esses problemas “intratáveis” que tem alavancado as pesquisas para a computação quântica ou quantum computing (QC).
Um estudo do BCG, “Where Will Quantum Computers Create Value—and When?”, estima que, nas próximas décadas, podemos esperar ganhos de produtividade com o uso da computação quântica, na forma de economia de custos e oportunidades de receita, que ultrapassarão os US$ 450 bilhões anualmente. Os ganhos aparecerão primeiro para empresas nos setores que demandam requisitos complexos de simulação e otimização.
As aplicações que farão diferença na computação quântica são as que exploram otimização combinatória (otimização logística e otimização de portfólio de investimentos em serviços financeiros), equações diferenciais (simulação de dinâmica de fluído para projetos de automóveis e aeronaves, bem como na simulação molecular para descoberta de novas drogas), álgebra linear (sequenciamento do DNA e segmentação de clientes), e fatorização (criptografia).
Talvez a primeira “killer application” da computação quântica seja quebrar a criptografia do bitcoin. Como toda tecnologia, seu uso poderá ser positivo ou negativo, dependendo de nossas decisões. Em 1994, um pesquisador e professor do MIT, Peter Shor, propôs um algoritmo que através da computação quântica poderia quebrar a maioria dos sistemas de criptografia atuais. Curiosamente, isso que despertou o interesse nas pesquisas sobre computação quântica.
Recentemente, ele voltou a apontar o dedo sobre a possibilidade da computação quântica criar um caos na internet, ao quebrar as criptografias que usamos. Recomendo ler o artigo “Quantum-computing pioneer warns of complacency over Internet security”.
O estudo da BCG também alerta que as oportunidades não serão distribuídas uniformemente. Como a computação quântica é uma tecnologia com elevadas barreiras para a adoção, como escassez de talentos, softwares muito diferentes dos atuais, que demandam altos investimentos, tenderá a aumentar o fosso entre empresas e países que se posicionarem como líderes e as que ficarem para trás.
Esse fosso já é palpável na adoção de inteligência artificial (IA), quando vemos uma grande concentração de talentos e pesquisas em um grupo pequeno de empresas e países. Na computação quântica, assim como em IA, o predomínio está, indiscutivelmente, com EUA e China, com as duas superpotências disputando acirradamente a liderança. IA e computação quântica estão para a preponderância política, econômica e militar como o poder nuclear estava para a guerra fria.
Na computação quântica, o predomínio está com EUA e China, com as duas superpotências disputando acirradamente a liderança
Mas o que é computação quântica? De forma simplificada é uma nova arquitetura computacional que executa determinadas tarefas com muito mais eficiência que a computação eletrônica tradicional. Os computadores atuais são baseados em bits, que podem ser zero ou um. Cada aplicação, fotografia ou base de dados é constituída por milhões de bits.
Os computadores quânticos não usam bits, mas “quantum bits” ou qubits, que são partículas subatômicas como elétrons ou fótons. Os qubits obedecem às leis da física quântica, com suas propriedades peculiares que lhes dão as capacidades de supercomputação.
A primeira propriedade é a superposição ou a capacidade de cada qubit estar em múltiplos estados ao mesmo tempo. Isso permite múltiplos qubits em superposição a processar um grande número de saídas simultaneamente.
Vamos imaginar um jogo de xadrez. Um sistema de IA atual vai tentar calcular todas as possíveis jogadas, uma de cada vez, para escolher a que estatisticamente oferecer o melhor resultado. No computador quântico, o sistema de IA pode processar todos os movimentos ao mesmo tempo. Um ganho de tempo fantástico.
A segunda propriedade é o emaranhamento, que significa que dois qubits permanecem conectados de modo que as ações executadas por um afetam o outro, mesmo quando os dois estão separados por grandes distâncias. Assim, cada qubit adicionado ao sistema aumenta sua capacidade computacional.
Para dobrarmos a capacidade computacional de um supercomputador atual, devemos dobrar sua capacidade e claro, dobrar seu custo. Para dobrar a capacidade de um computador quântico basta adicionar um novo qubit.
Mas construir um computador quântico não é uma tarefa simples. São muito sensíveis às mínimas alterações no ambiente, como pequenas vibrações, interferências elétricas, mudanças de temperatura ou ondas magnéticas, que podem provocar a degradação ou anulação da superposição.
Construir um computador quântico não é uma tarefa simples, pois são muito sensíveis às mínimas alterações no ambiente
Um computador quântico não pode operar em ambientes normais como os atuais, mas precisam de ambientes totalmente isolados, em câmaras de vácuo e baixíssimas temperaturas para diminuir a perda de coerência quântica ou decoerência quântica.
A decoerência quântica é um imenso desafio. Para minimizar os erros de perda de coerência quântica cada qubit lógico precisa ser representado por muitos qubits físicos. Estima-se que um computador quântico precise de no mínimo um milhão de qubits físicos para prover desempenho equivalente a 4.000 qubits lógicos. Construir e operar uma máquina dessas não é simples. Produzir e operar em escala potencializa o desafio.
Por isso, apesar da realidade da computação quântica, em uso amplo, ainda está situada a pelo menos dez anos de distância (apesar do hype agressivo e otimista das empresas que estão pesquisando o assunto) é essencial que as empresas e países comecem a desenhar planos estratégicos para sua adoção.
A curva de aprendizado é muito íngreme e quanto mais cedo começarmos a escalar a encosta, mais cedo chegaremos ao cume. A computação quântica provavelmente apresentará uma curva de evolução exponencial, como já vimos acontecer com outras tecnologias da era digital, e as empresas e países que chegarem primeiro ao ponto de inflexão, aumentarão exponencialmente sua distância em relação aos retardatários.
Isso implica que, no início, sua adoção será bem limitada, pelas restrições tecnológicas, humanas e financeiras, mas a partir de determinado ponto sua evolução aumentará de forma rápida e sua aplicabilidade se ampliará drasticamente.
O aprendizado obtido nas fases iniciais será de grande valia para a sua fase de aceleração. A formação de talentos e conhecimentos de potenciais e limitações deve, portanto, começar o mais rápido possível e não aguardar a fase pós-inflexão.
Para se preparar para esse futuro com a computação quântica, devemos considerar algumas linhas de ação, tanto para empresas, como para a academia e projeto de país:
1 - Acompanhar a evolução tecnológica. Não ficar alheio ao que acontece no mundo da computação quântica. No caso do governo incentivar observatórios de acompanhamento da tecnologia pela academia e órgãos de pesquisa.
2 - Identificar potenciais talentos dentro das empresas e em universidades, incentivando programas de incentivo à geração de ideias e aquisição de conhecimento. As universidades deveriam inserir disciplina de computação quântica em seus cursos de ciência da computação. Afinal um aluno que inicia hoje um curso de ciência da computação, encontrará ao se formar, daqui a quatro anos, a computação quântica provavelmente já muito mais avançada que hoje, com diversos protótipos funcionando e alguns até mesmo disponíveis para operação restrita.
3 - Considerar que daqui a dez anos o cenário da computação quântica começará a criar disrupções em muitos setores. Não seria má ideia considerar esta possibilidade nas análises estratégicas de longo prazo.
Minha sugestão para os executivos das empresas e profissionais de TI, é pelo menos inserir o tópico nas discussões e iniciar um programa de conhecimento básico, tipo “quantum computing for dummies”. É o primeiro passo.
A academia deveria sim, inserir a disciplina de computação quântica nos cursos de ciência de computação e, os cursos de IA, tem, por obrigação, dar base teórica (e talvez prática, usando os recursos já disponíveis ofertados por empresas de tecnologia, de “quantum computing as a service”), pois sua aplicabilidade em potencializar a IA se mostra bem promissora.
Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS