Poucas empresas brasileiras estiveram no epicentro da pandemia do coronavírus como a brasileira Magnamed, fabricante de ventiladores pulmonares que tem fábrica em Cotia, na região da Grande São Paulo.
Da noite para o dia, a companhia recebeu um gigantesco pedido do Ministério da Saúde. Com capacidade de produzir 200 respiradores por mês, a pequena Magnamed, fundada em 2005 por Wataru Ueda, Tatsuo Suzuki e Toru Kinjo, teria de multiplicar por dez esse volume para fazer uma entrega de mais de 5 mil equipamentos.
Para dar conta do desafio, a Magnamed montou uma verdadeira uma operação de guerra que contou com a participação de diversas empresas, como Suzano, Klabin, Positivo, Embraer, Flex e muitas outras. Com isso, a companhia conseguiu produzir 5.060 ventiladores mecânicos que ajudam no combate ao novo coronavírus em apenas três meses, o equivalente a dez anos de sua produção. No dia 21 de agosto, o último lote deixou a fábrica da empresa.
Agora, sem o maior pedido de sua história, que vai fazer o seu faturamento saltar de R$ 50 milhões, em 2019, para estimados R$ 340 milhões, em 2020, muitos se perguntam se a companhia vai conseguir manter essa ascensão meteórica que a pandemia proporcionou à empresa?
“Muitos pensam que o mercado de ventiladores está saturado, mas ainda há muito espaço para crescer”, afirma Wataru Ueda, fundador e CEO da Magnamed, em entrevista ao NeoFeed. “Claro que não repetiremos o desempenho deste ano, mas manteremos nossa taxa de crescimento na faixa de 25% ao ano desde 2010.”
Antes da pandemia, o Brasil tinha uma parque instalado 66 mil ventiladores mecânicos. Em setembro, ele havia subido para 82 mil respiradores, segundo o Ministério da Saúde. Mas acredita-se que o número seja maior, porque as autoridades de saúde ainda não reportaram todos os equipamentos comprados.
A matemática de Ueda para o seu otimismo é simples. Por conta da pandemia, as vendas para o setor privado, que representavam 50% da receita da Magnamed, ficaram congeladas. Agora, elas vão ser retomadas.
O mesmo raciocínio vale para as vendas ao mercado internacional – a empresa já atendia mais de 60 países antes da pandemia. “Há uma faixa de países, que são os que estão em desenvolvimento e os subdesenvolvidos, que estão ainda totalmente desprovidos desses equipamentos”, diz Ueda.
Nos planos da Magnamed está também a intenção de produzir novos equipamentos. Sobre essa estratégia, Ueda diz apenas que a companhia vai se concentrar na área de cuidados críticos. “O nosso foco é o que está dentro da UTI, não vou abrir o tipo de produto”, afirma o empresário.
Outro ponto que reforça o otimismo do fundador da Magnamed é que a companhia conseguiu quebrar a resistência de profissionais brasileiros da área de saúde que preferiam trabalhar com equipamentos exportados. Três fornecedores internacionais são seus principais concorrentes: a americana Medtronic, a alemã Draeger e a sueca Maquet.
“O parque da Magnamed cresceu 10 vezes”, afirma Paulo Tomazela, conselheiro da Magnamed e sócio da KPTL, gestora que detém uma participação na companhia através da gestão do fundo Criatec I. “Isso vai fazer os profissionais de saúde perceberem que o produto brasileiro não deve nada a ninguém e tem as mesmas funcionalidades e o mesmo padrão de qualidade dos internacionais."
O fundo Criatec I foi o primeiro a investir na fabricante brasileira, ainda em 2008, quando ela estava incubada no Cieatec, da Escola Politécnica da USP. No total, a Magnamed já recebeu R$ 15 milhões de investidores de venture capital. A Vox Capital, fundo de impacto fundado por Daniel Izzo, é o outro investidor da fabricante brasileira de ventiladores pulmonares.
Made in USA
A Magnamed está também retomando o seu projeto de ter uma fábrica de ventiladores pulmonares nos Estados Unidos. O plano foi adiado por conta do foco na produção do pedido do Ministério da Saúde. Mas volta a fazer parte das prioridades da companhia a partir de agora.
A unidade industrial será localizada em Pompano Beach, próximo a Fort Lauderdale, na Flórida. A previsão é que esteja pronta no segundo semestre de 2021. Simultaneamente, a Magnamed trabalha para conseguir a certificação da FDA (Food and Drug Administration, o equivalente a Anvisa no Brasil), para poder vender seus equipamentos no mercado americano.
Será uma fábrica pequena, com capacidade de produzir até 30 equipamentos por mês. “A ideia é começar pequeno para testar o mercado”, afirma Tomazela. De acordo com ele, a companhia já sabe o que fazer se precisar crescer a produção rapidamente por conta de um grande pedido.
A solução seria recorrer à Flex, que já montou boa parte dos ventiladores mecânicos do pedido do Ministério da Saúde, é especializada em terceirização de produtos eletroeletrônicos e tem presença global. “No fim das contas, a experiência no Brasil quebrou esse paradigma”, afirma o conselheiro, referindo-se a terceirização da produção.
Todas essas medidas devem fazer a companhia, que diz ser lucrativa, a faturar R$ 75 milhões em 2021, um crescimento de 50% sobre o resultado de 2019. “Mas não acho difícil a Magnamed chegar ao faturamento de 2020 de forma natural daqui a três ou quatro anos”, diz Tomazela.
Ao ficar sob a ribalta durante a pandemia, a Magnamed chamou a atenção de diversos investidores. “Temos sido procurados, obviamente”, diz Ueda. “A resposta é que estamos refazendo o planejamento estratégico para reavaliar os gaps financeiros.”
Apesar do tom diplomático e discreto, a pandemia mudou a Magnamed de patamar. O valor da empresa subiu mais de 60%, apurou o NeoFeed. Fontes do mercado de venture capital estimam que a companhia tenha agora uma avaliação entre R$ 150 milhões e R$ 200 milhões, até quatro vezes maior do que a receita de 2019 e até dez vezes maior do que a de 2016. A Magnamed e os investidores não confirmam os dados.
Em novembro de 2021, acaba o prazo de investimento do Criatec I. Os investidores do fundo, que tem 80% de capital do BNDES e 20% do Banco do Nordeste, vão precisar sair da empresa.
“Com esse crescimento, outras frentes passaram a ficar possíveis. Estamos conversando com os cotistas atuais do fundo se é uma saída para um estratégico, para outro fundo ou até mesmo uma operação que envolva a bolsa”, diz Tomazela.
Nenhuma pandemia vem para o bem. Mas, não há como negar, algumas empresas se beneficiaram deste cenário. Nos Estados Unidos, as companhias de tecnologia, como Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet e Facebook, ganharam valor de mercado com a crise sanitária.
No Brasil, numa escala muito menor, a Magnamed é um dos exemplos das empresas que se beneficiaram. Sua diferença, em relação aos seus pares americanos, é que ela ajudou a salvar vidas.