O presidente da Positivo Tecnologia, Hélio Rotenberg, já passou muitas crises. Mas ele admite que nenhuma chega perto dessa.

“Eu tenho 31 anos de empresa. Essa é a maior crise porque a gente não consegue dimensionar, a gente não sabe o que vai acontecer e não sabe o dia de amanhã. Cada dia a gente toma uma decisão diferente. Cada dia a gente muda as nossas projeções de demanda. Cada dia a gente muda tudo. É muito complicado”, disse Rotenberg, em entrevista ao NeoFeed.

Em um depoimento dramático, ele defendeu o isolamento total em vez do vertical, baseado na experiência do que aconteceu em Shenzhen, na China, onde a companhia tem escritório.

“Olhando só para o ponto de vista negócios, eu prefiro que a gente perca 30 dias e depois retome passo a passo”, afirmou o empresário. “Estamos muito temerários com essa atitude de abertura agora sem um planejamento maior. Muito temerário que haja um repique e daqui a três semanas volte ao isolamento. Estamos muito amedrontados com isso.”

Ele também contou que está trabalhando ao lado das fabricantes de papel e celulose Suzano e Klabin e dos fabricantes de hardware Magnamed e Flex para produzir, em caráter de urgência, 5 mil ventiladores para serem usados no tratamento ao Covid-19.

Confira os principais trechos da entrevista:

Como a Positivo está lidando com essa crise?
A gente estabeleceu um comitê de crise há três semanas. Estamos nos reunindo todos os dias. Proibimos as viagens e 90% do nosso pessoal já está há mais de uma semana em home office. Estamos mantendo nos escritórios só as pessoas essenciais, o mínimo que a gente precisa. Acho que temos uma responsabilidade muito grande, como fabricante de computador e celular, em dar manutenção, pelo menos no parque que está em garantia. Imagine agora, que está todo mundo em casa, se um computador estraga ou se um celular estraga? É muito grave. Então, estamos fazendo todo o possível para manter a assistência técnica funcionando. Estamos com a fábrica de Manaus funcionando ainda, não há restrição. E Curitiba está funcionando a meia carga para tentar entregar, inclusive, equipamentos para o Ministério da Saúde.

Que tipos de entrega para o Ministério da Saúde?
São computadores, de maneira geral. E estamos tentando suprir o comércio online de computadores, que aumentou muito nessas últimas duas semanas por causa do home office. Com isso, a gente acabou tendo um aumento de vendas nos últimos dias.

Você está aumentando a produção em Manaus por conta desse aumento de vendas?
Não. Na realidade, estamos entregando o que precisa ser entregue. A diminuição de volume é enorme. Temos clientes, mesmo nos governos, que estão fechados e não conseguem receber mercadorias. Das nossas lojas, fizemos um cálculo: de 66 redes grandes que a gente atende, 50 estão completamente fechadas. Nesses 16 que sobraram têm o online e os poucos que ainda estão trabalhando. É uma queda fenomenal. Não vamos produzir a plena carga nem de perto.

"Das nossas lojas, fizemos um cálculo: de 66 redes grandes que a gente atende, 50 estão completamente fechadas"

O comércio eletrônico e as vendas para trabalho em home office não compensam a queda das outras áreas?
Não compensa o que a gente está perdendo do outro lado. Até a semana passada, a gente seguia entregando normal. Na quinta ou sexta feira (19 e 20 de março), os depósitos começaram a fechar. Os varejistas regionais, que só têm loja física, com medo da crise, não só fecharam as lojas, como também fecharam os seus depósitos. Mesmo os pedidos que estavam em trânsito, no caminhão, tiveram que voltar.

E quais foram as medidas tomadas dentro de casa para enfrentar a crise?
Todo mundo em home office, cerca de 90% já estão assim. As viagens estão proibidas há mais de duas semanas. Mesmo o pessoal de fábrica está com rígida segurança. Está todo mundo de máscara. Afastamos as estações de trabalho para que não ficassem próximas. Estamos indo buscar todo mundo em casa: de ônibus nosso, de carona solidária ou de Uber. Ninguém está usando transporte público para chegar nas nossas fábricas.

Você está cortando custos?
No momento, nós estamos estudando as medidas do governo. Evidentemente, não vai ter trabalho para todo mundo durante a crise. Estamos tentando, de todas as maneiras, preservar o emprego. Eu acho que a medida tomada na França e em Portugal de o governo pagar um terço dos salários, a empresa um terço e o funcionário não receber um terço seria extremadamente acertada num momento tão difícil para preservar o emprego, que é tão importante para as pessoas. A postergação de impostos também viria muito bem. Estamos aguardando para ver o que vamos fazer. Mas muita gente não tem o que fazer. Se você diminui a produção, toda a operação, você tem de resolver de alguma maneira. Estamos estudando. Mas estamos muito otimistas que o governo tome uma medida mais séria para proteger o emprego.

"Estamos tentando, de todas as maneiras, preservar o emprego"

Quer dizer: você não tomou nenhuma medida?
Não. Estamos esperando. Estamos com tudo muito bem encaminhado internamente para qualquer uma das medidas a serem tomadas. Depende do que o governo anunciar: se é férias, se é banco de horas, se é licença não remunerada, interrupção do contrato de trabalho. Estamos aguardando as últimas medidas para definir. Até o momento, só colocamos em home office e não houve qualquer mudança. Espero que até 1º de abril esteja tudo definido para tomar essas decisões e, ao máximo, vamos tentar evitar qualquer demissão. É isso o que estamos tentando. É um momento superdelicado para a gente tomar essa atitude. Mas a gente espera realmente alguma posição do governo que auxilie, que flexibiliza a CLT para que possamos realmente não ter de demitir ninguém.

A Positivo está com algum risco de desabastecimento de componentes e peças?
Não. Tivemos desabastecimento em fevereiro, quando a China estava fechada. Mas quando voltou, passou a ter um “supply” bastante regular. E, como caiu o mercado no mundo inteiro, não há problema de abastecimento. Agora, está regularizado. O que a gente quiser comprar, tem.

Você já está estimando a redução de vendas de PCs e celulares neste ano?
Não. A IDC, que é o órgão que pesquisa o mercado, falou que a América Latina, não o Brasil especificamente, terá uma queda de 12% ano contra ano. É o único número que eu tenho. Mas estamos aqui toureando porque a gente não sabe o que vai acontecer. Que vai haver queda, não tenho dúvida. De quanto? Não sei.

E como a empresa está em termos de caixa para enfrentar essa crise?
Estamos muito sólidos. Fizemos um follow on no começo do ano (a Positivo captou R$ 353,7 milhões em janeiro deste ano). Isso nos ajuda bastante. Mas depende muito da dimensão dessa crise. E estamos torcendo muito para que medidas técnicas e sociais sejam tomadas em vez de medidas políticas.

Quais medidas técnicas?
Observamos muito o que aconteceu na China e foi um isolamento grande. Conhecemos bem a história do que aconteceu em Shenzhen, pois temos escritório lá. Foram 30 dias de isolamento total. E depois dos primeiros 30 dias, a economia veio devagarzinho até o dia 60, quando ela voltou à normalidade. Estamos muito temerários com essa atitude de abertura agora sem um planejamento maior. Muito temerário que haja um repique e daqui a três semanas volte ao isolamento. Estamos muito amedrontados com isso. Julgamos completamente errado por tudo o que temos conversado, por tudo o que a gente sabe da fragilidade do sistema de saúde brasileiro. O sistema não aguenta um pico de doença. Nós estamos envolvidos até o pescoço, a pedido do Ministério da Saúde, na produção de pelo menos 5 mil respiradores.

"Estamos muito temerários com essa atitude de abertura agora sem um planejamento maior. Muito temerário que haja um repique e daqui a três semanas volte ao isolamento"

Que projeto é esse?
Estamos juntos com a Suzano, com a Klabin, com a Magnamed e com a Flex para fazer 5 mil respiradores o mais urgente possível. Estamos na fase de procurar componentes no Brasil inteiro. Somos responsáveis pela placa do respirador. Já temos todos os componentes comprados da placa. Em duas semanas, vamos ter todas as placas prontas. Ainda faltam alguns componentes. É um mutirão entre essas empresas para conseguir comprar válvula e cada componente. Estamos conversando com os presidentes de empresas do mundo inteiro. Existem outras iniciativas como essa. Mas a gente sabe que se o pico da doença vier antes dessa demanda suplementar, nós vamos ter muito problema e vamos ter muita morte.

Mas são vocês que vão fabricar?
Nós vamos produzir a placa. A Flex e a Magnamed são as que vão produzir o produto final. Cada um tem a sua tarefa. Para você ter uma ideia, a Suzano e a Klabin estão procurando componentes. Eles viraram pessoal de área médica. Estamos com as melhores pessoas nossas daqui e da Ásia envolvidas neste projeto. Estamos a todo vapor nisso.

Para mim ficou claro que você acha que o isolamento vertical seria um erro.
É um erro total. Estudamos muito a China. Ela teve sucesso pelo isolamento total por 30 dias. E depois foi liberando as indústrias uma a uma. E aí sim começou o isolamento vertical. É muito prematuro o isolamento vertical (no Brasil). Estamos entrando em uma onda completamente errada. Estamos entrando em uma onda de oba-oba sem estudo, sem técnica e contra o que o Ministério da Saúde achava. A gente sabe, porque estamos acompanhando, que o sistema de saúde não aguenta. Se fizermos isso, daqui a três semanas vamos ter de voltar ao isolamento.

"É muito prematuro o isolamento vertical. Estamos entrando em uma onda de oba-oba sem estudo, sem técnica e contra o que o Ministério da Saúde achava"

São poucos os empresários que defendem de forma tão veemente o que você está defendendo.
É terrível para a minha empresa. É terrível, terrível. Mas eu prefiro. Olhando só para o ponto de vista negócios, eu prefiro que a gente perca 30 dias e depois retome passo a passo. E não temos uma política claramente definida. Fora a questão das vidas. Nós vamos sacrificar vidas se não tomarmos os cuidados técnicos necessários. Quem deveria comandar agora são os técnicos. Os epidemiologistas deveriam estar à frente das decisões e não a economia. É o que a gente acha e é o que estamos lutando aqui. Muitos empresários têm opinião divergentes. Nos nossos grupos de empresários, é impressionante a dissonância em torno desse tema. Mas os depoimentos das pessoas no nosso escritório de Shenzhen deixou muito claro. Foram 30 dias de isolamento em que até antitérmico foi proibido de vender nas farmácias porque eles mediam a temperatura de todo mundo que saía de casa. Eles fizeram um isolamento total de 30 dias. Daí as empresas começaram a abrir uma a uma. Eles iam liberando quem tinha os processos sanitários aprovados em cada empresa. Foi uma coisa supercautelosa. E eles realmente dominaram a doença. Por que não seguir o exemplo que deu certo?

Quer dizer: vale a pena sofrer agora para ter uma retomada mais consistente lá na frente?
Infelizmente, a gente vai sofrer de qualquer jeito. Então, vamos sofrer fazendo o certo e o adequado que assim a gente vai sofrer menos. Não adianta tapar o sol com a peneira. É grave a doença. Ela se espalha muito rápido e 15% (dos doentes) são internados. Não tem jeito.

Você já enfrentou uma crise com essa?
Nunca. Eu tenho 31 anos de empresa. Essa é a maior crise porque a gente não consegue dimensionar, a gente não sabe o que vai acontecer, não sabe o dia de amanhã. Cada dia a gente toma uma decisão diferente. Cada dia a gente muda as nossas projeções de demanda. Cada dia a gente muda tudo. É muito complicado.

E o que fazer, então?
Eu estava vendo um documento de todas as medidas que governo já publicou. São cerca de 60 medidas. Precisamos entender cada uma delas, para saber quais nos afeta.

E qual a sua avaliação de como o governo está agindo?
As medidas econômicas são muito acertadas, mas faltam outras e ainda não vieram as principais.

Como tem sido sua rotina nesses dias?
Estou em casa, trabalhando como nunca trabalhei na vida. Eu levanto trabalhando e vou dormir exausto trabalhando.

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