No fim de 2018, Ricardo Batista tirou um ano sabático com a promessa de voltar, 12 meses depois, ao posto de diretor da Tricard, operações de cartões do grupo Martins. O retorno ao batente foi, porém, antecipado. Em agosto de 2019, ele foi nomeado CEO do Tribanco, braço financeiro da holding mineira.
A decisão unia dois roteiros e um objetivo. Batista cumpria uma agenda de viagens para ver de perto serviços como os chineses WeChat e Alipay, além de empresas como a indiana Paytm. Já o Tribanco buscava nesses formatos uma inspiração para renovar seu modelo de negócios.
Quase um ano depois, a conexão entre Ásia e Uberlândia (MG) começa a gerar seus primeiros resultados. Com R$ 3 bilhões em ativos, o Tribanco prepara o lançamento de dois "super apps", apoiados por contas digitais e voltados aos segmentos de pessoa física e de pessoa jurídica.
“Essas empresas asiáticas estão promovendo a inclusão financeira e social de milhões de pessoas por meio da tecnologia”, diz Batista, em entrevista ao NeoFeed. “Queremos levar esse conceito para as classes C, D e E, e para o pequeno e médio varejo.”
Assim como os modelos que inspiraram essa guinada, o plano do Tribanco é oferecer um ecossistema que centralize serviços financeiros e ofertas em outros segmentos. E o ponto de partida envolve a integração com os demais negócios do grupo Martins, uma vertente, até então, pouco explorada.
O pacote inclui frentes como a Unica, empresa de adquirência; a Smart, rede de supermercados; e a eFácil, bandeira de e-commerce e marketplace. A maior oportunidade, no entanto, está no segmento de distribuição e atacado, por meio da companhia que leva o nome da holding.
Dono de uma receita de R$ 5,1 bilhões em 2019, o grupo Martins tem uma base ativa de 120 mil varejistas distribuídos em todo o Brasil, em sua maioria, comércios de pequeno e médio portes. E também está fortalecendo sua agenda digital, por meio de um marketplace B2B, lançado no fim de 2019, com 350 mil compradores, 500 fornecedores e mais de 25 mil produtos.
“Essa conexão com o pequeno e médio varejo e a indústria é um ativo que muitas fintechs, bancos e outros players desejariam ter”, diz Batista. Ele cita as vantagens, por exemplo, na concessão de crédito. “Conheço o quanto esse cliente fatura, sua margem, seu comportamento de compra.”
Banho de loja
Com essa inspiração, na prática, a empresa está dando um banho de loja nas ofertas digitais direcionadas a consumidores e varejistas. Até então, esse portfólio estava mais restrito a produtos e serviços como débito, pagamentos e concessão de crédito.
A primeira versão da nova plataforma para pessoa física vem sendo testada por mil funcionários do grupo. Em junho, o aplicativo será estendido a outros mil profissionais e, em agosto, à base de cerca de um milhão de clientes ativos do banco no segmento.
A primeira versão da nova plataforma para pessoa física vem sendo testada por mil funcionários do grupo
Além do portfólio financeiro, o cliente terá acesso, por exemplo, ao eFácil, à Smart e, no caso dos profissionais autônomos, ao marketplace do Martins e às maquininhas da Unica. Os pedidos e os pagamentos poderão ser feitos e parcelados com poucos cliques.
O Tribanco começa a buscar parceiros para encorpar o aplicativo. O radar inclui segmentos como telecomunicações, telemedicina, consórcios, investimentos, planos de saúde e odontológicos e entretenimento. E passa também pela conexão com plataformas de empregos e de geração de renda. A estratégia se assemelha a do Banco Inter, que lançou um SuperApp no fim do ano passado e já conta com uma movimentação de R$ 100 milhões até abril.
Esse conceito de marketplace também se aplica à plataforma PJ, que está sendo testada por 5 mil clientes do Tribanco e tem previsão de lançamento no segundo semestre, com foco inicial na base de 32 mil varejistas atendidos pelo banco. O portfólio próprio será complementado com ofertas como o marketplace do Martins e os serviços de consultoria e treinamentos da Universidade Martins do Varejo.
Fora do ecossistema do grupo, o Tribanco busca outros produtos e serviços voltados ao pequeno e médio varejo para adicionar ao aplicativo. O escopo inclui, por exemplo, softwares de gestão e de controles de estoque específicos para esse segmento.
O primeiro acordo foi firmado com a Mercafácil, startup de Curitiba (PR), que desenvolveu um sistema de captura de dados no ponto de venda. Com as informações estruturadas, o pequeno varejista consegue criar programas de fidelidade e ofertas mais adequadas ao perfil dos seus clientes.
“No curto prazo, além da nossa base, temos 120 mil empresas que compram regularmente no Martins para acessar”, diz Batista. “E, em uma segunda etapa, a carteira total dessa operação, de mais de 200 mil varejistas.”
Esse universo também será usado para impulsionar o segmento de pessoa física. O Tribanco já oferece cartões cobranded aos clientes de varejistas. E agora, esse cartão dará direito a uma conta digital a esses consumidores.
“No curto prazo, além da nossa base, temos 120 mil empresas que compram regularmente no Martins para acessar”, Ricardo Batista, CEO do Tribanco
O banco tem, no entanto, alguns desafios para impulsionar essas duas frentes. Especialmente na baixa renda. “A combinação entre ofertas financeiras e não financeiras é o próximo estágio desse mercado”, diz Bruno Diniz, fundador da Spiralem, consultoria especializada em inovação para o mercado financeiro.
Ele ressalta, porém, que esse segmento vem atraindo grandes competidores, com marcas fortes e um estreito vínculo com a base da pirâmide. Entre eles, a Via Varejo, com o BanQi, e o Magazine Luiza, que lançou sua carteira digital no início do ano.
“Já em PJ, as perspectivas são mais positivas, pois ainda não é possível enxergar um vencedor nessa arena”, afirma. “E o Tribanco já atua nesse mercado, tem capilaridade e uma base de clientes que possibilita uma largada interessante.”
Covid-19
Antes de entrar, de fato, nessa competição, o Tribanco tem dedicado parte de seu tempo às ações de apoio aos varejistas na Covid-19. Em uma dessas iniciativas, o banco está destinando mais de R$ 100 milhões mensais para a antecipação de recebíveis, por meio da Unica.
O banco não vem tendo grandes alterações no volume de empréstimos, na casa dos R$ 200 milhões mensais. Batista diz que isso se explica pelo fato de que 85% dos clientes são mercados e farmácias, segmentos do varejo menos afetados pela crise.
O banco está destinando mais de R$ 100 milhões mensais para a antecipação de recebíveis para apoiar os varejistas na Covid-19
Segundo dados do Martins, o varejo alimentar e as farmácias registraram, em abril, saltos de 22% e de 23%, nas vendas, respectivamente. Já categorias como materiais de construção e eletroeletrônicos seguem sendo as mais impactadas.
“Estamos sendo um pouco mais conservadores nesses segmentos”, diz o executivo. “Mas nós analisamos caso a caso, pois sabemos o que está acontecendo em cada cidade e temos o histórico desses varejistas.”
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