O executivo Dileep Thazhmon chegou ao Brasil em março deste ano com planos ousados. Cofundador e CEO da Jeeves, fintech americana que ganhou espaço com um cartão de crédito corporativo e uma plataforma de gestão de gastos, o executivo via o mercado brasileiro com potencial de ser o maior já explorado pela startup.
Mas, ao contrário do que aconteceu quando a Jeeves saiu dos Estados Unidos, para ampliar suas operações em mais duas dezenas de países, o Brasil não verá a estreia dos cartões pretos tão logo. De olho num movimento de mais cautela dos fundos de venture capital, a ideia da Jeeves é aproveitar o momento para focar nos empréstimos para empresas.
“Há uma incerteza sobre o momento do mercado de venture capital e os empréstimos se tornaram uma solução viável para as startups”, diz Fernando Torres, diretor de operações da Jeeves no Brasil, ao NeoFeed. “A gente consegue injetar capital dentro das startups sem o impactar o valuation e sem diluição das ações.”
Lançadas em parceria com a QI Tech, empresa que atua com bank as a service, as soluções já estão disponíveis e são divididas em duas linhas de crédito. Uma é voltada para capital de giro e outra para financiar o crescimento das operações. Em ambas, os cheques variam entre R$ 500 mil e R$ 3 milhões, mas não há um limite fixo.
Os prazos para empréstimo variam. No produto de capital de giro, o pagamento pode ser feito em 30, 60 e 90 dias. Já o capital para o crescimento da empresa pode ser parcelado em até 12 meses. A alíquota de juros, por sua vez, fica entre 25% e 30% por ano, de acordo com o valor emprestado.
Como não se trata de uma operação em venture debt, em que o tomador do empréstimo pode colocar ações da startup como garantia, a Jeeves precisa recorrer a meios legais, com cobranças judiciais, para reaver o dinheiro emprestado. Trata-se de um processo que pode ser mais burocrático e demorado. “Não existe uma carteira de crédito totalmente sem risco. É preciso saber lidar com isso”, diz Torres.
Para evitar a inadimplência, a estratégia é realizar uma peneira rigorosa entre os solicitantes. A companhia não revela sua fórmula, mas diz que no radar estão empresas cuja receita anual seja superior a R$ 1,2 milhão. Entre as startups, a preferência é por companhias que já levantaram rodadas de investimento. Nas empresas tradicionais, a análise já prioriza a leitura do balanço e uma análise do fluxo de caixa.
Além de bancos tradicionais, empresas que já nasceram no ambiente digital também estão de olho no mercado de crédito corporativo. No ano passado, a LetsBank realizou a aquisição da IOUU, fintech de empréstimos peer-to-peer para empresas. O objetivo era oferecer crédito para pequenos negócios.
“A obtenção de crédito se tornou o maior problema das empresas, principalmente das startups. Isso acontece no mundo inteiro, mas no Brasil é uma situação ainda mais grave”, diz Paulo Feldmann, professor de economia da USP. Segundo o economista, dependendo da taxa de juros, os empréstimos podem ser uma alternativa para as companhias que buscam dinheiro com o momento mais conservador do venture capital.
O plano iniciar da fintech era lançar os empréstimos e o cartão de crédito praticamente ao mesmo tempo. A ideia era disponibilizar os cartões de crédito a partir de junho, mas a startup reformulou seus planos e agora vê a estreia somente para agosto.
Junto com os cartões de crédito que não têm cobrança de anuidade e contam com cashback de até 4%, a Jeeves também guardou para agosto algumas soluções para permitir o pagamento de contas e as transferências de dinheiro entre contas. A ideia é que até o fim do ano a companhia esteja com força máxima no Brasil.
A startup não informa metas de crescimento ou os resultados que pretende alcançar no curto prazo. A única métrica revelada foi em relação ao número de clientes. A expectativa é ter pelo menos 1 mil empresas usando os serviços da fintech. Dessas, entre 200 e 300 companhias devem utilizar soluções de empréstimos, prevê Torres.
No exterior, a fintech tem clientes como Bitso, Kavak, Belvo entre outros. Ao todo são mais de 3 mil empresas que utilizam alguma das soluções da startup.
Em relação às finanças, Torres diz que a Jeeves está com o caixa robusto. Em março, quando desembarcou por aqui, a fintech anunciou também a captação de um aporte de US$ 180 milhões numa rodada de Série C liderada pela Tencent. A injeção de capital fez com que a Jeeves atingisse valor de mercado de US$ 2,1 bilhões.
O dinheiro seria usado para expandir a operação no Brasil, que o fundador Thazhmon via como fundamental para a fintech e abraçar novos mercados. Num contexto global, a Jeeves opera em 24 países na América do Sul, América do Norte e Europa. A meta é chegar em 40 países até 2024.
Tanto no Brasil como no exterior, a Jeeves enfrenta a competição de empresas que atuam com serviços semelhantes. Por aqui, a competição se dá com a mexicana Clara, que captou mais de US$ 158 milhões em aportes e desembarcou em solo brasileiro com seus cartões corporativos no fim de 2021.
Nos Estados Unidos, o maior obstáculo tem sotaque brasileiro. Trata-se da Brex, fintech fundada pelos brasileiros Pedro Fraceschi e Henrique Dubugras e que já vale mais de US$ 12 bilhões. Já na Europa, a disputa é com a Klarna, avaliada em mais de US$ 45 bilhões e que recentemente realizou centenas de cortes de funcionários.