Rafael Sales costuma dizer que conversa com o Brasil inteiro. A afirmação não é um exagero. Nesta semana, ele completa um ano à frente da Aliansce Sonae, formada em agosto de 2019 a partir da fusão entre a Aliansce e a Sonae Sierra Brasil, avaliada em R$ 7,3 bilhões e dona do maior portfólio de shopping centers do País.
São 39 unidades, 27 próprias e 12 sob gestão, distribuídas em 1,4 milhão de metros quadrados. O pacote inclui desde centros voltados ao público de alta renda, como o Shopping Leblon, no Rio de Janeiro, até os de perfil mais popular, como o Shopping Taboão, em Taboão da Serra (SP).
Depois de consolidar a fusão que gerou a nova empresa, com uma receita de R$ 913 milhões e que movimentou R$ 10,6 bilhões em compras em 2019, a Aliansce Sonae quer estender o diálogo com os lojistas e os consumidores de seus shoppings para além do tijolo e do concreto.
“Estamos investindo fortemente no omnichannel”, diz Sales, em entrevista ao NeoFeed. “As sinergias e a sincronia entre o offline e o digital vão mudar o jogo, especialmente para os pequeno e médios lojistas.”
Para integrar esses dois mundos, a aposta da Aliansce Sonae são os marketplaces. O plano é plugar os lojistas de seus shoppings nas plataformas que está construindo.
A novidade é que o plano da Aliansce Sonae é conectar a sua própria plataforma à marketplaces já estabelecidos do mercado, como Mercado Livre, Amazon, Magazine Luiza ou B2W.
No formato que está sendo estruturado pelo grupo, os lojistas pagarão um percentual sobre cada venda, o chamado take rate, diretamente a Aliansce Sonae ou ao marketplace do parceiro. A definição de quem terá direito a essa taxa dependerá de onde for gerada a venda.
Em média, os marketplaces que já operam no mercado cobram cerca de 20% sobre cada negócio realizado por meio de suas plataformas. Sales não revela qual taxa a Aliansce Sonae irá praticar.
“Queremos ser um viabilizador para os lojistas”, afirma o executivo. “E somos agnósticos. Eles vão poder se conectar em todas as plataformas. Nosso objetivo não é competir com os grandes marketplaces.” Ele não revela, porém, com quais plataformas o grupo já firmou parcerias.
Esse conceito está sendo testado em um projeto-piloto no Parque D. Pedro Shopping, em Campinas (SP), a joia da coroa da Aliansce Sonae. Até o fim do ano, o modelo será expandido a outros seis centros de compra do portfólio e o plano é cobrir toda a rede em 2021.
Esse mesmo esforço está no centro das estratégias de outros grandes nomes do setor. E ganhou velocidade quando as vendas digitais se tornaram a válvula de escape dos shoppings, que passaram os últimos meses com as portas fechadas, por conta da Covid-19, e só agora começam a reabrir suas operações.
Pacote de opções
O Parque D. Pedro ilustra outras ações que do grupo nesse novo espaço. Além do marketplace, no site do empreendimento, o consumidor tem acesso a outras alternativas para encomendar produtos em cada loja.
Ao clicar, por exemplo, na loja Brasil Cacau, ele encontra o link para o e-commerce próprio da varejista, bem como o contato para fazer pedidos via WhatsApp ou por delivery. O mesmo modelo já está sendo adotado em boa parte dos demais shoppings.
Há mais opções para fazer o produto chegar às mãos dos clientes. Uma delas é o drive-thru, disponível em 36 shoppings. A empresa também está testando o uso de lockers em seis centros de compra. “Vamos avaliar a adesão dos consumidores a esses formatos”, diz Sales. No caso do drive-thru, a companhia já definiu que ele será mantido, ao menos, até o fim do ano.
A associação com quem tem mais escala também está sendo adotada no delivery. Para a categoria de comida, foi fechada, até o momento, uma parceria com o iFood. Em outros produtos, o parceiro é a Loggi.
“Não faz sentido entrar na disputa em um mercado que já tem muitos gigantes”
Esse mesmo conceito será usado em outras ofertas do marketplace, como a integração de carteiras digitais, que está em avaliação. Aqui, mais uma vez, a ideia não é ter uma solução própria. “Não faz sentido entrar na disputa em um mercado que já tem muitos gigantes”, diz Sales.
Para Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da consultoria Gouvêa Malls, o investimento das administradoras no omnichannel é um mal necessário. “É inevitável, tendo em vista o movimento do consumidor”, diz. “E os shoppings vão ter que abrir mão de receita para facilitar a transição do lojista, que não tem margem para fazer isso sozinho.”
Ele destaca que a fusão pode ter tirado um pouco do foco da Aliansce Sonae nesse caminho. “Eles não estão parados nesse território digital”, observa Marinho. “Mas ainda não estão no mesmo patamar que outros nomes do setor.”
Um deles é o BRMalls, dono de centros como o Jardim Sul, em São Paulo. O grupo investiu, por exemplo, na Delivery Center, startup que monta hubs em shoppings e conecta os lojistas com aplicativos e marketplaces parceiros.
A Delivery Center também recebeu aportes do grupo Multiplan, outro gigante do setor. Na segunda-feira, 3 de agosto, o Multiplan e a startup anunciaram uma parceria para integrar as lojas dos shoppings da administradora ao marketplace da B2W.
O multicanal também está ganhando peso no grupo Iguatemi que, entre outras iniciativas, lançou seu marketplace, o Iguatemi 365, em outubro. Disponível inicialmente em São Paulo, com cerca de 100 lojistas e 240 marcas, a plataforma começou a ganhar escala na pandemia e, na semana passada, chegou a Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Goiânia e Campo Grande.
Fusão, pandemia e reabertura
A integração entre Aliansce e Sonae, de fato, exigiu boa parte da atenção do grupo no último ano. Sales diz, porém, que as duas operações tinham uma cultura similar e eram bastante complementares nas geografias, o que facilitou esse processo. Com pouca sobreposição, houve trocas ou consolidações pontuais em cerca de 60 postos, diante de um quadro de 7 mil empregos diretos e indiretos.
O executivo destaca que já foi possível extrair benefícios da nova escala da área comercial. No primeiro trimestre, o grupo fechou 71 contratos e firmou outros 15 acordos em abril, já com os shoppings fechados, por conta da Covid-19.
Porém, mesmo com a manutenção da estimativa de capturar sinergias anuais entre R$ 70 milhões e R$ 80 milhões nos próximos três anos, Sales ressalta que os efeitos positivos da fusão não compensarão a queda relevante na receita esperada para 2020, em função dos impactos da pandemia.
A extensão desses impactos começará a ser conhecida, de fato, em 12 de agosto, quando a Aliansce Sonae divulga o resultado referente ao segundo trimestre. Mas já há um termômetro desse cenário. No ano, as ações da empresa acumulam uma queda de 44,67%.
Apesar de alguns bons números, como o salto de 82,5% no lucro líquido, para R$ 103,9 milhões, o balanço do primeiro trimestre trouxe outros sinais. A receita de locação caiu 6,3%, para R$ 153,7 milhões. Já a taxa de inadimplência foi para 5,5%, contra 3,3%, um ano antes.
Com R$ 1,5 bilhão em caixa, reforçado pelo follow-on realizado em dezembro, no qual captou R$ 1,19 bilhão, o grupo implantou algumas medidas junto aos lojistas. Entre elas, os descontos de 50% e 100% no aluguel, em março e abril, e de 20% e 50% no condomínio, em abril e maio.
“Tivemos poucas rescisões e casos de discussão judicial. Nessa frente, foram doze, entre 7,2 mil lojistas”, conta Sales. A política de descontos está sendo mantida. “Mas vamos reduzir isso gradativamente, até que as curvas de fluxo e de vendas se normalizem.”
“Tivemos poucas rescisões e casos de discussão judicial. Nessa frente, foram doze, entre 7,2 mil lojistas”
Essa é também uma condição para que a Aliansce Sonae dê continuidade aos projetos de expansão em alguns empreendimentos. Já em 2021, a empresa quer retomar outra estratégia: as aquisições. “Vamos seguir consolidando a indústria e comprando ativos que são dominantes”, afirma Sales.
Para ele, ainda não é possível estimar quando o setor, que movimentou R$ 192,8 bilhões em 2019, segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), recuperará os níveis pré-crise. Mas, a partir da “conversa” que mantém com lojistas e consumidores, ele conta um pouco do cenário atual.
Hoje, 37 dos 39 shoppings da rede já reabriram, com horários reduzidos e protocolos como a medição de temperatura e o reforço da limpeza e da higienização. A situação varia em cada região, mas Sales diz que, em média, a queda no fluxo está entre 15% e 20%, comparada ao período anterior à crise. Ele não revela, no entanto, os patamares relativos às vendas.
No mapa da empresa, os shoppings da região Norte vêm registrando bom desempenho, assim como os de perfil mais popular. “Já nos de renda mais alta, a recuperação tem sido mais gradual”, afirma. Sales acrescenta que Belo Horizonte é uma das cidades mais críticas. “Não houve coordenação entre prefeitura e Estado, por isso, temos uma expectativa de fechamento de muitas lojas por lá.”
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