Em 2010, quando a OLX desembarcou no Brasil trazendo na bagagem sua plataforma de compra e venda de produtos usados e seminovos, o Mercado Livre já explorava esse modelo há cerca de dez anos no País. Nos dez anos seguintes, no entanto, as duas empresas seguiram caminhos distintos.
Enquanto o Mercado Livre se distanciou dessa fórmula, a OLX se manteve fiel ao bordão “Desapega”, com o qual ganhou fama e escala no País. E seguiu apostando estritamente nos classificados online que conectavam as transações entre consumidores.
Há dois anos, porém, a OLX decidiu desapegar. Sem esquecer suas raízes, passou a adicionar ingredientes em busca de mais receitas. E agora prepara o lançamento de um cartão e a oferta de postos de coleta de produtos, sob um viés que, cada vez mais, encontra paralelos com sua antiga rival.
“Estamos seguindo na transição de uma plataforma pura de classificados para um modelo transacional, de ponta a ponta”, diz Regina Botter, general manager da unidade de negócios OLX, ao NeoFeed. “E, para isso, temos toda uma evolução relacionada a meios de pagamento, logística e serviços.”
Para cumprir essa jornada, desde o fim de 2020, o grupo OLX foi estruturado em duas áreas. A divisão sob a alçada de Botter envolve a plataforma de compra e venda de categorias como bens de consumo, veículos e imóveis. E está 100% centrada em transações C2C, ou seja, entre consumidores.
A segunda unidade de negócios é a ZAP+, focada em anúncios de imóveis e numa abordagem mais B2B, por meio do relacionamento com corretoras, imobiliárias e incorporadoras. A divisão teve origem na aquisição do Grupo ZAP, por R$ 2,9 bilhões.
A chegada de Botter, há 8 meses, diz muito sobre a agenda da unidade pela qual a OLX ficou mais conhecida. Em mais de 20 anos de carreira, boa parte deles nos setores financeiro e de tecnologia, a executiva passou por empresas como ABN Amro Bank, Santander, Webmotors e Visa.
“Na Visa, por exemplo, eu mentorei muitas das fintechs que hoje estão em destaque no mercado”, conta. “E acompanhei o movimento de muitos marketplaces iniciando suas soluções de meios de pagamento. Há uma convergência entre a minha carreira e o momento da OLX.”
Alguns números dão a medida exata da equação por trás desse momento da OLX e da missão de Botter à frente da unidade. De um lado, a divisão contabiliza indicadores parrudos, como 14 milhões de usuários anunciantes e 21 milhões de itens vendidos em 2021. Transações que, somadas, representaram um GMV de R$ 220 bilhões.
Em contrapartida, os últimos indicadores conhecidos do balanço da operação, relativos a 2020, mostram que a OLX, ainda mais restrita ao seu modelo tradicional, captura uma parcela bastante incipiente perto do que gera de negócios. Naquele ano, a receita foi de R$ 683 milhões.
Para efeito de comparação, naquele mesmo ano, o Mercado Livre reportou um GMV de US$ 20,9 bilhões, ou cerca de R$ 108,5 bilhões. E registrou uma receita líquida de US$ 3,9 bilhões, aproximadamente R$ 20,2 bilhões.
“O GMV da OLX é estratosférico”, diz Eduardo Yamashita, diretor de operações da Gouvêa Ecosystem, consultoria especializada em consumo e varejo. “Mas o percentual de ganho deles é muito inferior ao de outras plataformas, que ganham um percentual sobre a venda de produtos e não de anúncios.”
Em 2021, a OLX registrou um GMV de R$ 220 bilhões
Como parte das primeiras iniciativas tocadas sob a gestão de Botter para mudar esse quadro, a OLX planeja colocar no mercado o cartão OLX Pay. O produto é mais uma novidade atrelada à carteira digital de mesmo nome, lançada em julho de 2020 e que, na prática, marcou o início dessa nova orientação.
Ainda sem uma data oficial de lançamento, o cartão pré-pago começou a ser testado em outubro de 2021 com um pequeno grupo formado por funcionários da OLX. Na sequência, uma base restrita de clientes foi adicionada a esse projeto-piloto, que está em andamento.
Com bandeira Mastercard, o cartão permitirá aos usuários movimentarem mais facilmente o saldo que acumularem na OLX Pay. Além de realizarem saques e pagarem por transações, offline ou digitais, fora da plataforma.
“Ainda estamos aprimorando as características do produto, mas de saída, ele nos abre, inclusive, a possibilidade de bancarização”, observa a executiva. “Porque muitas pessoas que transacionam na nossa plataforma não têm conta corrente ou cartão de crédito. É uma forma de atrair esse público.”
O cartão reforça o pacote de recursos que vem sendo plugado na plataforma. Essa relação inclui, por exemplo, a Compra Segura, que garante o pagamento aos vendedores e assegura a devolução do valor pago aos compradores, caso ocorra algum problema entre as duas partes.
No portfólio financeiro, outro plano é estender a oferta de financiamentos. Hoje, ela está restrita aos automóveis, por meio de parcerias com o Itaú Unibanco e o banco Daycoval. “Estamos expandindo para imóveis e um próximo passo é trazer parceiros também na categoria de bens de consumo”, diz Botter.
Com o lançamento da OLX Pay, há dois anos, a OLX também passou a oferecer a possibilidade de os compradores escolherem a entrega dos produtos pela plataforma. Essa opção foi viabilizada por meio de uma parceria com os Correios.
Agora, a plataforma está começando a avaliar mais uma alternativa nesse pacote de logística. Trata-se do conceito de drop off, ou seja, de postos de coletas – estabelecimentos ou lockers, por exemplo – para entrega de mercadorias pelos vendedores e a retirada dos produtos pelos compradores.
Um primeiro passo nessa direção foi dado com uma prova de conceito, realizada recentemente. Neste segundo trimestre, a OLX começa a testar, de fato, o modelo por meio de um projeto-piloto, tendo como ponto de partida a cidade de São Paulo.
“A ideia é entender se essa alternativa realmente faz sentido”, diz Botter. “E como essa não é a nossa expertise, vamos atuar com parceiros especializados de logística e, através deles, teremos acesso rapidamente a uma rede mais ampla de pontos.”
Para Yamashita, da Gouvêa Ecosistem, a guinada da OLX é natural, mas tardia. Entretanto, ele destaca alguns pontos que podem ajudar a plataforma a recuperar o tempo perdido. A começar pelo seu foco no C2C, enquanto boa parte dos rivais trava embates intensos na arena do B2B2C (business-to-business-to-consumer).
“Hoje, a OLX não tem um concorrente direto”, afirma. “E ao priorizar categorias com um tíquete mais elevado, como imóveis e autos, para as quais players como Mercado Livre, Via e Magazine Luiza não estão olhando ou dando tanto peso, eles podem se consolidar com autoridade nesse mercado.”