É o fim da estrada para Matthew Levatich no comando da Harley-Davidson. Além do cargo de CEO, ocupado desde 2015, o engenheiro americano também desembarca de sua posição no conselho da empresa.
As vendas em marcha lenta e a dificuldade de tracionar a marca Harley-Davidson entre o público jovem foram os principais motivos que levaram Levatich a puxar o freio de mão em sua trajetória de 26 anos na fabricante de motocicletas.
Avaliada em US$ 4,7 bilhões, a Harley-Davidson vai buscar um novo executivo no mercado. Enquanto isso, o membro do conselho Jochen Zeitz assume interinamente as funções de presidente e CEO da marca fundada em 1903.
"Estamos surpresos que a mudança na liderança da companhia aconteça às vésperas de importantes lançamentos de novos produtos", disse ao NeoFeed Sharon Zackfia, analista da agência de serviços financeiros William Blair.
Segundo o analista, o executivo que assumir o volante da empresa terá de lidar com diversos riscos. "Declínio de desempenho de venda no mercado nacional de motocicletas pesadas, intensa concorrência de empresas estrangeiras, a possibilidade desses novos produtos não atenderem às expectativas e a sensibilidade ao preço de commodities e flutuações cambiais são os principais desafios", diz Zackfia.
Desde 2016, a Harley-Davidson vem perdendo fôlego no mercado americano, mas não o suficiente para ser deficitária. Em 2019, a companhia registrou lucro de US$ 423,6 milhões. No último trimestre, no entanto, o saldo positivo foi em apenas US$ 13,5 milhões, valor que desagradou os investidores.
Entre 1945 e 1970, o número de motocicletas ativas nos Estados Unidos saltou de 198 mil para 2,8 milhões, um crescimento impulsionado principalmente pela popularização dos modelos Harley-Davidson, explorados em filmes de Hollywood.
Foi nessa época, por exemplo, que os longas "O Selvagem", com Marlon Brando, e "Sem Destino", com Jack Nicholson, traziam protagonistas que buscavam liberdade a bordo de motos Harley-Davidson.
Essa associação com a rebeldia e a própria liberdade fizeram da marca um símbolo e um estilo de vida. No final dos anos 1970, a empresa comercializava, além das motocicletas, jaquetas, camisetas, bonés e afins.
Neste período, a montadora ganhou seu próprio clube, o Harley Owners Club, que prosperou com a percepção junto com a geração chamada de babies boomers, que compreende as pessoas que nasceram entre 1946 e 1964, no pós-Segunda Guerra Mundial.
Na década de 1980, o clube da empresa contava com mais de 90 mil associados. Isso fez com que o lucro da empresa saltasse de US$ 2,9 milhões em 1984 para US$ 4,3 milhões em 1986, mesmo ano em que a Harley-Davidson abriu seu capital nos EUA.
Curiosamente, o ápice da companhia aconteceu quando seu público atingiu, em 2006, o que é conhecida como a "crise da meia idade". Naquele ano, a fabricante cravou, pela primeira vez, lucro acima de US$ 1 bilhão.
Mas uma curva (ou nesse caso, uma crise) "inesperada" fez com que a companhia reduzisse drasticamente sua velocidade nas vendas a partir de 2007. Seus papéis despencaram entre 2006 e 2009, quando a empresa também registrou prejuízo de US$ 55 milhões.
Para tentar desatolar da lama em que estava, a companhia voltou às suas raízes, construindo motocicletas pesadas, grandes e barulhentas. Funcionou. A companhia sorria com a brisa do lucro soprando em sua direção. Em 2014, os ganhos foram de US$ 844 milhões.
Mas a marca que sempre teve o passado como seu principal trunfo, não tinha problemas no presente. Era no futuro que viviam as preocupações: seus consumidores estavam envelhecendo e não existia uma base nova de clientes mais jovens.
Para se ter uma ideia, em 1985, um cliente Harley-Davidson tinha, em média, 27 anos. Em 2003, a média passou para 41 anos e, em 2018, para 50 anos.
Foi justamente pensando na própria sobrevivência que a fabricante promoveu seu então COO, Matthew Levatich ao mais alto posto executivo dentro da corporação.
Com MBA pela Northwestern University, Levatich mostrava ter um mix de habilidades e conhecimento necessário para cumprir a missão dada pela Harley-Davidson.
Uma de suas mais notáveis conquistas foi o investimento em modelos elétricos, fazendo da montadora americana a primeira dentre os grandes players do setor de motocicletas a olhar nessa direção.
A moto LiveWire, totalmente impulsionada por baterias, chegou ao mercado em 2019, por US$ 30 mil. Embora bem recebido pela crítica, o público não aprovou o preço – cerca de US$ 10 mil mais caro que as demais motocicletas da marca.
Enquanto defendia o plano de baratear essa aposta elétrica, Levatich também adicionou ao portfólio da companhia a linha Street, com modelos a partir de US$ 7,6 mil, os mais baratos da grife.
Com um leque mais generoso (e variável) de ofertas, a Harley-Davidson conseguia enfrentar sem grandes dificuldades as fabricantes asiáticas de motocicletas.
Mas o aumento da competição, que ganhou peso com a tração da inglesa Triumph, com a popularidade da italiana Ducati (hoje parte da Volkswagen) e com o surgimento de novas empresas indiana, tornou as coisas mais difíceis.
Não bastasse às pedras "naturais" no caminho, o presidente Donald Trump colocou mais algumas. Ao anunciar novas tarifas para aço, alumínio e outras commodities fundamentais para a construção dos modelos Harley-Davidson, a marca viu seu custo de produção disparar.
Internacionalizar parte da produção foi necessário, o que desagradou seu clientes mais fiéis, que se orgulhavam do status "feito nos Estados Unidos" que a marca ostentava.
Trump, que outrora usava a companhia como um exemplo de patriotismo e bom empreendedorismo nacional, também criticou a decisão da empresa. O presidente republicano usou sua conta oficial no Twitter para atacar a companhia.
"Muitos proprietários de Harley-Davidson pretendem boicotar a marca se a produção internacional continuar. Ótimo", postou o político em agosto de 2018.
O desgaste da marca perante o público e o mercado fizeram com que a vendas patinassem, derrubando seus papéis em mais de 19% em 2019. Neste ano, já acumulam queda superior a 20%.
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