Em outubro de 2020, Tony Volpon assumiu o posto de estrategista-chefe da Wealth High Governance (WHG), empresa recém-constituída, na época, por ex-executivos do Credit Suisse, em parceria com a XP, que detém uma participação de 49,9% na operação.
O economista trazia uma longa lista de “serviços prestados” como credenciais para o cargo. Nos quatro anos anteriores, havia atuado como economista-chefe do UBS Brasil. Antes, entre abril de 2015 e julho de 2016, foi diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. Seu currículo incluía ainda passagens por instituições como o Bank of America e Nomura Securities.
Dois anos depois, a WHG ganhou fôlego e tem mais de R$ 20 bilhões sob gestão, superando o volume projetado em seu início de operação. Altamente conceituado no mercado, Volpon ajudou a casa a alcançar essa meta. E agora, está centrado em outros indicadores. Em particular, no cenário inflacionário global, foco da ação dos maiores bancos centrais do mundo, entre eles, o Federal Reserve (Fed), o BC americano.
Diante das políticas que vem sendo adotadas pelo Fed, que têm implicações para todas as economias, Volpon pondera que a curva de juro americana precifica uma deflação grande e rápida nos Estados Unidos, que tende a acontecer com alguma recessão que a bolsa não precifica.
“A bolsa sinaliza uma aterrissagem bem suave da economia. Mas, dado o nível de inflação inercial, sobretudo no mercado de trabalho americano, é difícil imaginar que haverá desinflação relevante sem alguma recessão”, diz ele, em entrevista ao NeoFeed. “E talvez o Fed tenha que fazer mais juro ou fazer o que o BC do Brasil parece inclinado a fazer: manter o juro elevado por mais tempo.”
Volpon avalia que o ciclo de aperto monetário no Brasil deverá ser interrompido pelo Copom na quarta-feira, 3 de agosto. “O alívio que veio do Fed cria a janela perfeita para o nosso BC parar de aumentar a Selic”, comenta.
Ele reconhece que o País tem passado por choques importantes desde a pandemia, mas diz que não dá para dizer que a política monetária do BC foi um sucesso.
“Não dá para dizer com o BC escrevendo duas cartas seguidas e talvez uma terceira em 2023 [para explicar ao ministro da Economia porque a inflação não ficou na meta]. A inflação já parecia ser um problema no final de 2020, mas passamos por pelo menos quatro ou cinco revisões do plano de voo da política monetária e estratégia do BC”, afirma.
Acompanhe os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:
Qual é a visão da WHG para a economia americana?
Estamos passando por um ponto de inflexão no cenário inflacionário global. O petróleo bateu seu máximo em 8 de junho e caiu. Assistimos a um processo semelhante com outras commodities. Outros índices que tentam mensurar restrição de oferta também têm melhorado. No último mês e meio, vários indicadores de inflação passaram a apontar desaquecimento. Combinado com isso tivemos uma decisão aparentemente mais dura do Federal Reserve (Fed), o BC dos EUA [com aumento do juro em de 0,75 ponto], mas várias ponderações de Jerome Powell indicaram um Fed mais flexível. E o juro mais próximo do neutro poderá permitir que a instituição, dentro do mandato que persegue, olhe não só a inflação, mas também a atividade.
O fator determinante para a recessão é a inflação?
É a inflação e as indicações são de que a inflação cheia já chegou ao seu pico. Pressupondo que não haverá choques inesperados, algum ‘cisne negro’, o pico passou. Essa é a boa notícia. A má notícia é que o núcleo da inflação continuará bastante pressionado. A curva de juro está se ajustando após a decisão do Fed que elevou a taxa ao intervalo de 2,25%-2,50%. A curva apontava taxa [terminal] de 4%. Depois da decisão, é de 3,25%, mas a curva já aponta corte pelo Fed em 2023 para juro abaixo do neutro.
Não há um exagero na precificação?
A curva de juro está indicando uma deflação extremamente grande e rápida e ela tende a ocorrer com alguma recessão que a bolsa não precifica. A bolsa sinaliza uma aterrissagem bem suave da economia. Vejo um mercado dividido com a bolsa privilegiando um cenário positivo. Mas, dado o nível da inflação inercial, sobretudo no mercado de trabalho, é difícil imaginar que haverá uma desinflação relevante sem alguma recessão. A curva de juro está muito otimista.
"Pressupondo que não haverá choques inesperados, algum ‘cisne negro’, o pico passou. Essa é a boa notícia. A má notícia é que o núcleo da inflação continuará bastante pressionado"
Já há sinais de recessão?
O setor imobiliário, em construção de casas novas, já está em recessão. O setor de manufaturados está flertando com ela. Mas para deflacionar a economia, será preciso chegar ao mercado de trabalho. Não dá para resolver questão da inflação só olhando os determinantes mais voláteis como commodities ou estoques. Para atingir a inflação, tem que atingir a demanda no coração - o mercado de trabalho.
E o Brasil? Quais são as expectativas da WHG?
Para o PIB deste ano esperamos 2,2% e queda de 0,5% em 2023. Nossa projeção para o IPCA é de 7,3% para 2022 e 5,3% para o ano que vem. Quanto à Selic, esperamos 13,75% neste ano e 12,50% no próximo. Para taxa de câmbio projetamos, respectivamente, R$ 5,20 e R$ 5,00.
O Copom deve interromper o ciclo de aperto monetário nesta reunião de hoje?
Acreditamos que sim, muito em função do alívio que veio do Fed. Se os mercados reagem ao Fed, os bancos centrais também. Quando o câmbio estava a R$ 5,60 e a expectativa era de que o Fed elevasse sua taxa em 1 ponto percentual, nossa avaliação era de que o Copom não conseguiria parar de subir a Selic. Mas, há algumas reuniões, o Copom gostaria de parar. A conjuntura, porém, não estava permitindo. Agora é a janela perfeita.
Como você avalia a política do Banco Central?
Não dá para dizer que a política monetária foi um sucesso com o BC escrevendo duas cartas seguidas e talvez uma terceira em 2023 [para explicar ao ministro da Economia porque a inflação não ficou na meta]. É verdade também que o País tem vivido choques exógenos importantes desde a pandemia. Mas houve erros de condução de política monetária que adicionaram problemas. A inflação já parecia ser um problema no final de 2020, quando fechou bem acima do centro da meta, mas passamos por pelo menos quatro ou cinco revisões de plano de voo da política monetária do BC e ele não estava sozinho. O Fed, por exemplo, ficou naquele papo [da inflação transitória] um bom tempo. Não dá para dizer que o BC fez um grande trabalho porque começou a subir a taxa primeiro.
Mas subir o juro primeiro que os outros conta?
Começou a subir primeiro, mas porque havia cortado o juro mais do que todo mundo.
O fato de o Brasil ter juro alto dá ao País alguma vantagem em relação ao investidor internacional?
O diferencial de juro não parece ter sido um grande componente de oscilação da taxa de câmbio, do real. Tivemos no início do ano um fluxo importante de capital estrangeiro para a bolsa. Posteriormente, seguimos a queda de commodities que afetou o dólar [no mundo] e tem ajudado o real e a percepção do mercado sobre a questão fiscal. O juro parece estar sendo um fator que absorve choques negativos e impede que a taxa de câmbio vá para R$ 6, mas não é a minha percepção que o juro está sendo um ‘driver’ positivo para o investidor. Até porque para fazer posições de carry-trade [tomar recursos em mercados onde o juro é menor e aplicar onde o juro é maior e ganhar o diferencial] é preciso ter alguma visão mais positiva e respostas para algumas questões. Entre elas, a inflação já atingiu o pico no Brasil? O BC vai parar de subir juro? Qual será o resultado da eleição?
Há um roteiro a cumprir para aplicar em juro no Brasil?
Há um checklist do que é preciso ter para ficar em juros. Podemos listar três pontos para qualquer investidor, não só o internacional, para se ter um bom retorno: 1) O juro está alto? Porque se o juro está muito baixo é quase certeza que você vai perder dinheiro no próximo ano, ficando em renda fixa sempre observando a inflação. 2) Não pode ter um BC brigando contra você. Ele não precisa cortar o juro, mas não pode subir. 3) É preciso ter atenção na inflação porque se há um processo de desinflação no mundo, esse processo terá impacto no Brasil. Nesta semana deveremos ter uma posição do BC e o checklist se completa. É verdade que ainda teremos eleição. Mas, depois da eleição, não se deve ter mais prêmio [na curva de juros].
"Apesar de várias críticas que considero corretas, por várias coisas que ocorreram no âmbito fiscal, ainda acredito que Paulo Guedes e equipe jogaram muito na defesa e evitaram coisas ainda piores"
Temos no passado recente um momento semelhante no mercado de juros?
Tivemos um ponto de inflexão por volta de março de 2016, quando o mercado sabia que a Selic não iria subir mais que 14,25%, a inflação começou a ceder de maneira mais estrutural, o impeachment da então presidente Dilma Rousseff já estava desenhado no horizonte e havia expectativa de melhor definição da questão fiscal em função do impeachment. Teve início um processo de queda de juros em mercado. O Copom foi cortar o juro mais adiante naquele ano. Em outubro. A queda de juro, na sequência, durou quase 18 meses.
O que o Brasil precisa fazer para crescer forte?
Esta é uma discussão extensa. Brevemente, o bônus demográfico está virando, o Brasil também investe muito pouco. Temos surtos de capital estrangeiro seguindo ciclos de commodities e, nesse ponto, tem algo positivo porque acredito que as commodities vão seguir com preços elevados por muitos anos. E commodities são muito importantes para o Brasil. O vetor externo será muito relevante nos próximos anos. E, sendo positivo, produz efeito positivo sobre os ativos financeiros e gera fluxo de capital mais favorável ao País.
Qual é sua avaliação sobre o trabalho do Ministério da Economia?
Eles fizeram várias coisas boas até desprezadas pelo mercado que olha muito a questão fiscal e a flexibilização da regra do teto de gastos. Aconteceu e é inegável. A equipe econômica fez coisas setoriais. Mas, até pela minha experiência no BC, entendo que o ministro da Fazenda ou o ministro da Economia joga muito na defesa. Muitas vezes não tem uma conjuntura política para fazer o melhor e tenta evitar o pior. Apesar de várias críticas que considero corretas, por várias coisas que ocorreram no âmbito fiscal, ainda acredito que Paulo Guedes e equipe jogaram muito na defesa e evitaram coisas ainda piores. Tenho uma visão mais positiva da equipe econômica.