A fronteira agrícola do Centro-Oeste é a nova fronteira do crédito para o banco ABC em 2023. A instituição planeja rumar para a região em busca de fortalecer a base clientes do middle market, uma de suas prioridades.
O alvo é claro. Enquanto as empresas do agronegócio com faturamento anual acima de R$ 300 milhões estão bem atendidas pelo setor bancário, pesquisas internas do ABC mostraram que o setor de serviços, que se desenvolveu no entorno desse crescimento agrícola na região, estão carentes de produtos financeiros.
“Investimos em tecnologia para ter um middle market escalável e não disputar market share com outros bancos”, diz Sergio Lulia, CEO do Banco ABC Brasil ao NeoFeed. A expansão para o Centro-Oeste é a oportunidade de manter o forte o crescimento de dois dígitos que a carteira de middle market vem apresentando nos últimos anos.
No ano passado, o volume emprestado para esse segmento aumentou 40% sobre o de 2021. Neste ano, a projeção é um crescimento entre 35% e 45%, aproximadamente 2,5 vezes mais do que a carteira total, que deverá ficar entre 12% e 16%.
Hoje, a carteira de R$ 4,16 bilhões do middle market - pouco menos de 10% da carteira total de R$ 43,25 bilhões do banco - está dividida em operações em São Paulo (48,1%), região Sul (34,5%) e Rio de Janeiro e Minas Gerais (17,4%). A expectativa é que o Centro-Oeste entre com força nesse mix já neste primeiro ano de atuação, embora os dados não possam ser informados.
Com a competição menor com outros bancos por esse tipo de cliente na região Centro-Oeste, Lulia vai colocar em prática o que vem sendo desenvolvido pelo ABC Brasil nos últimos anos: o investimento em uma tecnologia proprietária para diminuir o custo de aquisição por cliente.
Este banco de dados do ABC Brasil faz um compilado de diferentes fontes de informação. Após a mineração, um mapa de calor é projetado em um raio de 150 quilômetros na região definida como prioridade. A força de vendas se concentrará na área com o maior número de clientes que se encaixam no perfil que a instituição financeira procura.
Para chegar a esse cliente, o ABC vem reforçando, também, o número de funcionários. Se em 2019, antes de entrar com força no middle market, eram 600 pessoas, o time começou o ano com 1.250. A maior parte das contratações foram de bankers, que usam as informações selecionadas pelo banco para bater de porta em porta.
Com o aperfeiçoamento do banco de dados e um conhecimento maior desses bankers, o ABC acredita que poderá acelerar na conquista do Centro-Oeste.
“O mapa do Brasil está aberto na nossa frente e sei onde está a maior concentração de potenciais clientes, com a informação financeira que me permite ser mais estratégico na minha proposta. E nas áreas de atuação”, afirma o CEO do ABC Brasil.
Um indicativo de que essa estratégia vem dando certo está na região Sul. Em pouco mais de 12 meses, ela já é a segunda maior carteira de crédito do middle market. Essa assertividade e velocidade serão testadas, agora, no Centro-Oeste.
Atualmente, existem 25 mil empresas pré-selecionadas para o middle market em todo o País, um número quase 11 vezes maior do que os 2.304 clientes que compõem a carteira atual - os demais segmentos já são menores em número absoluto e totalizam 2.109.
O fantasma da Americanas
Mesmo com toda a confiança na expansão do middle market com a entrada no Centro-Oeste, qualquer operação de crédito em 2023 vai encarar o fantasma do caso Americanas, que impactou o balanço da maioria das instituições financeiras.
No caso do ABC Brasil, que tem uma exposição à Americanas, a provisão para devedores duvidosos (PDD) aumentou de R$ 52,9 milhões no terceiro trimestre de 2022 para R$ 119,2 milhões no trimestre seguinte.
“Assim como nos outros bancos, a falha foi motivada principalmente por maiores despesas com provisões devido a um caso específico, cujo valor estimamos em aproximadamente R$ 67 milhões”, escreveram Gustavo Schroden, Otavio Tanganelli, Eric Ito e Camila Koga, em relatório do Bradesco BBI, referindo-se ao caso Americanas.
E prossegue na análise. “Em nossa visão, o banco provisionou aproximadamente 30% de sua exposição com o caso específico no quarto trimestre de 2022. Acreditamos que poderia ter sido maior, aproveitando o momento positivo atual e evitando impactos em um 2023 desafiador.”
Na visão de Lulia, a expansão do crédito será bastante cautelosa durante o ano. E não pelo evento Americanas (que ele não cita nominalmente), mas pela taxa básica de juros. Com a trajetória longa de manutenção da Selic em alta para esfriar a atividade econômica e baixar a inflação, o custo das empresas se mantém em patamares elevados. E é justamente esse montante acumulado que pode trazer problemas.
“Olhando no geral, as empresas são pouco alavancadas, com perfil de dívida adequado e compatível. Mas com a economia desacelerando, casos pontuais vão acontecer. Não vejo, porém, um cenário de crise de crédito”, afirma o CEO do ABC Brasil.
No 4º trimestre de 2022, o lucro líquido do banco foi R$ 197,3 milhões, uma redução de 9,6% no trimestre e um crescimento de 21,8% em relação ao mesmo período do ano anterior.
A rentabilidade sobre o patrimônio líquido (ROAE) fechou o ano passado em 16,2%, acima dos 12,8% de 2021. Já no quarto trimestre, a rentabilidade anualizada foi de 15,3%, uma redução de 2,2 pontos percentuais sobre o trimestre anterior, quando o indicador estava em 17,5%.
O ABC Brasil, que vem apresentando um ROAE próximo de 16% e 17%, pode voltar a crescer sem a provisão de Americanas.
Um dos destaques do balanço foi a margem financeira com os clientes, que cresceu 27,1%, para R$ 335,4 milhões, no último trimestre na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Esse dado vem ganhando força no balanço à medida que o mix de produtos e o segmento de clientes fica menos concentrado. Até pouco tempo atrás, a instituição financeira tinha uma cesta restrita de produtos para oferecer ao cliente. A diversificação vem acontecendo nos últimos anos, com operações de derivativos, banco de investimentos, comercialização de energia elétrica, seguros entre outros.
“O guidance do banco para 2023 aponta para um forte crescimento no middle market e nos investimentos”, escreveram os analistas do BBI.
Historicamente, o ABC Brasil, que nasceu como uma joint-venture do Arab Banking Corporation e do Grupo Roberto Marinho, sempre se manteve discreto. A decisão estratégica era atrair empresas com mais de R$ 300 milhões de faturamento anual e ficar distante da briga pelo varejo, um segmento dominado pelos maiores do mercado.
“Os incumbentes e os novos entrantes são poderosos e entendem muito mais que a gente de varejo. É difícil competir”, diz Lulia. A partir de 2019, o ABC descobriu que tem punch para disputar um novo tipo de cliente. E gostou da ideia de entrar no middle market.
Em 1997, o Bank ABC adquiriu a participação da família Marinho e se tornou o acionista majoritário da instituição financeira. Listado na B3 desde 2007 no nível 2 de governança corporativa, 30% das ações estão em livre circulação.
Com valor de mercado de R$ 4,1 bilhões, o papel está em queda de 2,9% no ano, mas acumula valorização de 18,6% em 12 meses.