Nem todas as produções que disputaram o Oscar de melhor filme neste domingo impressionam pelos orçamentos faraônicos. Três delas, “História de Um Casamento”, “Jojo Rabbit” e “Parasita”, consumiram menos de US$ 20 milhões, um valor bastante modesto para os padrões da indústria de cinema americana.

Títulos como “1917”, “Ford v Ferrari” e “Era Uma Vez Em... Hollywood” custaram quase US$ 100 milhões, enquanto “O Irlandês”, o mais caro da safra, foi realizado com US$ 159 milhões.

“História de um Casamento”, um filme original da Netflix, conquistou (no total) seis indicações ao Oscar gastando apenas US$ 18 milhões. Parte do sucesso que o drama alcançou, incluindo brigar pelo Leão de Ouro no prestigiado Festival de Veneza, deve ser atribuído ao roteiro.

É genial o modo como o diretor e roteirista Noah Baumbach disseca a dinâmica de um casamento pelo viés de um doloroso processo do divórcio – o que culminou com a sua indicação ao Oscar de melhor roteiro original.

“Só quando algo para de funcionar é que você realmente se dá conta de sua existência. É como se você tentasse passar por uma porta, mas ela estivesse trancada, obrigando você a olhar para ela e a pensar em como a porta funciona. Daí pensei que o divórcio poderia ser a chave para explorar um casamento”, disse Baumbach, quando apresentou o filme em Veneza, em evento com a presença do NeoFeed.

A autenticidade do material certamente também pesou. Para escrever os diálogos, o cineasta conta que se inspirou na própria experiência, por ter se divorciado da atriz Jennifer Jason Leigh, em 2013. O mesmo se passou com Scarlett Johansson, escalada aqui para viver uma atriz ressentida pelas concessões que fez em nome da união com o diretor teatral interpretado por Adam Driver.

"História de um casamento", produção da Netflix, custou US$ 18 milhões e ficou com o Oscar de melhor atriz coadjuvante para Laura Dern

“Quando me encontrei pela primeira vez com Noah, eu estava me divorciando”, afirmou Scarlett, em Veneza, referindo-se ao fim do casamento com o empresário francês Romain Dauriac, em 2017. “Nem sabia sobre o que iríamos falar e já pedi uma taça de vinho branco e comecei a reclamar de relacionamentos. Por isso o filme tem tanto de todos nós”, completou a atriz, que concorrou ao Oscar pela performance.

As demais indicações de “História de Um Casamento” incluíram melhor ator (Adam Driver), atriz coadjuvante (Laura Dern) e trilha sonora. Laura Dern, no fim das contas, ficou com a estatueta. Por ser da Netflix, o drama só confirma a força dessa plataforma de streaming, líder de indicações ao Oscar este ano, batendo os tradicionais estúdios de Hollywood – com 24, no total. Mas a Academia ainda torce o nariz para a plataforma de streaming e ela ficou com apenas duas premiações.

A Netflix foi a líder de indicações ao Oscar. Os filmes bancados pela plataforma de streaming disputaram 24 estatuetas. Mas a plataforma só levou dois

Nos últimos anos, a empresa, que destinou US$ 15 bilhões para produções só em 2019, vem se beneficiando de uma brecha aberta pela própria indústria de cinema, já que Hollywood foi deixando os filmes de arte (sobretudo os dramas) de lado, concentrando a sua produção nos blockbusters voltados à plateia jovem e carregados de efeitos especiais como as produções da Marvel.

Com os arrasa-quarteirões dominando os cinemas, principalmente os de conceito multiplex, os filmes menores calcados mais no desenvolvimento da história e no aspecto psicológico dos personagens quase só encontram espaço hoje nos serviços de streaming.

Isso explica o veterano de Hollywood Martin Scorsese ter feito o seu “O Irlandês”, com dez indicações ao Oscar, com a Netflix, mesmo que a decisão significasse a presença mínima de seu filme de gângster nas salas tradicionais.

“O Irlandês”, é verdade, é uma obra milionária, mas que não teria tanto espaço nos grandes estúdios por ter poucas cenas de ação e, acreditem, por priorizar personagens já na terceira idade.

O mesmo aconteceu com o cineasta Fernando Meirelles, que, graças ao gigante do streaming, conseguiu realizar o filme “Dois Papas”. A produção concorreu a três Oscars – de melhor ator (Jonathan Pryce), ator coadjuvante (Anthony Hopkins) e roteiro adaptado.

No modelo de negócios atual, as obras mais densas e com temática adulta só ganham a atenção de Hollywood nesta época do ano. É na temporada de prêmios que a Academia precisa de produções com mais conteúdo para fazer o seu tradicional anúncio dos candidatos ao Oscar.

No modelo de negócios atual, as obras mais densas e com temática adulta só ganham a atenção de Hollywood nesta época do ano

E várias vezes esses filmes são os que menos dinheiro empregaram na produção, como nos casos de “Jojo Rabbit”, com orçamento de US$ 14 milhões, e “Parasita”, o mais barato entre os concorrentes ao Oscar de melhor filme desta edição do prêmio, feito com apenas US$ 11 milhões. Isso mesmo, o vencedor de melhor filme, o sul-coreano Parasita custou apenas US$ 11 milhões.

O filme "Jojo Rabbit" contou com orçamento de US$ 14 milhões

Depois de vencer o Prêmio do Público no Festival de Toronto (TIFF), “Jojo Rabbit” disputou seis estatuetas no total. Além de concorrer na categoria principal, essa coprodução entre EUA e Nova Zelândia, que estreou no Brasil, quinta-feira, 6 de fevereiro, brigou por melhor roteiro adaptado, figurino, montagem, direção de arte e atriz coadjuvante. Ficou com melhor roteiro adaptado.

A atriz Scarlett Johansson disputou como melhor atriz coadjuvante, a sua segunda indicação este ano ao interpretar aqui a mãe do menino protagonista. O Jojo do título é um garoto que tem Adolf Hitler como amigo imaginário em plena Segunda Guerra Mundial.

A força do filme escrito e dirigido por Taika Waititi está justamente no fato de ser uma sátira ao nazismo, o que costuma agradar a Academia, sempre sensível à temática judaica. Afinal, os judeus fundaram grandes estúdios, como Warner Brothers, 20th Century Fox, MGM e outros.

No caso de “Parasita”, o único filme falado em língua estrangeira na lista dos melhores do ano da Academia, o crédito dessa proeza vai todo para o diretor e roteirista sul-coreano Bong Joon-ho.

Sua trajetória de sucesso começou no Festival de Cannes, onde a poderosa sátira social ambientada em Seul, a capital da Coreia do Sul, conquistou a Palma de Ouro, a primeira na história do cinema de seu país.

Ao misturar gêneros como ninguém, fazendo a comédia de humor negro transitar pelo thriller e pelo horror, o cineasta garantiu seis indicações ao Oscar com a trama que contrasta a vida dos patrões com a dos empregados. Além de melhor filme, “Parasita” levou as estatuetas de melhor direção, roteiro original e filme estrangeiro.

“Gosto de experimentar gêneros, de preferência, misturando-os”, contou Bong Joon-ho, em Cannes, durante uma entrevista a jornalistas com a presença do NeoFeed. “Mas não é um movimento calculado antecipadamente. É como fazer uma sopa sem receita específica”, diz ele.

Ao ser questionado sobre o que isso significaria, Joon-ho explica. “Você ferve a água e vai acrescentando os ingredientes de que mais gosta, deixando que as reações químicas tomem o seu curso”, disse o diretor sobre o resultado inesperado da obra, que permanece em cartaz no Brasil. Só por deixar o espectador sem saber exatamente o que vai acontecer em seguida, um problema de grande parte dos filmes de hoje, Bong fez por merecer as estatuetas.

*Reportagem atualizada em 10/02/2020 às 7h11 com os vencedores do Oscar

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