Silenciosamente, o BTG Pactual iniciou uma incursão ao campo. Entre fevereiro e maio, o banco comprou complexos de armazenamento de sementes, terminal de transbordo de açúcar, terminal portuário, o maior armazém de grãos da América Latina e outros ativos logísticos para o agronegócio em um total de 11 deals que somaram R$ 555 milhões.
“Foram ativos comprados e outros construídos a partir do zero”, diz Michel Wurman, sócio do BTG Pactual responsável pela área imobiliária do banco, ao NeoFeed. E mais negócios estão para sair, mas agora da porteira para dentro das fazendas. Nos próximos dois meses, o banco deve comprar entre 12 mil e 15 mil hectares de terra num investimento de R$ 350 milhões.
A movimentação da instituição financeira no setor, um dos mais pujantes da economia brasileira, que, nos últimos anos, tem crescido faça sol ou faça chuva, é a face mais visível de um negócio que ainda é quase incipiente no Brasil: os Fundos de Investimentos Imobiliários Agrícolas. Desde o início do ano, a instituição financeira lançou dois produtos.
O primeiro foi Fundo de Investimento Imobiliário BTG Pactual Agro Logística, o BTAL11, que colocou R$ 598 milhões no caixa e já é negociado em bolsa. O segundo é o BTG Pactual Terras Agrícolas, o BTRA11, que captou R$ 350 milhões e vai começar a ser negociado na bolsa no dia 28 de julho. No total, são quase R$ 950 milhões em ativos.
“Estamos bem atuantes no setor. Hoje devemos ser a maior gestora de ativos agro do mercado, com um portfólio diversificado”, diz Wurman. “Começamos a estudar esse mercado antes da pandemia e passamos o ano de 2020 inteiro olhando esse segmento. A história está virando bem pop.” Wurman diz que depois de ter estruturado o fundo de logística em agro e o de terras, em breve o banco deverá criar um terceiro focado em crédito.
A ideia é tornar os FIIs de agro numa máquina de negócios para o banco a exemplo do que acontece com outros FIIs da instituição financeira. Hoje, o BTG Pactual tem R$ 15 bilhões em ativos imobiliários sob gestão, o agro, como se vê, não representa nem 10% do total, mas, se depender dos sócios do banco, não vai demorar para ganhar tração. “Em cinco ou sete anos ter R$ 10 bilhões sob gestão no agro não é uma maluquice”, diz Wurman.
O BTAL11 promete entregar um rendimento médio líquido entre 8% e 8,5% ao ano para o cotista. Já o BTRA11, entre 9% e 9,5% ao ano. Os fundos tiveram 9,5 mil e 13 mil investidores, respectivamente. “Investidor de varejo e do private”, diz Wurman. “O tema ‘o agro é pop’ é pop mesmo. É uma coisa que o brasileiro gosta.” O fundo de terras previa captar R$ 650 milhões, mas a proposta de tributar os dividendos inicialmente incluída no projeto de reforma tributária afastou muitos investidores.
Os fundos não apostam em uma monocultura e o raio de atuação é espalhado. Os contratos de locação são de 10 anos e, em sua maioria, atípicos – aqueles em que o locatário é obrigado a pagar mesmo se deixar de usar. Em Toledo, no Paraná, por exemplo, o BTG comprou uma sementeira por R$ 42 milhões. Em Iturama, em Minas Gerais, está construindo um terminal de transbordo de açúcar num investimento de R$ 99 milhões.
Na região, há 23 usinas que carecem de uma malha ferroviária para transportar o açúcar até o Porto de Santos. Leonardo Zambolin, sócio do banco e gestor do portfólio agro do BTG Pactual, diz ao NeoFeed que a Coruripe, a grande usina da região, ao lado de outras do local, começou a ver estratégias para resolver essa questão. Mas o valor do projeto era alto. Aí entrou o BTG. O projeto fica adjacente aos trilhos da Rumo, que é a operadora logística desse terminal.
“Estruturamos de um jeito que a Coruripe é a nossa cliente. Só que ela tem um contrato de transporte mínimo de carga com a Rumo. Então, trouxemos as duas para o jogo de forma que, se a Coruripe não quiser mais usar o terminal, a própria Rumo vai nos pagar e tem outras 22 usinas que vão usar esse ativo para escoar o açúcar delas”, diz Zambolin.
Com isso, explica o executivo, as usinas da região rodam 500 km a menos de caminhão para transportar o açúcar, evitam o desperdício na logística e contam com uma empresa gigante fazendo a conexão com o Porto. “É um ativo que vai valer muito mais do que o custo que estamos pagando”, diz ele.
Ainda há silos e armazéns como um em Nova Ubiratã, em Mato Grosso, alugado para FS Bioenergia, maior produtora de etanol de milho do Brasil. “É o maior galpão de armazenagem de grãos da América Latina. Ele tem capacidade de 260 mil toneladas”, diz Zambolin. Neste projeto, foram investidos R$ 75 milhões e o contrato é de 10 anos.
O fundo também faz operações de dívida. No caso de uma fazenda de 4 mil hectares de cana em Muquém, na Bahia, por exemplo, o BTG financiou a construção de uma usina por R$ 60 milhões. “Não queríamos ter uma usina, era melhor financiar para poder sair em caso de cenário de estresse”, diz Zambolin. E paga IPCA mais 9,3%.
Para mapear todas essas aquisições e a área geográfica dos negócios, o BTG contou com a ajuda da consultoria Funchal Investimentos, com profissionais que ajudaram a estruturar o fundo da gestora Quasar. Além disso, Wurman e Zambolin também são alimentados por informações de outras unidades do banco como a empresa de trading, das mesas agrícola e de energia, do BTG digital e do private.
Os fundos são evergreen, aqueles sem prazo para acabar, e isso permite fazer contratos longos de até 15 anos. No caso do BTRA11, focado em terras agrícolas, há dois modos de atuação. Em um deles, se um grande produtor quer comprar 3 mil hectares e não tem capital ou acesso a uma boa linha de crédito de longo prazo, o banco compra a terra, ele opera e paga o aluguel.
No outro modo de atuação, o dono da fazenda vende a terra por menos do que ela vale, ele paga aluguel e recompra em 10 anos. O foco são terras no Centro-Oeste. “Estamos avaliando propriedades em cidades como Campo Novo do Parecis, Rondonópolis, Porto Alegre do Norte”, diz Zambolim. São fazendas que produzem, em sua maioria, soja, milho e algodão.
O BTG não é o primeiro a entrar nesse mercado. Gestoras como a Quasar e Riza Asset lançaram FIIs agrícolas. O Quasar Agro (QAGR11) captou R$ 500 milhões, em novembro de 2019, mas enfrentou dificuldades para fazer a alocação dos recursos e, em fevereiro deste ano, teve de devolver R$ 191,5 milhões aos cotistas, reduzindo o patrimônio do fundo em 40%. Em setembro do ano passado, o Riza Terrax (RZTR11) captou R$ 500 milhões para comprar terras agrícolas.
Apesar de começarem a surgir no mercado, os FIIs voltados para o agronegócio ainda são incipientes. Hoje, 353 FIIs, em sua maioria de shoppings, galpões logísticos e lajes corporativas, estão listados na B3 e, no total, são avaliados em R$ 120 bilhões. E o setor de FIIs vem crescendo na preferência dos investidores. “Em 2019, eram 300 mil e hoje são 1,4 milhão deles investindo no produto”, diz Rafaela Vitória, economista chefe e head de research do Inter.
A chegada de um banco como o BTG Pactual, conhecido por formar mercado, no segmento de FIIs de agro pode impulsionar o setor, mas não é garantia de que será alavancado. Trata-se de um mercado mais difícil de ser operado, a manutenção das propriedades exige mais cuidados, a relação de dependência dos locatários é maior e a negociação mais difícil.
Por outro lado, o agronegócio é um dos mais resilientes da economia brasileira. No ano passado, o setor cresceu 24,31% em relação a 2019, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). No total, o agro respondeu por uma fatia de 26,6% do PIB brasileiro.
Esses indicadores foram um dos gatilhos para a entrada do banco. “Se eu estou comprando galpão logístico na cidade, por que não comprar galpões refrigerados? Por que não comprar sementeiras que garantem a produção? Por que não comprar silos? É a mesma dinâmica”, diz Wurman. “O negócio quicava na nossa frente e o setor estava na nossa frente gritando PIB.”