O empresário francês Alexandre Allard, em seu monumental empreendimento Cidade Matarazzo, em São Paulo, o “maior projeto de restauração da América Latina”, no qual investiu R$ 2,7 bilhões, se imbuiu de várias missões. Uma delas é despertar a elite brasileira para o valor do patrimônio artístico, histórico e natural do país.
“As elites do Brasil têm o controle do país há centenas de anos e isso não vai mudar, a obsessão deles de preservar este poder. Como fazer que eles entendam que o melhor não está fora, mas dentro deste país?”, disse ele dentro da penthouse ainda em construção, na torre projetada por Jean Nouvel, vencedor do Priztker (o equivalente ao Nobel da arquitetura) em 2008.
Unir num mesmo projeto Nouvel, um dos maiores arquitetos do mundo, e Philippe Starck, um dos mais influentes designers contemporâneos, já foi um feito inédito e memorável do empreendedor Allard. Ao fazê-lo no Cidade Matarazzo, recuperando uma área abandonada há mais de 20 anos e “que ninguém queria”, sua intenção, contudo, não foi destacar a “supremacia francesa” no saber-fazer. Mas reunir os “gênios” que poderiam despertar a autoestima do país.
“Tudo o que está aqui dentro é brasileiro”, diz Philippe Starck, que fez a curadoria dos 57 artistas, das luminárias e dos mobiliários que decoram o hotel Rosewood, parte do complexo, e que representam, segundo sua concepção, a potência, a “energia” da criatividade brasileira. Artistas para “tocar o coração das elites”, diz Allard.
Ao olhar do estrangeiro, tudo se torna mais lindo, acredita Allard. Mas Starck, diz ele, “é um curador que não precisa provar nada para ninguém.” Portanto, sua escolha é legítima e legitima. Nouvel, por seu lado, buscou respeitar as especificações e a geografia do lugar.
Ele enxergou uma poesia entre o prédio tombado do hospital-maternidade Matarazzo, que foi convertido no hotel Rosewood, a torre Mata Atlântica de apartamentos que concebeu cercada de árvores adultas nas lajes, a topografia dos prédios ao redor e no fundo, as montanhas. “É preciso ter consciência do lugar e fazer uma espécie de reciclagem da matéria.” É um renascimento, disse ele, na maternidade em que nasceram 500 mil paulistanos.
São Starck, Nouvel e os criadores brasileiros que referendam o que Allard chama de “resistência” para seu propósito. Ou seja, mostrar ao público e aos empreendedores que um projeto como o Cidade Matarazzo de preservação e restauração, que envolve o “maior hotel de luxo da América Latina” ambientado com obras de artistas nacionais, que traduz o “senso de lugar”, é um caminho para o país deixar de lado sua histórica posição extrativista e encontrar outro potencial para gerar riqueza.
E que esta motivação de conservação, numa progressão utópica, se estenda para o patrimônio natural, a Mata Atlântica, a Amazônia. “O mundo está só aguardando essa mudança de percepção das elites brasileiras para celebrar este país”, diz Allard.
Durante o processo, desde 2004, Allard ouviu diversas vezes que estava cometendo o maior erro de sua vida. Seria muito mais fácil botar tudo abaixo e lotear a área. Starck conta com que emoção Allard lhe revelou o que ele havia achado no Brasil atrás de um muro na região da avenida Paulista. “Uma bela adormecida”, lembra Starck sobre a expressão usada sobre a área.
“Ele disse que íamos mudar o mundo. Vim para o Brasil e cai numa armadilha”, brinca Starck. É uma imagem de fantasia, magia e da forma como o trio de franceses se dispôs a fazer o “belo despertar” na cidade para seus próprios moradores.
Allard diz que, hoje, recebe dezenas mensagens por dia escritas pelos clientes do hotel Rosewood, bilhetes em guardanapos ou folhas aleatórias, dizendo que só um francês mesmo para construir algo assim. “A melhor forma de fazer um business é ajudar as pessoas a entender que elas são mais poderosas do que elas são. Esse projeto vai reunir todos que acreditam que essa mudança é uma possibilidade.”