Na pandemia, poucas substâncias naturais que potencializam a imunidade se tornaram tão cobiçadas como o própolis. Já em maio de 2020, menos de três meses depois do início do coronavírus no Brasil, a exportação do produto registrou crescimento de 30%.
Tendo o Japão como seu principal comprador, apenas um terço da produção nacional é mantida no país. A demanda se justificaria pela substância, além de antioxidante e anti-infecciosa, poder reduzir o tempo de internação de pacientes com COVID-19, segundo ensaios da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.
Dos 13 tipos nacionais, o extrato verde, com produção de 120 toneladas por ano em Minas Gerais, é o mais comum entre os brasileiros. Mas a própolis vermelha, mais nobre e exclusiva da nossa biodiversidade, tem chamado a atenção dos consumidores internos e despertado interesse internacional. Isso porque a variedade tem oito isoflavonóides, substâncias com ação antiproliferativa e anti-inflamatória, não encontrados nos outros extratos.
Apesar de estar em todo litoral nordestino, a própolis vermelha de Alagoas tem características mais exclusivas pelo ambiente em que é produzida, região de concentração de manguezais. Nela, o PH da água e a forma de manuseio dos apicultores para extração mantêm mais conservados os princípios ativos e o pico dos flavonoides.
Dos oitos flavonóides específicos, dois (Propolona B e propolonona A) estão sendo pesquisados como potencialmente capazes de inibir o crescimento de células de câncer de mama, próstata, cérebro e ovário. Em testes iniciais conduzidos pelo Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, os componentes levaram metade das células cancerígenas à morte, o que pode originar, no futuro, uma nova função para o extrato.
Segundo Roberto Berlinck, professor do IQSC e um dos autores do estudo, há indícios, inclusive, de que a própolis vermelha seja mais rica nessas substâncias do que os outros 12 tipos. Com alto valor econômico, (o quilo oscila entre R$ 800 a R$ 1.000), o ineditismo também tem gerado um nicho de mercado, que é a principal aposta da Ouro Vermelho, única empresa no Brasil com produção exclusiva de própolis vermelha.
Em apenas um ano de vida, e com uma carteira de 200 clientes que inclui pequenos lojistas e grandes redes como a Mundo Verde, a companhia de Alagoas já está em negociação com a rede El Corte Inglês, na expectativa de abastecer toda União Europeia, começando por Portugal.
“Nosso potencial está crescendo. Já havia consumo antes, mas o efeito pandemia aumentou. Sempre que há um pico, uma nova variante, as vendas chegam a subir 200%”, revela Cícero Rocha, sócio e diretor comercial da Ouro Vermelho.
Atendendo a demanda do mercado, a empresa lança neste mês o extrato em cápsulas, e está mirando seus investimentos na produção de uma linha de cosméticos, com sabonete líquido e esfoliante.
Na corrida para alcançar o mercado internacional de própolis vermelha, também está a Beeva, foodtech de saúde e bem-estar que aposta na apicultura da Caatinga, oferecendo diversos produtos com mel, própolis e pólen. Em quase dois anos de operação, com vendas para mais de 500 redes como Pão de Açúcar, Carrefour e Sam's Club, a empresa está avaliada em R$ 50 milhões, com 15% do seu faturamento vindo das vendas do extrato de própolis vermelha.
“Em 2021, realizamos a nossa primeira exportação para a China com o produto mel fracionado das floradas Jitirana, Bamburral e Silvestre, todos do bioma da Caatinga. Neste ano, esperamos iniciar também com a linha de extratos e encapsulados de própolis”, sugere Jatyr Oliveira, CEO da Beeva.
Com apicultores associados em Alagoas e na Bahia, a empresa trabalha com duas concentrações da variedade vermelha, uma na concentração comum de 11% e outra com duas vezes mais, na linha premium.
Hoje, o própolis vermelho é produzido por mais de 100 produtores espalhados em 22 cidades alagoanas e só pode ser comercializado por cinco empresas autorizadas. Foi somente em 2012 que a Uniprópolis (União dos Produtores de Própolis Vermelha do Estado de Alagoas) conquistou o Selo de Indicação Geográfica da Própolis Vermelha de Alagoas (IG-PVA) na modalidade Denominação de Origem (DO), o que reconhece as características exclusivas da variedade de Alagoas.
No litoral do estado, as abelhas africanizadas se alimentam de uma resina de tom avermelhado presente na árvore Dalbergia ecastaphyllum, popularmente conhecida como Rabo-de-bugio. Depois, elas vedam a colmeia com a produção da própolis que é manejada pelos apicultores.
“A abelha africanizada é apenas uma das mais de 20 mil espécies descritas no mundo, sendo mais de 1,9 mil somente no Brasil. Há evidências científicas de que algumas populações de abelhas e outros polinizadores estão em declínio, mas este caso não se aplica à abelha africanizada", explica Katia Aleixo, bióloga da Associação Brasileira de Estudos das Abelhas em resposta ao impacto ambiental que a extração de própolis poderia causar.
"Dados da literatura científica mostraram que, entre 1961 e 2018, o número de colônias manejadas pelo homem aumentou em 85% no mundo. Temos como base uma alta disponibilidade de colmeias africanizadas para práticas de apicultura”, diz ela.