O Brasil dá um passo e tanto para ampliar a internacionalização da economia, melhorar o ambiente de negócios e conquistar novas fontes de financiamento. Essa combinação, vital para investimentos em infraestrutura que favorecem um novo ciclo de crescimento sustentável quando a inflação der trégua, será viabilizada pelo ingresso do país à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O pedido de adesão ao “clube dos ricos”, como é conhecida a entidade, foi feito em 2017 e deve ocorrer em mais dois ou três anos. É fato que há um tempão pela frente, mas isso não inibe a comemoração do governo e de profissionais de project finance de grandes bancos que veem na futura adesão um passaporte para atrair mais recursos de longo prazo e a custos menores.

Na sexta-feira, 10 de junho, o governo recebeu o “roteiro de acesso”, documento que reúne as etapas a serem cumpridas para que o país ingresse efetivamente na organização. A aprovação foi informada em nota conjunta pelos ministérios das Relações Exteriores, Economia e Casa Civil.

O presidente Jair Bolsonaro não ficou de fora. Nas redes sociais, ele comemorou a aprovação do roadmap e acrescentou que o ingresso na entidade representa “o Brasil deixando para trás as alianças com ditaduras socialistas e consolidando parcerias benéficas”.

Retórica política à parte, a decisão da OCDE é relevante e continuará em pauta nos próximos dias. Na semana que vem, em Brasília, Bolsonaro encontra-se com o secretário-geral da entidade, Mathias Cormann, e formalizarão o início do processo que levará em conta, em termos gerais, a política anti-inflação adotada no país, controle fiscal, medidas econômicas pró-mercado e a política de preservação ambiental.

Para se ter uma ideia da complexidade do processo a que o Brasil se submete, um país membro da organização tem a cumprir uma lista de 253 requisitos. Alguns são específicos para determinadas nações. O Brasil, com suas características, deverá preencher 226 e já aderiu a 106.

Nesse contexto, a visita de Cormann é emblemática, inclusive, porque se encaixa num megaevento, a “Semana Brasil-OCDE”, que ocorrerá entre os dias 20 e 24 de junho. Com abertura de Bolsonaro, a conferência, com múltiplos e dezenas de debatedores, reunirá funcionários da entidade, representantes do governo brasileiro, inclusive ministros, e representantes da Academia.

A extensa programação tratará de crescimento, produtividade, governança corporativa, governança pública, regulação, educação, saúde e comércio e agricultura. Alguns painéis serão públicos, outros fechados e, em alguns deles, a troca de impressões e informações se estenderá à América Latina e Caribe.

A agenda preliminar é tão densa que pode ser vista como um rolo compressor sobre eventuais tentativas de reprise de manifestações de ONGs contra a entrada do Brasil na OCDE, que ocorreram em abril e colocaram o país sob holofotes internacionais.

Há dois meses, a Anistia Internacional Brasil, Human Rights Watch, Transparência Internacional-Brasil e WWF-Brasil enviaram uma carta à OCDE com alertas sobre ações do governo Bolsonaro que, segundo essas entidades, comprometem o fortalecimento da democracia, o combate à corrupção, a transparência, os direitos humanos e o meio ambiente.

As entidades tentaram passar a mensagem de que uma possível adesão do país poderia indicar que a OCDE – com seus 38 países membros – não está atenta aos retrocessos que ocorrem no Brasil.

As manifestações não frearam o processo em curso, inclusive, porque em defesa do seu empenho para levar o Brasil ao “clube dos ricos”, o governo tem a apresentar um inventário robusto de projetos que demandam financiamentos expressivos por muitos anos.

Inventário que para o Brasil simboliza progresso e, para o capital internacional, alternativas de investimentos em um momento de profunda incerteza quanto ao desempenho das maiores economias do mundo a curto e a médio prazo.

A carteira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) enfileira projetos que somam, neste ano, R$ 78 bilhões, cifra equivalente a 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Até 2025, o portfólio engloba R$ 360 bilhões e, considerando as contratações já firmadas entre 2019 e 2022, os investimentos chegam a R$ 1,3 trilhão a serem realizados ao longo de 30 anos, informa a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia.

A carteira do Programa de Parcerias de Investimentos enfileira projetos que somam, neste ano, R$ 78 bilhões, cifra equivalente a 1% do PIB

Esses projetos de infraestrutura são financiados no Brasil por múltiplos atores – construtoras, bancos de investimentos, bancos de fomento, mercado de capitais e instituições multilaterais, além do Banco do Brasil e do BNDES – mas precisa ser encorpado.

Apenas em 2021, o BNDES bancou 167 projetos com investimentos equivalentes a R$ 383 bilhões. Bancos privados têm levantado dezenas de bilhões de reais. O Banco do Brasil é líder na prestação de garantias. Porém, dada a magnitude das operações, o Brasil demanda mais financiamento a médio e longo prazo.

As debêntures incentivadas – criadas em 2011 e lançadas em 2012, com isenção tributária para o investidor pessoa física – revolucionaram o financiamento de projetos de infraestrutura no país. Em uma década, levantaram R$ 182,2 bilhões, segundo a 101ª edição do Boletim de Debêntures Incentivadas elaborado pelo Ministério da Economia. A cifra é relevante, sobretudo para os setores de Energia e Transporte/Logística, mas está aquém do necessário para contemplar segmentos como Saneamento, Mobilidade Urbana e Telecomunicações.

Especialistas em project finance de bancos nacionais e estrangeiros, dedicados à estruturação de concessões e financiamento dos investimentos, afirmam que o ingresso na OCDE é de extrema relevância porque, na condição de país membro, o Brasil receberá abundante oferta de capital de longo prazo. Mais que isso, o Brasil terá acesso ao mercado internacional de capital que é o mais relevante para financiar infraestrutura.

Além de ser 10 vezes maior que o mercado bancário, o mercado internacional de capitais é referenciado em dólar – condição que poderá suprir uma ausência na estruturação de contratos de concessões que, no Brasil, são firmados basicamente em moeda local, em reais. Uma das fontes bancárias consultadas pelo NeoFeed informa que atualmente os contratos de operações relevantes acabam sofrendo ajustes ou adendos como proteção em moeda estrangeira.

Outro benefício apontado para a entrada do Brasil na OCDE é que a entidade se tornará uma espécie de avalista do país junto ao credor externo – papel que as agências de rating exerceram à exaustão até a crise financeira global de 2008/2009. A crise das hipotecas nos EUA, que levou o sistema bancário à bancarrota e a uma inesperada consolidação, não foi prevista por essas agências que tiveram sua credibilidade arranhada. E, hoje, é a OCDE a candidata preferencial a guardiã de credores globais.