“Novembre” relembra os atentados terroristas de 13 de novembro de 2015 em Paris às vésperas do veredicto do julgamento dos réus, esperado para o dia 29. Não se trata, no entanto, de reviver nas telas de cinema o horror perpetrado pelo Estado Islâmico, que deixou 130 civis mortos e mais de 400 feridos.
O foco da obra cai nos primeiros cinco dias da investigação policial para rastrear a célula terrorista responsável pelos ataques sincronizados, com armas e bombas. A câmera segue de perto o trabalho da Subdiretoria Antiterrorista da polícia francesa, conhecida como (SDAT).
Exibido fora de competição na encerrada 75ª edição do Festival de Cannes, “Novembre” ganha mais relevância com a proximidade da sentença judicial contra os 20 réus do julgamento. O Ministério Público da França pede a prisão perpétua para os principais acusados – entre eles, Salah Abdeslam.
“Como o processo na Justiça já dura quase cinco anos, o que vemos no filme não chega a 1% da investigação. Mas foi o começo”, conta o diretor do filme, o francês Cédric Jimenez, em Cannes. “Buscar a casa do inimigo sem saber onde ele estava e sem conhecer a sua identidade ou o seu rosto foi quase uma missão impossível”, completa ele, em encontro com a imprensa, do qual o NeoFeed participou.
Ainda sem estreia definida no Brasil, “Novembre” resgata o trabalho do serviço de inteligência francês até eles encontrarem os primeiros suspeitos, como Abdelhamid Aboud. Morto em batida policial, o rapaz de 28 anos era considerado o cérebro por trás dos ataques, que envolveram explosões e fuzilamentos em restaurantes, a casa de espetáculos Bataclan e um estádio de futebol (Stade de France).
“Iniciei o projeto em 2017, com a ambição de retornar ao acontecimento trágico, mas sem evocar o trauma”, diz o roteirista francês Olivier Demangel. “Queria revisitar a onda de choque e entender como os serviços públicos se mobilizam nessas horas para que a sociedade consiga aguentar o baque.”
O expectador acompanha o uso de tecnologias de vigilância cibernética, o trabalho de perícia criminal, a interrogatório de testemunhas, a frustração pelas pistas falsas e o atrito entre o serviço de inteligência e a polícia, entre outros aspectos. Informações coletadas após o ataque à redação do Charlie Hebdo, dez meses antes, também ajudaram na investigação.
O roteiro nasceu a partir de pesquisas junto à SDAT, para revelar o funcionamento da unidade antiterrorista. Mas por se tratar de um serviço secreto, por envolver segurança nacional, alguns detalhes tiveram de ser modificados, para não quebrar o sigilo da investigação.
“As identidades dos agentes da SDAT são falsas, até porque eles costumam ser ameaçados. Mudamos o suficiente para que eles não pudessem ser reconhecidos”, afirma Jimenez. Mas o protocolo de ação na unidade é o mais realista possível. “Isso inclui o método de trabalho, o aspecto coletivo e organizado das operações e a pressão por uma eficácia total”, acrescenta o diretor.
Jimenez retrata seus personagens em uma espécie de “túnel”. “Foi assim que eles viveram nesses cinco primeiros dias. Não fizeram ou pensaram em outra coisa, concentrando-se no caso e deixando as emoções de lado. Também não puderam dormir, já que havia a possibilidade constante de novos ataques”, comenta o cineasta.
Para fazer justiça ao confinamento dos agentes, nada de suas vidas particulares é mostrado no filme. Nem mesmo do protagonista vivido por Jean Dujardin, premiado com o Oscar de melhor ator por “O Artista” (2011), pela performance como o astro de filme mudo que resiste à chegada do cinema falado.
“O objetivo foi retratar toda a capacidade de trabalho dos agentes, com a sua dignidade, a sua urgência e o seu rigor. Não se tratava de fazer deles heróis e muito menos de estudar a sua psicologia. Não tínhamos tempo para isso”, conta o francês Jean Dujardin, lembrando que agentes da SDAT acompanharam a filmagem, para garantir mais autenticidade.
O que “Novembre” reforça é a ideia de que os atentados de 2015 representaram um marco trágico no país. “Há uma França antes dos ataques e uma depois desse trauma de violência sem precedentes. Como não tínhamos vivido nada parecido, isso deixou traços. Ninguém saiu ileso’’, diz Jimenez. E, mesmo com o veredicto do julgamento dos acusados a caminho, não há o que comemorar, na visão do cineasta. “Diante de um evento traumático desse porte, não há ganhadores. Todo mundo perde.”