Quem conhece o publicitário Nizan Guanaes sabe que ele é irrequieto. Em 2015, vendeu o grupo brasileiro de publicidade ABC por estimados R$ 1 bilhão para a americana Omnicom. Em 2020, deixou o grupo que criou para se dedicar à N Ideias, uma consultoria que ele gosta de se referir como “uma grande pequeníssima empresa”.
Atualmente, à frente da N Ideias, ele atende gigantes como Itaú, JHSF, Marfrig, Suzano, Anima e Magazine Luiza. Mas Guanaes, agora, está colocando o seu pé – na verdade, suas ideias – em outro universo. É o mundo das startups, área que começou a investir não faz muito tempo, mas já montou um pequeno grandíssimo portfólio.
A sua atual carteira conta com a Moss, de crédito de carbono; a Mottu, que aluga motos para motoristas de aplicativos; a Trybe, uma escola de programação; a Mimo, uma plataforma de live commerce; e a Entourage Phytolab, que faz pesquisa com cannabis medicinal. O mais novo investimento de Guanaes é na Aegro, uma agtech que acaba de captar R$ 12 milhões em uma rodada séria A para desenvolver serviços financeiros. Os detalhes do negócio foram revelados com exclusividade ao NeoFeed.
Além de Guanaes, o aporte conta com a participação de ABSeed e SP Ventures. Entraram ainda na rodada a SLC Ventures, braço de corporate venture da SLC Agrícola, a ADM Venture Capital, do grupo Rendimento, e o family office de Luis Felipe Carchedi.
“Quero estar em lugares que veem valor no meu dinheiro. É um smart money. Meu coração é grande, mas meu bolso não é fundo”, diz Guanaes, ao NeoFeed. “Só invisto em empresas que entendo e onde posso agregar.”
Como publicitário, Guanaes atendeu a Confederação Nacional de Agricultura e diz que adora esse setor. “O agro brasileiro é uma potência global, mas se dedica muito pouco a comunicação e a vender. É um ídolo com pé de barro”, diz Guanaes. “Isso não é um problema. É uma oportunidade.”
Em seus movimentos pelo mundo tech, Guanaes diz que só entra em empresas em estágio inicial e que considera simples – não é o caso de seu investimento no dr.consulta, empresa em estágio mais avançado e que não conta com sua atuação. “Eu me dedico muito. Se vou botar o meu dinheiro, tem de ter a minha opinião.”
Que o diga Pedro Dusso, o fundador e CEO da Aegro, que está trabalhando lado a lado de Guanaes para construir uma tese de comunicação mais clara sobre o produto e os serviços que a empresa pretende prestar a partir de agora. “É impressionante a energia dele, temos falado com muita frequência”, afirma Dusso.
Fundada em 2014, em Porto Alegre, por Dusso, Paulo Vitor Silvestrin, Thomas da Silva Rodrigues e Francisco Gerdau de Borja, a Aegro desenvolveu um software de gestão para fazendas no modelo de software as a service (Saas). A plataforma é uma espécie de ‘Excel do campo’, que cuida de toda a parte financeira tradicional, mas também faz a gestão operacional do plantio e da colheita. Neste tempo todo, conquistou 3,5 mil fazendas com mais de 2 milhões de hectares.
Agora, com o aporte, a Aegro vai dar um novo salto e pretende entrar na área financeira, criando um braço de fintech. “Temos uma visão rica da vida financeira do produtor e da sua produção”, diz Dusso. “Por isso, pretendemos dar crédito sem garantia.” Esse primeiro passo será via parceiros, ganhando comissão em cima da originação de crédito.
Mas nada impede de a Aegro estruturar os seus próprios serviços financeiros no futuro, como FIDCs (Fundo de investimento em direitos creditórios). Até a safra 2023/2024, a meta é originar R$ 1,5 bilhão em empréstimos de um mercado endereçável de R$ 50 bilhões, levando em conta só o que emprestam os bancos privados.
“Uma vez, um produtor me contou: ‘sabe quando todas essas startups vão dar certo? Quando mexerem com o dinheiro do produtor’”, diz José Tomé, CEO do AgTech Garage, hub de inovação especializado no agronegócio, localizado em Piracicaba, no interior de São Paulo. “Sem dúvida, isso é uma tendência forte e até natural pelo fato de coletar e processar muitas informações que possam mitigar riscos e ofertar serviços financeiros customizados.”
A rodada da Aegro, que foi toda estruturada pelo ABSeed, de Geraldo Melzer, foi pensada para trazer uma base de acionistas que acelere a entrada da agtech no mundo dos serviços financeiros. “O segundo ato da Aegro é ‘fintechzar’ o negócio. Essa é toda a tese dessa rodada”, diz Melzer.
Um exemplo é a ADM Venture Capital, braço de participações e incentivo à inovação do grupo Rendimento, composto pelo Banco Rendimento, Cotação e Agillitas. Outro é a família Carchedi, que conta também com experiência em serviços financeiros, através de crédito imobiliário.
Por outro lado, a Aegro não vai deixar de investir no seu ganha-pão: o sistema de gestão para fazendas. “Ser fintech é um meio, não um fim”, afirma Dusso. “O fim segue sendo a plataforma.”
A Aegro quer aumentar a sua base de clientes, que, por sua vez, vai alimentar a área financeira com mais dados. A meta é, até 2023, atender com o sistema online aproximadamente 8 milhões de hectares – a assinatura mensal da plataforma é baseada no tamanho da fazenda e não no número de usuários ou de transações.
Nessa área, a SLC Ventures traz todo o expertise de gestão de grandes propriedades e deve ajudar na melhoria do sistema de gestão da Aegro. “Vamos reforçar toda a parte financeira tradicional”, diz Dusso.
Mas, para atingir um número maior de fazendas, a Aegro vai ter de mudar a estratégia para conquistar clientes que a trouxe até aqui. Quando a plataforma online ficou pronta, Dusso pegou o seu velho Ford Focus e rodou por quase todo o Rio Grande do Sul e Santa Catarina apresentando o produto para os fazendeiros.
Dessas viagens, em que sujou literalmente a bota na lama, Dusso conseguiu poucos clientes. Foi quando que, sem dinheiro, fez um blog com conteúdo que interessava ao seu público-alvo para gerar “leads” e, assim, só visitar quem manifestasse interesse.
De forma surpreendente, fazendeiros de todo os cantos do Brasil começaram a pedir uma visita de Dusso. “Eram produtores muito longe daqui, do Norte do Paraná, de Tocantins, de Sul de Minas Gerais”, relembra Dusso. “Era impossível ir até lá. Então, começamos a demonstrar o produto via Sykpe.”
Deu certo. E Dusso quebrou o mito de que era impossível vender para fazendeiros sem sujar a bota de barro. Desde então, a Aegro apresentou sua plataforma dessa forma para mais de 20 mil produtores.
Mas essa estratégia tem um limite. E agora, para atingir um público maior, um dos objetivos da Aegro é fazer um ataque mais direto de forma offline. “Nos próximos 18 meses, vamos sair da internet e ir para mundo real”, diz Dusso. “Vamos mostrar para mais produtores e agricultores como é simples a nossa solução.”
Nizan pode ser fundamental nessa estratégia da Aegro. Afinal, o que ele melhor sabe fazer – e tem ajudado todas as startups de seu portfólio – é se comunicar.