O anúncio da privatização da Sabesp, empresa estadual de saneamento de São Paulo, era esperado pelo mercado como a "joia da coroa" da abertura do setor desde a aprovação do Marco Legal do Saneamento, em 2020.
Nesta terça-feira, 1º de agosto, dia seguinte ao anúncio do governo de São Paulo sobre as diretrizes de privatização, porém, as ações da empresa tiveram forte queda na Bolsa de Valores, acima de 5%. Mas fecharam cotadas com baixa de quase 4%.
Agentes do mercado financeiro e analistas do setor passaram o dia tentando explicar essa aparente contradição: por que essa reação tão negativa de investidores ao anúncio tão aguardado da privatização da maior empresa estadual de saneamento do país?
Dois fatores – o “risco Eletrobras” e dúvidas sobre o modelo regulatório a ser definido no processo foram os mais citados por especialistas ouvidos pelo NeoFeed.
A ironia é que o modelo de privatização anunciado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, foi elogiado após o anúncio pelas boas intenções.
Empresa de economia mista controlada pelo governo paulista, que detém 50,3% das ações, a Sabesp abriu seu capital em 2002.
Por isso, o modelo sugerido por Freitas foi de uma oferta secundária de ações na Bolsa (follow on). O objetivo é reduzir a participação do Estado, sem no entanto se desfazer de todas as ações – Freitas disse que o melhor formato é a possibilidade de a Sabesp ter um acionista de referência, que teria um controle indireto da companhia.
Com essa injeção de capital, o governador afirma que a Sabesp vai dar um salto de qualidade e de investimentos nos serviços prestados para 28,4 milhões de pessoas abastecidas com água e 25,2 milhões de pessoas com coleta de esgotos.
A previsão é de um acréscimo de pelo menos R$ 10 bilhões em investimentos, para R$ 66 bilhões. Com isso, o governo espera antecipar em quatro anos a universalização do acesso a esgoto e saneamento, atingindo a meta em 2029 e não mais em 2033, como estava previsto.
Outro ganho seria ampliar os gastos em municípios pequenos, pois 80% do orçamento da empresa está concentrado em apenas 11 municípios do Estado.
“Com esse investimento, vamos conseguir atender todos os municípios, independente da base de clientes e rentabilidade”, afirmou Freitas.
Processo longo
Se em tese o modelo é vantajoso para todas as partes, o próprio governo paulista começou a levantar dúvidas ao não dar maiores detalhes do processo. Tarcísio de Freitas, por exemplo, não disse qual será a redução da participação do governo paulista no atual lote de 50,3% das ações.
O processo também será longo, com várias etapas. O governo precisa estruturar a modelagem, considerando aspectos regulatórios, contábeis e jurídicos – incluindo diálogo com os municípios –para formatar o projeto de lei que será enviado para a Assembleia Legislativa de São Paulo. A ideia seria concluir o processo até meados de 2024.
O secretário de Parcerias e Investimentos do Estado de São Paulo, Rafael Benini, também contribuiu para suscitar incerteza na Bolsa ao afirmar que o governo paulista quer evitar o chamado “risco Eletrobras” na privatização da Sabesp.
“A gente quer que o Estado tenha uma participação na Sabesp, após a privatização, parecida com a trava de participação dos acionistas, para não acontecer a mesma coisa que aconteceu com a Eletrobras, o risco Eletrobras”, disse.
O modelo de privatização da Eletrobras (com regras mais rígidas e maior pulverização de capital) era uma das opções estudadas pelo governo paulista, mas foi descartada, juntamente com a venda total da companhia. Mesmo assim, as declarações de Benini foram vistas como algo a ameaçar o processo.
“As declarações do secretário de Parcerias e Investimentos sobre o desejo de pulverizar, mas ainda querer ter acionistas que consigam influir na administração da empresa, pode ser um motivo para a queda dos papéis”, avalia o economista Rafael Winalda, analista de Utilities do Banco Inter.
Maíra Maldonado, analista de Energia e Saneamento da XP, chama a atenção para outros fatores de insegurança dos investidores. Um deles é a expectativa para a nova estrutura de governança da Sabesp.
“O modelo regulatório é outra questão crítica, visando reduzir tarifas e garantir que os municípios recebam por seus direitos de concessão”, diz a especialista da XP.
Já o economista Carlos Honorato, professor da FIA Business School, prevê uma disputa política em torno da privatização da estatal paulista.
“Pode haver guerra de liminares entre governo e sindicatos na Justiça, a Sabesp é uma empresa que atua numa área pública estratégica e num mercado complexo e cheio de riscos, por isso essas incertezas no início do processo”, diz Honorato, que diz ver um paralelo com o início do processo de privatização da Embraer.
Segundo ele, a médio prazo, com esses percalços ultrapassados, a privatização pode ser interessante para os investidores.
Para Jerson Kelman, ex-presidente da Sabesp e um especialista no setor de saneamento, privatizar uma empresa estadual eficiente como a Sabesp é viável – a empresa é responsável por cerca de 30% do investimento em saneamento básico feito no Brasil.
“É diferente da situação, por exemplo, da Cedae, do Rio de Janeiro”, diz Kelman. “Nesse caso foi feita a licitação da concessão e não da venda de ações da concessionária.”