O chef francês Claude Troisgros não tira o sorriso do rosto. E motivos não faltam. Filho do icônico Pierre Troisgros, um dos criadores da Nouvelle Cuisine, Claude se tornou uma referência na gastronomia do Brasil.
Além de ajudar a desenhar a moderna cozinha brasileira nos anos 1980, o francês conquistou uma imensa popularidade através da televisão. No ar desde 2005, com programas no canal pago GNT, Claude agora celebra a fama com o reality show Mestre do Sabor, da rede Globo.
“Foi um sucesso de audiência”, diz o chef, que ainda reforça o alcance da sua imagem em merchandisings de grandes marcas. Fora da tela, os negócios de Troisgros seguem em franca expansão.
O grupo Troisgros Brasil, que reúne as marcas cariocas Le Blond, Chez Claude, CT Brasserie, CT Boucherie e Atelier Troisgros, deu um importante passo, em São Paulo, com a abertura do Chez Claude SP, no bairro do Itaim Bibi, em setembro do ano passado.
O sucesso na capital paulista deu um gás para o crescimento do grupo: já está programada a inauguração do CT Boucherie – especializado em carnes – até o fim do ano, e de outro empreendimento, ainda em obras e conceito a ser definido, interligados ao Chez Claude SP.
“A ideia é deixar as três casas conectadas, e o cliente escolhe em qual quer ficar”, relata Troisgros, que tem como sócios nos negócios paulistanos o restaurateur Marcelo Magalhães, do grupo Nino, e o filho e chef Thomas Troisgros.
É claro que Claude não deixou o Rio de Janeiro de lado, cidade que é o coração e alma do chef francês. Ao contrário: novos modelos de negócio estão na mira. Primeiro, o Bar do Claude, com foco na coquetelaria e petiscos que privilegiam pequenos produtores, inaugura na semana que vem, também interligado ao Chez Claude carioca, no bairro do Leblon.
Em anexo, Claude promete abrir A Mesa do Lado, um conceito totalmente inédito, para o fim deste ano. Será uma “cozinha-estúdio” ultramoderna para gravações durante o dia, usada tanto por Claude quanto para locação. À noite, virará um restaurante com dez lugares, para uma experiência de alta gastronomia com interação multimídia.
“Farei algo exclusivo, com um menu de alto nível, com pagamento antecipado. O cliente vai ver projeção de vídeo nas paredes, com muita luz. Quero levar músicos e convidar outros chefs. Vamos montar um espetáculo. A gente vai tirar o celular de todo mundo! (risos)”, revela Claude, com brilho nos olhos.
O chef contou essa e outras novidades com exclusividade ao NeoFeed. Na entrevista que segue, ele conversa sobre seus desafios durante a pandemia, o papel dos chefs como celebridades e suas paixões brasileiras. Acompanhe:
Você se surpreendeu com a repercussão de seu trabalho televisivo ou isso sempre esteve na sua mira?
A gente sempre se surpreende com a repercussão de um trabalho, mas eu já estou na TV há mais de 17 anos. Comecei no GNT, onde estou até hoje com programa Que Marravilha. Veio então a oportunidade de entrar na Globo e já estamos na terceira temporada do Mestre do Sabor, com um reality show mais forte e competitivo, onde valorizamos os produtos e os cozinheiros do Brasil. A repercussão está muito grande e gera um orgulho para todos nós: eu, minha equipe, o Batista e os mentores (os cozinheiros Leo Paixão, Rafa Costa e Silva e Katia Barbosa). É um trabalho muito bem-feito, de valorização do país.
Como você vê o papel dos chefs de cozinha como celebridades?
Temos um papel muito importante. A TV trouxe para o público um gosto pela cozinha, de ir ao restaurante, de valorizar a técnica culinária e a qualidade do produto. A cozinha é a parte mais importante de uma casa. As pessoas se encontram, os amigos se divertem, comem, contam histórias, contam a vida. Agora eu não gosto da palavra celebridade. Nós somos cozinheiros que entraram na televisão e alguns fizeram sucesso, mas, principalmente, a gente passa um recado de comer melhor em casa, de valorizar o produto, o pequeno produtor, de se divertir, reunir a família e os amigos e deixar a criatividade e a felicidade rolarem.
A pandemia tem causado um baque enorme no setor de bares e restaurantes. Quais foram suas ações para minimizar o impacto até o momento?
A pandemia veio para realmente para machucar. Obviamente, um ano e meio atrás, com as restrições e o fechamento, tivemos de tomar decisões radicais. Do meu lado, eu tive reação imediata de entrar no delivery, colocar funcionários de férias, pagar compromissos, vender bens pessoais para superar esse momento. Hoje estou endividado, mas pelo menos trabalhando e feliz por ter honrado meus compromissos.
“A TV trouxe para o público um gosto pela cozinha, de ir ao restaurante, de valorizar a técnica culinária e a qualidade do produto”
Quanto o delivery/take away representa nas suas operações?
O delivery e take away representa 20% do faturamento nas operações. Voltou um pouco ao patamar que era antes da pandemia. Obviamente, durante o fechamento dos restaurantes, ele representava 100% do faturamento, já que não tinha o salão.
E quais foram suas preocupações ao estabelecer os serviços de entrega de seus restaurantes?
Minhas preocupações foram com a rapidez em colocar o serviço, escolher os pratos certos, pois há alguns que não viajam bem, e todo o sistema de embalagem. Criamos também o conceito que é o Do Batista, com comida farta e caseira, como feijoada e picadinho.
Qual é a sua participação no Do Batista, restaurante que leva o nome do seu fiel escudeiro?
Somos sócios, com 50% cada, do restaurante inaugurado no Norte Shopping (no Rio de Janeiro). Pensamos em algo fora do fast-food. É uma loja em que tudo é finalizado na wok na frente do cliente, e é uma atração. Queremos ter um máster franqueado e sermos os mentores do cardápio. Também temos o Delivery Do Batista, que atende boa parte da Zona Sul e Zona Norte e Barra da Tijuca.
Já o Olympe, restaurante de alta gastronomia no Rio que marcou sua carreira, teve as portas fechadas durante a pandemia. Por que veio essa decisão?
Olympe fechou por obrigação e eu e o Thomas (Troisgros) decidimos não reabrir. Eu já tinha passado o bastão para ele há quase 5 anos. Ele estava tocando bem, ganhando prêmio do 50 Best, do Guia Michelin. Quando fechou, eu falei para aproveitar e fazer uma reforma. E ele: ‘ah, pai, estou num outro momento, não quero continuar com o Olympe’. A decisão foi tomada e vamos seguir. Estou forte, mas claro que dói um pouco, foram 40 anos de casa aberta, mas é a vida, vamos para frente.
“Estou forte, mas claro que dói um pouco, foram 40 anos de casa aberta, mas é a vida, vamos para frente” (sobre o fechamento do Olympe)
O Chez Claude São Paulo foi aberto em um momento mais brando da pandemia e as reservas logo ficaram lotadas. Você se surpreendeu com essa resposta do público?
Como ficamos fechados durante oito meses, abrimos em setembro com reservas lotadas, já que estávamos fazendo propaganda há tempos, deixando os clientes com água na boca. Como continua lotado, então eu acredito que somos um bom produto, de sucesso.
E tem diferença entre as versões carioca e paulista do Chez Claude?
Se tem diferença, é no jeito de ser. O conceito é o mesmo. Essa comida que faz bem à alma, de panela, de cozinha aberta, de um lado teatral, diria um show à frente do cliente. A diferença é o jeito de ser da cidade, dos próprios que moram. Rio é uma cidade de praia, onde o carioca é mais descontraído, menos exigente, um lugar mais bistrô, com quase uma ‘desorganização’ se assim pensar. São Paulo continua um pouco nesse conceito, mas mais com uma coisa mais paulista, um serviço mais adequado, uma mesa mais arrumada, um ambiente um pouco mais sofisticado, eu diria.
Quais foram os principais impactos que a pandemia trouxe nos quesitos criatividade, técnica culinária e escolha de ingredientes para os cardápios de seus restaurantes?
Os impactos da pandemia estão agora. Porque antes estava fechado, então a criatividade era para criar conceitos de vendas e como entregar uma comida bem-feita na casa das pessoas. Hoje com um restaurante aberto, as pessoas estão com desejos de sair, de ver gente, de comer, de beber. A inflação está aqui, mas no caso do Chez Claude, temos jogo de cintura de poder criar pratos como cavaquinha, camarão, e outro com rabada e picadinho. Temos essa faixa no Chez Claude de uma comida para todos, que é bem-feita tecnicamente, tem a criatividade, valorizando o produto brasileiro dentro de uma técnica francesa, com a versatilidade de ir do caviar a rapadura. Então esse é o grande conceito do Chez Claude, democrático.
Nos últimos anos, antes do covid-19, o Brasil vem perdendo posições de destaque em premiações como o World’s 50 Best Restaurants. Por que acredita que isso aconteceu?
Eu não acho que vem perdendo posição. Vem perdendo nas primeiras posições, de um a dez, mas o Brasil está bem presente no 50 Best, no Guia Michelin. E perder posição é normal, tem país que sobe, país que desce. O Brasil teve seu momento bastante forte criativo há seis, dez anos atrás, mas vai voltar. Brasil é um país que tem essa flexibilidade, com chefs jovens competentes que mostram os produtos do Brasil, que só a gente tem. Os chefs estão tecnicamente cada vez melhores.
“O Brasil teve seu momento bastante forte criativo há seis, dez anos atrás, mas vai voltar”
Considera que existe muita competição no setor gastronômico?
Eu vou responder de uma maneira bem clara: competição tem em todos os níveis e setores, não é só na gastronomia. Então competição está aí e é uma competição saudável. Faz a gente criar, se mexer, é muito bom. Agora, no meio gastronômico, somos uma grande família muito unida, não é só na sua cidade, como no mundo todo. Quando você fala que é cozinheiro, você é recebido com todo o carinho de uma grande família que é a gastronomia.
Sua família é um ícone da cozinha francesa e mundial. O que é para você ser um ícone da cozinha brasileira?
Que bom saber que sou um ícone da cozinha brasileira! Se eu sou, é muito bom saber que o trabalho que faço, desde que eu cheguei no Brasil há 41 anos, está sendo reconhecido e valorizado, que mostrou um caminho para o Brasil da valorização do produto. É muito legal e bom. Espero que continue e venham outros ícones.
Qual é seu prato favorito?
Você vai rir, mas é jabá com jerimum! Carne-seca com abóbora! Um prato que eu amo, principalmente com manteiga de garrafa.
“Meu pai dizia uma frase, quando eu já estava consolidado no Brasil: ‘O Claude nasceu no país errado’”
Se você tivesse de voltar à França para morar lá, o que levaria do Brasil?
Feijão preto (risos)! Mas acho difícil voltar a morar na França. Meu pai dizia uma frase, quando eu já estava consolidado no Brasil: ‘O Claude nasceu no país errado’. Isso significa que eu já tenho essa alma brasileira antes de conhecer o Brasil. Se eu for para França, vou continuar com esse jeito engraçado, leve, feliz. É um estilo de vida do carioca, que eu já tinha e que o Rio de Janeiro só me fez entender.
O que falta para o Brasil se mostrar como uma potência no turismo gastronômico (não só para estrangeiros, mas também entre os brasileiros)? Acha que falta incentivo governamental?
Um país como o Brasil deveria viver de turismo. É um país lindo, com gente acolhedora, com beleza que vai do Norte ao Sul. Com a gastronomia inacreditável, com produtos que você não encontra em nenhum lugar do mundo, o que falta é o governo acreditar e incentivar que o Brasil é um país de turismo. Mas estamos lutando para isso há muitos anos, para ter esse apoio governamental, mas é ainda muito tímido, ainda há muito trabalho para ser feito. Uma pena.