Membro da terceira geração da família à frente da Coteminas, Josué Alencar guarda muitas lições de seu avô, o ex-vice-presidente da República José Alencar, que fundou o grupo de produtos têxteis para cama, mesa e banho, dono das marcas MMartan, Artex, Santista e Casa Moyses, em 1967.
Falecido em 2011, o patriarca do clã costumava dizer, por exemplo, que não se vive do negócio, mas sim para o negócio. E levava isso ao pé da letra. Em seu primeiro empreendimento, uma mercearia na pequena cidade mineira de Caratinga, José Alencar dormia em uma cama improvisada atrás do balcão.
Curiosamente, o sono inspira a mais nova aposta da Coteminas, hoje controladora da holding Springs Global, fruto de uma joint venture com a americana Springs Industries e dona de uma receita de R$ 815,4 milhões no primeiro semestre de 2021.
Marca mais recente no portfólio do grupo, a Persono lança seu primeiro produto neste domingo, 17 de outubro, data em que José Alencar faria 90 anos. Trata-se do Persono Sense, travesseiro que monitora o sono, com o uso de conceitos como internet das coisas e inteligência artificial.
“O mercado de sono tem verticais que ampliam muito nosso mercado endereçável”, diz Josué Alencar, diretor de tecnologia e de novos negócios do grupo, ao NeoFeed. “E, nesse espaço, há poucas empresas de mensuração, que vendem produtos caros. Nossa ideia é democratizar o acesso a essas tecnologias.”
Desde junho de 2016, Josué encabeça tanto as iniciativas digitais como a busca por novos campos de atuação da empresa. Aos 30 anos, ele também é visto no mercado como um possível sucessor do pai, Josué Gomes, que é o CEO do grupo e foi eleito, em julho, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
Dados da consultoria americana Global Market Insights mostram que a nova frente que está sendo explorada pela Persono tem boas perspectivas. Globalmente, as tecnologias do sono movimentaram US$ 13 bilhões em 2020. Em 2027, a projeção é de uma receita de US$ 40,6 bilhões.
Para reforçar o interesse e explicar a ambição da companhia nessa área, Josué recorre aos números relativos ao mercado global de bem-estar, estimado em US$ 2 trilhões, distribuídos entre os segmentos de esportes, alimentação e sono.
“Em esportes e alimentação, já existem marcas globais como Nike e Nestlé”, afirma. “Já na área do sono, não existe ninguém desse porte. É um oceano azul com muitas oportunidades.”
Sem dormir no ponto, a empresa começou a desenvolver o projeto da Persono há dois anos, como parte da estratégia de ampliação das categorias de atuação do grupo. Em suas pesquisas, a empresa detectou que 62% dos brasileiros sofrem de distúrbios de sono, ante uma média mundial de 45%.
O Persono Sense tem um sensor embarcado que monitora a quantidade, a regularidade e qualidade do sono. Os dados coletados são enviados para um aplicativo. Com base nessas informações e o uso de algoritmos de inteligência artificial, o app sugere como o usuário pode ter noites bem dormidas.
Toda a tecnologia foi desenvolvida em parceria com a AWS e a Persono testou a solução durante três meses. Como parte desse processo, os atletas brasileiros que participaram da Olimpíada de Tóquio receberam um travesseiro com o dispositivo, em uma parceria com o Comitê Olímpico Brasileiro.
O lançamento será feito com uma coleção limitada e numerada, de mil unidades, que será vendida por R$ 499 nos e-commerces do grupo. Assim que esse estoque se esgotar, o plano é embarcar o dispositivo nas linhas das quatro marcas da empresa, que atendem perfis distintos de consumidores.
Hoje, a companhia produz, distribui e vende mais de 60 tipos de travesseiros. As faixas de preço variam entre R$ 49,90 e R$ 649. Além do Persono, a estratégia é criar um ecossistema na área, o que inclui a oferta de conteúdos e de outros produtos e serviços, inclusive de parceiros.
Os travesseiros serão vendidos nos e-commerces das marcas da holding, na rede própria de mais de 233 lojas físicas e em canais de parceiros. Como parte dessa abordagem, a ideia é aproveitar a presença do grupo nos mercados da Argentina e da América do Norte para escalar a oferta em outras fronteiras.
Nessa jornada, a Coteminas/Springs irá encontrar um mercado dividido entre gigantes como Apple, Google e Samsung, que já investem em wearables e outras soluções, com preços mais elevados, e dispositivos de marcas menores e de sleep techs, como são chamadas as startups do setor.
Na avaliação de Marcone Siqueira, sócio e cofundador da consultoria de inovação The Bakery, o fato de a Persono ter o apoio da infraestrutura de fabricação, distribuição e comercialização do grupo, abre boas perspectivas para que a marca ganhe terreno nesse contexto.
“Para quem já tem canais de vendas, logística, marcas e capital é mais fácil construir essa oportunidade e enfrentar a concorrência”, afirma Siqueira. “É o melhor dos dois mundos uma empresa que já atua em uma área próxima abraçar esse novo mercado, o que não significa que a execução seja fácil.”
Ele destaca ainda que o mercado de tecnologias do sono já vinha despontando, na esteira da busca por bem-estar. E ganhou um impulso definitivo com a pandemia. “No entanto, há poucas empresas brasileiras investindo em hardware”, diz Siqueira. “O foco está mais em softwares e serviços atrelados.”
Em paralelo à nova marca, o grupo está seguindo outro roteiro. Em julho, a empresa protocolou o pedido de IPO da Ammo, seu braço de varejo. Josué não comenta o tema, mas, no mercado, a informação é de que a empresa quer captar R$ 700 milhões na oferta, prevista para acontecer ainda neste ano.