A última pandemia com as características de Covid-19 (Covid, por brevidade) foi a Gripe Espanhola em 1918, no final da Primeira Guerra Mundial. Não é certo que o Covid atinja entre os 40% e 70% da população mundial que alguns epidemiologistas antecipam, mas mesmo assim já está causando a crise econômica mais rápida da história.

Os mecanismos comprovados que temos para lutar contra a pandemia do Covid até esse momento são isolamento social, testagem rápida de pessoas sintomáticas e seus contatantes e suporte ventilatório de casos graves com ventiladores mecânicos.

Foi assim que a China e a Coreia do Sul controlaram suas epidemias e reduziram a mortalidade. As medidas na China foram mais draconianas (e corretas!) levando a somente quatro novos casos em 20 de março. A China começa sua recuperação no momento em que o resto do mundo começa a acordar para a pandemia. Mudanças na ordem global certamente virão.

O principal teste diagnóstico na fase inicial, inclusive pré-sintomática da doença, é o RT-PCR. O PCR detecta pequenas quantidades de DNA, enquanto que o RT é o passo de transcriptase reversa - converte o RNA do coronavírus em DNA para ser detectado. Para chegar nessa etapa laboratorial, a amostra tem de ser coletada com kits especiais e o RNA extraído dos fluidos corpóreos obtidos.

O problema é que o mundo inteiro precisa desses kits de coleta, dos reagentes químicos para extração de RNA, dos reagentes de RT-PCR e das máquinas necessárias para ler os resultados.

Em 2001, eu fazia pesquisa em um laboratório na Harvard Medical School, em Boston. Descobrimos um novo gene (o Projeto Genoma Humano ainda não tinha terminado) que tinha um efeito importante na resposta imunológica.

Eu fui incumbido de fazer as análises computacionais do que já tínhamos do genoma humano sequenciado para achar mais genes relacionados e de criar ferramentas laboratoriais para estudar os genes encontrados.

Uma dessas ferramentas moleculares era a própria proteína codificada pelo gene, produzida em grande quantidade e purificada para ser injetada em camundongos.

O desenho computacional da ferramenta foi feito em horas. A clonagem do gene em poucos dias. Colocamos o gene em células para produzir a proteína e... Nada! Dias, semanas, meses de faz, refaz, e a quantidade que conseguíamos era minúscula. Meu chefe, que gostava de mim, me disse com ternura que eu “era passável em bioinformática e medíocre na bancada”. Sábias palavras.

Depois de uns dois meses tentando, chamamos os profissionais: uma pequena empresa que prestava serviços para as farmacêuticas da região, que são muitas. O técnico veio, olhou o que eu tinha feito até ali, riu, e deu o preço. “Dez mil dólares, uma semana”, disse ele.

Nos assustamos. “Dez mil dólares por semana?”, indagamos. Ele respondeu que não - eram US$ 10 mil pela entrega, e que faria em apenas uma semana. Voltou depois de 6 dias com uma quantidade mil (sim, mil) vezes maior que eu tinha produzido em dois meses.

Frente de batalha

Temos quantidades insuficientes de ventiladores, aparelhos de PCR e reagentes. A Alemanha está atacando a sua falta de ventiladores repetindo o que foi feito pelas principais nações na Segunda Guerra Mundial - redirecionou seu parque industrial - desta vez para a produção em massa de ventiladores mecânicos.

Também durante a Segunda Guerra Mundial, a indústria automobilística dos EUA produziu mais de 1 avião por minuto no pico da guerra. A China está fazendo isso para reagentes laboratoriais para identificação do vírus. Chegar nessa escala não é fácil nem rápido.

Com os Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra na frente de batalha contra o Covid, a atenção dos especialistas em biologia molecular e das empresas fornecedoras de equipamentos e reagentes laboratoriais vai se voltar para o inimigo comum.

Teremos resultados em uma semana? Não. As novas remessas de máquinas com grande capacidade de testagem não chegarão ao Brasil antes da segunda quinzena de abril. Mas a cavalaria molecular está chegando, em diagnóstico e tratamento (que vem logo atrás). Aguentemos firme até lá.

David Schlesinger é CEO e cofundador da Mendelics. Formou-se em medicina pela Universidade de São Paulo, fez residência em neurologia no Hospital das Clínicas (FMUSP) e possui Ph.D. em genética também pela USP. Iniciou sua carreira como pesquisador visitante no Hospital Brigham e mulheres, em Boston, EUA. Foi cofundador da Medbits por 3 anos, trabalhando com inicialização de registros médicos eletrônicos, e ganhou o Prêmio Inovação da FAPESC (Santa Catarina) em 2010. Atuou por mais de 3 anos como médico e Pesquisador de Neurologia Clínica e Genética do Hospital Judaico Albert Einstein e, em 2012, criou a Mendelics, o maior laboratório de genética da América Latina. É responsável pela criação do Algoritmo de Inteligência Artificial, Abracadabra, utilizado no Sequenciamento de Nova Geração da empresa. O Abracadabra ganhou um Prêmio MIT de Inovação em 2014.

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