O carioca Paulo Albert Weyland Vieira, 56, teve uma ascensão profissional meteórica: formado em 1989 em direito na PUC Rio, fez, logo em seguida à sua graduação, um mestrado em Cambridge, na Inglaterra. Ao voltar para o Brasil, surfou a onda das desestatizações e concessões públicas do governo Collor e posteriormente da era FHC, envolvendo-se em operações de peso, como a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e da Vale do Rio Doce. De 1995 a 2005, também lecionou na PUC Rio.
Sócio-fundador do escritório Vieira Rezende, ele tem também uma trajetória sólida, de quase 20 anos, como gestor cultural, coroada agora com o anúncio de que vai ocupar, pelos próximos quatro anos, a função de presidente do Conselho Internacional da Tate, a prestigiosa instituição da Inglaterra, que administra três museus naquele país, entre eles a Tate Britain e a Tate Modern.
Ele assume o cargo em substituição à curadora e editora Elena Ochoa Foster, mulher do arquiteto Norman Foster, tornando-se o primeiro não-europeu no posto. Diretor executivo do MAM Rio desde fevereiro deste ano, o advogado é também um grande (e meticuloso) colecionador de arte.
Vieira reputa seu flerte inicial com o mundo das artes visuais a Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp desde 2014, e que há pouco mais de uma semana foi nomeado o curador da 60ª Bienal de Veneza. O brasileiro será o primeiro latino-americano a fazer a curadoria da mais antiga e importante bienal do mundo, que acontecerá em 2024. Também formado em direito, pela UFRJ, Pedrosa estudou ainda na mítica Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, no Rio, que Vieira então passou a frequentar assiduamente.
“A minha aproximação com a arte não foi algo muito natural, ela foi totalmente induzida pelo fato de o Adriano [Pedrosa] ser meu melhor amigo de infância e ex-colega de escola”, contou ao NeoFeed. Foi com ele que, no início dos anos 1990, conheceu a Geração 80, artistas como Daniel Senise, “hoje um de meus melhores amigos”. Além de Beatriz Milhazes, a Adriana Varejão, o Ernesto Neto e o Angelo Venosa, entre outros. “Era um momento muito rico das artes plásticas no Brasil”, conta Vieira.
À época, o advogado estava com frequência em São Paulo a trabalho e, por meio do pintor, desenhista e escultor cearense Leonilson (1957-1993), também seu amigo, aproximou-se da cena artística da capital paulista, conhecendo, entre outros, o pintor e gravador Caetano de Almeida e o fotógrafo Eduardo Brandão, um dos sócios da Galeria Vermelho. O amigo Pedrosa foi fazer seu mestrado na CalArts (California Institute of the Arts), na Califórnia, onde Vieira o visitava com frequência.
“Pela amizade com ele e aqueles artistas, comecei minha coleção naquele início dos anos 1990. Tenho na minha cabeça que o primeiro quadro importante que eu comprei foi do próprio Senise, numa exposição dele na galeria Thomas Cohn, em São Paulo”, lembra.
A partir dos anos 2000, Vieira começou sua trajetória na gestão cultural. Foi presidente da Associação de Amigos do MAM carioca (2003 a 2007), da Associação de Amigos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (2008-2012) e do Conselho da EAV, assim como da Casa França Brasil (2012-2015). Ainda em seu currículo, traz a participação em conselhos de instituições como a Escola São Paulo e a Fundação Pompidou para a América Latina.
Em 2018, Vieira voltou para o MAM, durante a crise financeira do museu. Chamou outros colecionadores para ajudá-lo a fazer um diagnóstico da situação, entre eles os colecionadores José Olympio Pereira (presidente da Fundação Bienal de São Paulo), Armando Strozenberg e João Maurício Pinho, entre outros.
Juntos, fizeram uma reestruturação. À época, houve a controversa venda de um quadro de Jackson Pollock do acervo, para sanar as contas, e foi criado um fundo emergencial para reformas, entre outras ações de governança.
Em outubro deste ano, Vieira, que desde 2004 já fazia parte do Conselho Internacional da Tate, aceitou o convite para assumir a sua presidência. O advogado lembra que uma de suas contribuições para a instituição, em anos recentes, foi a discussão em torno da criação de um endowment, “uma forma de captação transgeracional”, de doações que formassem um fundo patrimonial não somente para a Tate ser sustentável, mas ter independência curatorial a longo prazo, além de pagar seus custos operacionais.
“Com isso, mudamos muito a mentalidade dos grandes doadores, que escolhiam mais aleatoriamente que instituições seriam contempladas. Hoje, eles querem saber qual é o impacto verdadeiro que a instituição tem na sociedade, qual a pegada ambiental que ela tem."
Segundo ele, Maria Balshaw, que assumiu a diretoria da Tate no lugar de Nick Serota em 2017, chegou com essa ideia de "do less, with more impact [faça menos, com mais impacto]. O objetivo não era mais construir prédios, nem colecionar sem fim. Eu abracei isso."
A trajetória do colecionador
Nos últimos anos, Vieira passou a colecionar arte indígena, tendo hoje em seu acervo obras de Jaider Esbell e Denilson Baniwa, destaques da última edição da Bienal de São Paulo, realizada no ano passado. E também passou a se interessar por artistas que lidam com questões de gênero e identitárias, como o pintor carioca Arjan Martins. Com isso, atualmente, seu acervo tem o mesmo peso para arte nacional e a internacional.
No processo de formação de sua coleção de 700 obras, outras duas grandes influências foram Luisa Strina e o Marcontonio Vilaça [sócio da galeria paulistana Camargo Vilaça, morto em 2000].
Vieira ressalta que Vilaça levou aquela geração de artistas dos anos 1980 para fora do Brasil. A cena internacional, diz ele, conheceu a produção brasileira a partir daí, e fez então o que advogado chama de uma “arqueologia”, voltando-se para nomes do passado da arte nacional. Sempre que Vieira estava em São Paulo, Vilaça indicava obras e artistas a quem ele deveria ficar atento.
“Eu respondia que estava começando o escritório próprio [o Vieira Rezende, fundado em 1995 no Rio, com filial em São Paulo desde 1997] e que não tinha dinheiro.” Villaça então mandava uma obra para sua casa e dizia para ele “conviver com ela. Se eu gostasse, poderia pagar em dez vezes”, conta. “Se com isso aí você não forma um colecionador, nada mais forma.”
Posteriormente, Pedrosa teria levado Vieira também a internacionalizar a sua coleção, inicialmente focada em artistas brasileiros. Cocurador da 12ª Bienal de Istambul, em 2011, Pedrosa abriu os olhos do amigo para a produção fora do eixo EUA-Europa, a saber, para artistas do restante da América Latina, da África, do Oriente Médio e do Sudeste Asiático.
Com predominância de representações tradicionais de paisagens, seu acervo passou a incorporar obras “contestadoras da realidade”, especialmente do continente latino-americano, como as do escultor mexicano Jose Dávila, mas também criações da multiartista palestina Mona Hatoum, por exemplo. Nesse momento, Luisa Strina, que trazia artistas de fora do Brasil para a sua galeria, começou a ter um papel importante para a formação de sua coleção.
“Paulo e eu tivemos uma empatia muito grande, desde que nos conhecemos”, afirma Luisa, dona da galeria que desde 1974 leva seu nome, na capital paulista, a primeira brasileira a participar da Art Basel, na Suíça, em 1992, e representante de expoentes da arte nacional, como Cildo Meirelles.
Luisa ressalta que o amigo não é uma pessoa que compra por impulso, “mas somente depois de ter estudado um determinado artista e sua produção, de entender por que é importante ter uma de suas obras em sua coleção. É algo feito totalmente com a razão”, diz a galerista. De sua galeria, Vieira comprou obras de latino-americanos, como o cubano Carlos Garaicoa e o venezuelano Juan Araujo, além de brasileiros como Alexandre da Cunha, Marepe, Beto Schwafaty e do próprio Leonilson.
Recentemente o advogado passou também a se interessar por artistas que dialogam com a arquitetura. É o caso do fluminense André Griffo, representado pela Nara Roesler.
Pai de dois filhos pequenos – Miguel, de 3 anos, e Maria Fernanda, de apenas 7 meses –, Vieira ainda encontra tempo para idas frequentes a feiras internacionais – em especial a duas das edições da Art Basel, em Basileia (Suíça) e em Miami, e à Frieze, em Londres.
Elas se somam às viagens anuais, com curadores, que realiza para a Tate, numa pesquisa de campo para o desenvolvimento do acervo. Já esteve na China, no Japão, na Austrália, Rússia e Coreia do Sul, para onde volta em maio, já como presidente do Conselho Internacional. Um “superdesafio”, diz ele, ressaltando que o cargo é um reconhecimento não apenas para si mesmo, “mas dessa história, do trabalho feito nas instituições aqui no Brasil”, conclui.