Saiu em 14 de janeiro a tão aguardada carta anual de Larry Fink, CEO e presidente do Conselho da BlackRock, maior gestora de recursos do planeta (carteira de US$ 6,96 trilhões.) E ela teve o efeito de resgatar, em todo o mundo, o otimismo dos que pregam a sustentabilidade nas empresas.
Como era de se esperar, Fink voltou ao assunto—que já havia sido mote de sua mensagem ao mercado nos três anos anteriores – só que desta vez, de forma mais direta e contundente: a sustentabilidade, mais conhecida no mundo financeiro como ESG (questões ambientais, sociais e de governança), deve estar no coração da estratégia das empresas ou não haverá prosperidade possível.
Sustentabilidade deixa de ser, portanto, um tema de escolha para se tornar pré-requisito de atuação empresarial. Vira sinônimo de solidez. Ganha o status de indicador-chave de rentabilidade no longo prazo.
Para dar o exemplo do que defende, e mostrar que não está para brincadeira, Fink informou que a BlackRock, por decisão do seu Grupo de Risco e Análise Quantitativa (que avalia todos os riscos de investimento da companhia), conferirá ao risco ESG o mesmo peso de importância dos riscos considerados convencionais, como os de crédito e liquidez.
Isso significa, na prática, que a empresa poderá não investir ou desinvestir em negócios rentáveis, mas negligentes na preservação de ativos ambientais, nos cuidados para com os públicos de interesse e nas questões de governança ética e transparente.
Coerente com o seu discurso, o CEO da BlackRock deu outros dois recados importante: até o final do ano, vai descontinuar investimentos em grupos cujas receitas (25% delas) advenham da produção de carvão térmico; e pretende aumentar o aporte de recursos em empresas de baixa emissão de carbono ou que realizem investimento de impacto, gerando melhoria da qualidade de vida da sociedade.
Os que, como eu, trabalham com sustentabilidade empresarial sabem bem o alcance de uma decisão desse porte. Em realidade, o gesto de Fink, por ser ele quem é, e presidir a empresa que preside, começa a derrubar a trincheira dos últimos resistentes à sustentabilidade na gestão empresarial.
Não foram poucas vezes, na minha vida profissional, em que presenciei situações de total desinteresse, ceticismo e incredulidade por parte dos diretores financeiros, investidores e agentes de relações institucionais.
Lembro-me muito especialmente de duas delas. E da lógica viciada na qual se apoiavam. Certa vez, fui abordado por um CFO ao final da apresentação de um plano estratégico de sustentabilidade para uma empresa líder em seu setor. Claramente incomodado durante a minha exposição, procurou-me para um quase desabafo.
“Tudo isso que você diz parece bacana. Mas não consigo compreender porque deveríamos investir nesse plano, já que somos uma empresa sem impacto ambiental e de baixo risco. Sustentabilidade para mim é apenas custo, sem retorno. Menos dividendo ao acionista”. E fechou a conversa, irônico: “Save me the money... e aí posso concordar com você.”
Fosse ele o único cético na empresa, o plano poderia ter caminhado melhor. Mas também o CEO implicava com o conceito. Gostava de fazer piadas com alguns presidentes de outras empresas, alegando que a sustentabilidade os distraía de “questões mais estratégicas para o negócio.”
A mensagem de Fink nos redime desse tempo obtuso e de lógicas inconciliáveis, ocorrido há não mais do que seis anos.
A mensagem de Fink nos redime desse tempo obtuso e de lógicas inconciliáveis, ocorrido há não mais do que seis anos
Em outra oportunidade, uma empresa que atendia convocou-me para uma reunião de Conselho de Administração em que seriam apresentados os resultados do ano anterior, junto com as evoluções da estratégia de sustentabilidade.
Durante a discussão sobre desempenho econômico, observou-se total interesse. Na parte dedicada á sustentabilidade, houve até quebra de quórum: um saiu para ir ao banheiro, outro começou a responder mensagens no celular e um terceiro passou a conversar com o conselheiro ao lado sobre assunto relacionado à performance—todos eles, vale destacar, representavam ali os investidores.
Constrangido com o desinteresse explícito, e uma certa impaciência dos presentes, o CEO pulou slides para encerrar logo os trabalhos. Mais tarde, num almoço, confessou-me desanimado não entender, dadas as evidentes conexões com riscos de negócio, a indiferença, quase má vontade, dos investidores para com o tema da sustentabilidade.
Esses mesmos conselheiros, tenho certeza, devem estar, neste momento, lendo linha a linha a carta de Fink—menos indiferentes, um pouco mais constrangidos, certamente querendo ganhar o tempo que perderam presos ao século 20 e absortos numa lógica que sempre tratou a sustentabilidade como algo á parte dos negócios.
Você, leitor, pode estar pensando com alguma razão. Fink é Fink, está no topo da cadeia alimentar dos gestores de recursos. O que garante que os seus pares, no Brasil e no mundo, seguirão suas recomendações? Bom senso, respondo. Não só o bom senso de reconhecer que se o líder do setor, um homem que não rasga dinheiro, está defendendo uma nova estratégia, há pelo menos quatro anos, ela deve ter lá a sua importância e atualidade.
Mas também o bom senso de perceber que o mundo mudou. Há menos de uma década as mudanças climáticas representavam uma ameaça distante, a despeito dos insistentes recados de cientistas e de especialistas em sustentabilidade. Agora é prenúncio de desconfortável incerteza.
Como não conseguimos reduzir as emissões de gases de efeito estufa –pior, as aumentamos nos últimos anos—chegamos já a um momento de emergência climática. A intensificação dos fenômenos climáticos, decorrente do aquecimento global, vai impactar a vida humana e os negócios na medida em que traz consigo uma enorme sombra de dúvidas sobre a disponibilidade de recursos naturais, a fertilidade dos solos, os efeitos de ondas agressivas de calor e frio, ventos e tempestades, o aumento do nível do mar e o colapso de ecossistemas.
Essas dúvidas significam, na prática, novos riscos, ainda não devidamente contabilizados na equação empresarial. São esses novos riscos, reforça Fink, que “estão forçando os investidores a reavaliar pressupostos básicos sobre as finanças modernas.” “E a reavaliar o valor dos ativos.” “Os investidores estão tentando entender tanto os riscos físicos associados às mudanças climáticas, quanto também as formas pelas quais as regulamentações impactarão preços, custos e demandas”, diz a carta. Já não era sem tempo.
Encerro esse artigo, destacando um dos trechos mais provocativos da carta de Fink: “Uma farmacêutica que aumenta impiedosamente os seus preços, uma empresa de mineração que diminui a segurança, um banco que não respeita os seus clientes podem até aumentar o retorno de curto prazo. Mas, como temos visto repetidas vezes, ações que prejudicam a sociedade acabarão por prejudicar a empresa e destruir o valor aos acionistas”. Está dado o recado, mais uma vez.
*Ricardo Voltolini foi um dos primeiros consultores de sustentabilidade empresarial no Brasil e especialista em liderança com valores. Autor de nove livros, entre os quais se destaca “Conversas com Líderes Sustentáveis – O que aprender com quem fez ou está fazendo a mudança para a sustentabilidade”, publicado pela Editora Senac São Paulo. É professor de Sustentabilidade convidado da Fundação Dom Cabral e do ISAE/FGV (Curitiba)
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