O americano Charlie Conner, 44 anos, atuava como head do fundo de private equity americano Arlon Group no Brasil quando se deparou com uma chance daquelas que ele mesmo diz aparecer poucas vezes na vida. “Nunca vi uma oportunidade tão óbvia”, diz, sobre o investimento que o grupo fez, em 2016, na Sotran, empresa de logística voltada para o agronegócio.
Na visão do executivo, a logística é uma indústria que está passando por uma das maiores disrupções na atualidade. “O que aconteceu com o mercado de táxi há 10 anos, o de delivery há 6 anos e o de bancos há 5 anos, está começando a acontecer no setor de logística no mundo inteiro”, diz Conner ao NeoFeed. “É uma mudança muito grande.”
Não à toa, em 2019, ele deixou o Arlon para comandar a empresa que ele “investiu” e que se prepara para acelerar nas estradas brasileiras. A Sotran, dona de um aplicativo chamado Tmov, onde os motoristas encontram as cargas para transportar, acertam o valor do frete e recebem o pagamento, toda a jornada de ponta a ponta, acaba de receber um cheque de R$ 100 milhões.
O aporte, anunciado com exclusividade ao NeoFeed, foi liderado pelo grupo brasileiro FitPart, que tem investimentos em empresas como Unidas e Stone, e o próprio Arlon Group. O plano é usar esse dinheiro para digitalizar, cada vez mais, a vida dos caminhoneiros, contratar engenheiros e analistas de dados e aumentar a base de usuários plugados na plataforma.
Costurado pelo banco de investimentos Lazard, o investimento dará suporte à operação neste e no próximo ano. Depois, a ideia é partir para novas rodadas ou, quem sabe, uma abertura de capital. E a meta é praticamente dobrar a operação que hoje conta com 60 mil caminhoneiros ativos por mês. “Até o fim do ano deveremos chegar em 100 mil usuários por mês”, diz Conner.
Além de aumentar a base, a Sotran, que movimentou R$ 1,3 bilhão em 2020, pretende lançar, nos próximos meses, um marketplace voltado aos embarcadores, que são as empresas que se conectam na plataforma em busca da logística. São atualmente 900 companhias de grande porte como JBS, BRF, Cargill, ADM, entre outras. O novo serviço abrirá a possibilidade para que as empresas possam fazer a gestão no app da logtech.
“Esse novo serviço não é exatamente um SaaS (software as a service), ele dá um suporte maior”, diz Conner. “Vamos dar o software com o ecossistema, é o que chamamos de TaaS (transport as a service).” A empresa que escolher essa opção vai pagar um take rate menor. Mas, neste caso, ela terá a missão de gerenciar o capital de giro e o risco de oscilação de preço.
Hoje, funciona da seguinte forma: o motorista abre o aplicativo, reserva a carga que vai levar e toda a interação do caminhoneiro é diretamente com a Sotran. A empresa paga o motorista e assume todo o risco da operação, adiantando, inclusive, 80% do pagamento na contratação e o restante concluído na entrega.
“O motorista não tem capital de giro. Quando ele carrega o caminhão, a primeira coisa que precisa é abastecer”, diz Conner. “Se ele vai de Sorriso (MT) para Santos (SP), um frete de R$ 10 mil, ele vai precisar de R$ 4 mil para abastecer.” Justamente por conta disso, a companhia criou uma fintech e uma conta de pagamentos por onde o motorista pode receber e movimentar o dinheiro.
Batizada de Tmov bank, a fintech deverá, em breve, oferecer outras possibilidades e produtos para os caminhoneiros. Oferta de crédito, por exemplo, está nos planos. “Muitos caminhoneiros não têm acesso a vários produtos financeiros e vamos entrar nesse mercado”, diz Conner.
A disputa por esse usuário, definitivamente, não será fácil. A Sotran tem concorrentes mais famosos e mais robustos em termos de aportes e de operações. A CargoX, por exemplo, foi uma das pioneiras em digitalizar essa relação entre transportadoras e embarcadoras. Fundada em 2013, a empresa já recebeu aportes que somam US$ 174 milhões de fundos como LGT Lighstone, Valor Capital, Farallon Capital e Goldman Sachs.
Outra rival que tem espaço nos smartphones dos caminhoneiros é a Truckpad, fundada em 2014. A companhia já recebeu investimentos de empresas como Movile, Plug and Play Tech e a gigante chinesa Full Truck Alliance (FTA). Tanto CargoX como a TruckPad atuam com qualquer tipo de carga, a Sotran, por sua vez, concentra seus esforços no segmento agro.
Nos EUA e na China
A companhia, fundada no Paraná, completou 35 anos de vida recentemente e a sua transformação começou, de fato, há dois anos. Quando o Arlon Group assumiu o controle da empresa, no fim de 2016, ela movimentava R$ 500 milhões e o serviço era, em sua maior parte, analógico. Conner, na época como presidente do conselho, ajudou a levar a empresa de três para 14 estados. Mas faltava trazer mais tecnologia para dentro.
O executivo, então, viajou com os fundadores da Sotran, Ruber e Rosler Dallamaria, para os EUA e a China para conhecer as principais operações de logística nesses países. Visitou as instalações da Uber Freight, da Convoy e mostrou aos fundadores que seria necessário dar uma virada tecnológica na empresa.
Voltaram ao Brasil e, em 2019, Conner se tornou co-CEO da empresa. No começo de 2020, ele acabou assumindo como único CEO. No comando, o executivo praticamente refundou a Sotran, mudando desde a tecnologia até o perfil de profissionais contratados.
“Começamos a contratar pessoas de tecnologia que saíram da 99, C6, iFood, Uber e de outras empresas do setor”, diz Conner. A empresa, hoje com 450 funcionários, criou uma área de dados e engenharia de produtos. Cinquenta profissionais foram destacados para redesenhar o aplicativo Tmov, que tinha sido desenvolvido por terceiros e era pouco usado.
Nesse processo, o perfil do conselho de administração também mudou, com a chegada de profissionais mais voltados para a tecnologia e growth. Hoje, fazem parte do board Bruno Martins, sócio do Arlon Group; Guillermo Bilbao; investidor com mais de 30 anos de operação na América Latina; Marcos Couto, CEO da Alper Seguros e investidor de startups; e Phillip Klien, vice-presidente de marketing e growth do PicPay.
“Nossa empresa não é um Facebook, uma mídia social, tem um aspecto operacional muito crítico e isso a gente tem. O que precisávamos era a parte de tecnologia e produtos”, afirma Conner. Quando o executivo assumiu o comando da Sotran, 3% das cargas transportadas eram fechadas dentro do Tmov. Hoje, esse índice chega a 90%.
Mas, para o Tmov ganhar tração, a companhia precisou ir além da tecnologia e passou a fazer campanhas de incentivo, oferecer cashback e estimular o uso entre os caminhoneiros. Em 2019, a empresa dava como prêmio 3% do valor do frete na conta do usuário. Hoje, a cada quatro viagens que o motorista faz, caem R$ 1 mil na conta dele.
No ano passado, foram feitas 400 mil viagens e, para 2021, a estimativa é chegar a 500 mil viagens, movimentando R$ 1,6 bilhão. Deste total, a empresa fica com um take rate não revelado pelo executivo, mas é menor do que 10%.
A empresa é focada mais no agro, como soja, milho, trigo, açúcar, fertilizante, alimentos. Mas a companhia tem começado a olhar cimento, celulose e outras áreas. “O frete rodoviário no Brasil movimenta cerca de R$ 400 bilhões e o nosso segmento está na faixa de R$ 40 bilhões. Nosso plano de ataque é continuar consolidando esse mercado de agronegócio”, diz Conner.
Ele sabe que o transporte rodoviário ainda é – e será por muito tempo – o centro nevrálgico do setor. “O agro depende 100% desse tipo de transporte”, diz Gustavo Spadotti A. Castro, supervisor do Grupo de Gestão Estratégica da Embrapa Territorial. “Toda a produção brasileira passa por um caminhão”, afirma.
Mesmo o que é escoado via ferrovia, necessita do transporte rodoviário. De acordo com o mais recente estudo da Embrapa Territorial, em 2016 foram transportados 1,6 bilhão de toneladas de grãos, alimentos e fertilizantes.
No ranking de competitividade do Banco Mundial, quando o quesito é a logística, o País ocupa a vergonhosa posição de 56º lugar. E o transporte no Brasil é dividido da seguinte forma: 65% rodovias, 15% ferrovias, 11% cabotagem, 5% hidrovias e 4% dutos.
“Aos poucos, o País está se modernizando, o transporte rodoviário foi uma escolha feita no passado. E aumentar a malha ferroviária, por exemplo, não vai matar o rodoviário, vai complementar. Em vez de fazer uma viagem longa, o caminhoneiro poderá fazer cinco mais curtas”, afirma Spadotti.