O rápido avanço das ferramentas de inteligência artificial (IA) levou a equipe de pesquisa da Bernstein Société Générale - plataforma para o mercado global de ações, fruto de uma joint-venture criada no ano passado pela AllianceBernstein e o Société Générale – a testar modelos de IA para simular o trabalho dos analistas de ações do mercado financeiro.

A proposta era ousada: usar IA para extrair dados e redigir relatórios sobre empresas e setores específicos da economia a partir de um modelo confiável que preveja lucros dos próximos dois anos — tudo sem intervenção humana. O resultado, porém, foi um misto de entusiasmo e frustração que revela os desafios da automação no setor financeiro.

Mesmo com transcrições, balanços e informações setoriais fornecidas – a maioria detalhada e muitas delas surpreendentes –, a experiência mostrou que as simulações do “analista financeiro IA” não deram o resultado esperado. Numa frase, as ferramentas de IA geraram apenas um estagiário esforçado.

Liderada por Venugopal Garre, chefe de pesquisa da Índia da Bernstein, a equipe da plataforma utilizou modelos de linguagem de grande porte, os LLMs - treinados com vastos volumes de dados para compreender, gerar e processar texto e linguagem humana.

Para isso, foram selecionadas ferramentas amplamente conhecidas, como ChatGPT, Gemini e Grok, além de outras menos populares, como Perplexity, Claude, Copilot, Meta AI e DeepSeek. Também entraram na disputa LLMs verticais voltados para finanças.

O primeiro passo foi simples: pedir às IAs que buscassem informações públicas sobre empresas, como transcrições de teleconferências e dados financeiros. Nesta fase, os modelos se saíram bem. Grok, por exemplo, gerou gráficos interativos com dados da Dixon Technologies, empresa indiana do setor de eletrônicos.

As ferramentas mostraram habilidade em identificar preocupações recorrentes dos investidores e avaliar a resposta da administração ao longo do tempo. A Gemini se destacou ao analisar a confiança nas respostas da liderança corporativa.

Chamaram a atenção algumas informações, como a extração de dados públicos, identificação de padrões em textos longos e avaliação de tom em comunicações corporativas, além de vasta criação de visualizações gráficas.

Mas foi na fase seguinte, na modelagem financeira, que os problemas apareceram. O objetivo era criar modelos financeiros preditivos com base em dados históricos e elaborar relatórios de recomendação (comprar, manter ou vender) para os próximos dois anos.

Mesmo com transcrições, balanços e informações setoriais fornecidas, as ferramentas de IA testadas não produziram resultados satisfatórios. Entre os principais problemas detectados pela equipe da Bernstein foram listadas planilhas com dados inconsistentes, cálculos incorretos de lucro por ação (L/A) e preços-alvo sem justificativa – enfim, modelos sem poder preditivo, objetivo final do experimento.

Nem mesmo o código Python gerado pela Gemini funcionou adequadamente. “Em modelagem, a IA falhou completamente, principalmente por não compreender nuances contábeis entre países, algo que analistas humanos dominam com experiência”, afirma Garre.

Baixa profundidade

Entre as limitações observadas, Garre destaca a incapacidade dos modelos de IA de lidar com complexidades contábeis, falta de julgamento contextual, dificuldade em integrar variáveis geopolíticas e baixa profundidade nos relatórios.

“A conclusão é que a IA é útil como ferramenta, não como substituta de um analista financeiro humano em funções estratégicas”, afirma Garre, salientando que a promessa de automação total no setor financeiro esbarra em limitações técnicas e cognitivas.

Segundo ele, embora os modelos de IA sejam úteis para tarefas repetitivas e análise textual, o papel da IA é complementar — como o Excel, que aumentou a produtividade sem eliminar o trabalho humano.

O experimento da Bernstein Société Générale não foi inédito. Outras instituições também testaram o uso de inteligência artificial como ferramenta preditiva no setor financeiro e chegaram a conclusões semelhantes: promissora, mas ainda limitada.

A PwC, por exemplo, conduziu uma análise abrangente sobre o impacto da IA em instituições financeiras e identificou que, embora os modelos de IA tragam ganhos de eficiência e personalização, a capacidade preditiva ainda é restrita em contextos complexos como análise de risco e decisões estratégicas.

Entre as conclusões semelhantes em relação ao experimento da Bernstein, o estudo da PwC destacou que a IA é eficaz em tarefas operacionais, como detecção de fraudes e atendimento ao cliente. Em modelagem financeira profunda, porém, os algoritmos ainda falham em capturar nuances contábeis e geopolíticas.

A própria PwC reconhece, porém, que a adoção da IA no setor financeiro tem crescido exponencialmente nos últimos anos. De acordo com o estudo, a inteligência artificial pode contribuir com até US$ 15,7 trilhões para a economia global em 2030, impulsionando ganhos de eficiência, inovação e personalização de serviços.

Mas, por enquanto, as ferramentas de IA precisam melhorar para criar modelos preditivos mais confiáveis, em especial os voltados para o mercado de ações. Em meio a um processo de transformação da IA no mercado de trabalho, “roubando” empregos em várias áreas, os analistas do mercado financeiro podem respirar aliviados, pelo menos por enquanto - seu trabalho continua essencial.