Toda reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), independentemente de não surpreender o mercado, vem com um comunicado que é lido com atenção por investidores. Presta-se atenção nas vírgulas em busca de significados ocultos que possam sinalizar uma direção de para onde vai os juros.

Nesta quarta-feira, 7 de dezembro, dez entre dez analistas sabiam que as taxas de juros seriam mantidas em 13,75% ao ano. Mas o comunicado do Copom, ao justificar a decisão, nem precisou de exercício de adivinhação do mercado. De forma clara, o Copom mandou um recado para o próximo governo.

Ao alertar de que ainda há fatores de riscos para a inflação, o comunicado diz que há “elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais adicionais que impliquem sustentação da demanda agregada, parcialmente incorporados nas expectativas de inflação e nos preços de ativos.”

Até a estátua que simboliza a Justiça em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, que não vê, não ouve ou não enxerga, entendeu o que quis dizer o Copom. É um aviso a respeito do teto de gastos e aos efeitos da PEC da Transição sobre as contas públicas.

O alerta vem no momento em que o governo recém-eleito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva busca aprovar no Congresso uma PEC que expande em R$ 145 bilhões o teto de gastos do programa Bolsa Família para manter o pagamento de um benefício de R$ 600 a partir de janeiro.

A iniciativa se encontra no Senado e foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na noite de terça-feira, dia 6 de dezembro. 

Na prática, caso isso aconteça, o Copom pode demorar mais tempo para começar a sua política de afrouxamento fiscal. O mercado esperava que isso ia começar acontecer no segundo semestre de 2023. Mas já há sinais de que vai demorar ainda mais.

Em um longo relatório sobre a economia brasileira, o Credit Suisse já sinaliza de que o corte de juros só deve acontecer a partir de 2024. De acordo com o relatório, a política fiscal representa o principal risco para o Brasil no biênio 2023-2024.

“A economia brasileira está sem capacidade ociosa, a inflação esperada para 2023 e 2024 já é acima da meta, e uma expansão fiscal nesse momento do ciclo vai impedir uma queda de juros”, disse Solange Srour, economista do Credit Suisse.

Essas incertezas são questões que também preocupam o Copom. Os membros do comitê destacaram que existe uma “elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais adicionais que impliquem sustentação da demanda agregada”. 

Por isso, a “especial atenção” do Copom, especialmente a respeito dos “efeitos nos preços de ativos e expectativas de inflação, com potenciais impactos sobre a dinâmica da inflação prospectiva”. 

Mesmo com essas dúvidas, o Copom decidiu não mexer na Selic por entender que ela ainda reflete “a incerteza ao redor de seus cenários e um balanço de riscos com variância ainda maior do que a usual para a inflação prospectiva”. 

Para os integrantes do Copom, a decisão é compatível com sua estratégia de convergência da inflação para o redor da meta nos próximos anos. Para 2023, o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleceu uma meta de 3,25% e de 3% para 2024. 

“A comunicação da autoridade foi bem em linha com o esperado por nós”, disse Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, em nota. “A autoridade reforçou preocupação em relação às perspectivas fiscais, embora não haja nada consolidado até o momento.”

A Ativa segue projetando que o Copom manterá a Selic em 13,75% ao ano até, pelo menos, a reunião de maio de 2023, mas afirmou que pode mudar a expectativa dependendo do andamento dos projetos fiscais em tramitação no Congresso.

Para Tatiana Nogueira, economista da XP, ainda é cedo para que o Copom altere sua postura, acreditando que ele se manterá em compasso de espera até que haja sinais claros sobre o cenário fiscal local nos próximos anos.

"Dessa forma, o comitê deve manter as taxas nos níveis atuais (contracionistas) por um longo período para garantir a convergência da inflação para a trajetória de metas", diz ela, em nota.