O governo tem pressa, o Congresso também e o mercado financeiro nem se fala. A PEC da Transição já está em tramitação no Senado e deve ser apreciada na semana que vem. O passo seguinte é sua avaliação na Câmara, que sinaliza aprovar o texto chancelado pela Casa ao lado.

Não há muito tempo pela frente. O Congresso entra em recesso em três semanas, mas o mercado financeiro aposta na desidratação do documento. Sobre o resultado final, há muita especulação e pouca certeza.

O mercado torce por uma PEC mais enxuta, mas nada garante que o extrateto de R$ 198 bilhões cairá a R$ 150 bilhões e que os quatro anos de prazo para a prática da excepcionalidade se transformará em dois anos – parâmetros defendidos por especialistas.

O avanço da PEC no campo legislativo é, por ora, a boa notícia que circula no mercado, mas ele está sendo ofuscado por uma profusão de nomes apontados para o comando do Ministério da Fazenda que será resultante do desdobramento do atual Ministério da Economia.

Se, de um lado, a PEC da Transição pode assegurar ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, cumprir promessas de campanha já em janeiro, de outro, um ministro “alternativo” a Haddad pode trazer mais confiança ao mercado, que defende uma gestão conservadora da política fiscal.

Mas, de novo, nada parece definido e a instabilidade na precificação dos ativos tende a prevalecer sob a influência de outros eventos, como o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do 3º trimestre, anunciado na quinta-feira, 1º de dezembro, e abaixo do esperado – crescimento de 0,4% ante o trimestre anterior. A projeção era de 0,7%, segundo a Refinitiv.

Em meio a um calendário tão estreito para tomada de decisões, o elenco de potenciais candidatos ao comando da Fazenda – que vai de Fernando Haddad a Henrique Meirelles, passando por Pérsio Arida, André Lara Resende, Rui Costa e Alexandre Padilha – poderá enfraquecer o eleito por Lula para o cargo.

Na terça-feira, 29 de novembro, Lula afirmou que só indicará ministros após ser diplomado. A data foi definida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE): 12 de dezembro. Falta pouco. Mas a um mês da virada do ano e da posse do novo governo, o cidadão – e não apenas investidores e gestores – carece de expectativas mais positivas.

“A transição de governo é uma corrida de revezamento. O governo que sai passa o bastão para o que entra. E, havendo racionalidade, a alternância deveria ser positiva, mas não é o que se vê”, afirma Carlos Melo, cientista político e professor do Insper.

Em conversa com a Coluna, Melo avalia que, na prática, o presidente Jair Bolsonaro desapareceu de cena e a expectativa ficou exclusivamente “com quem entra”.

E a demora de manifestações de Lula – seja pela viagem à COP 27, seja pelo afastamento devido à cirurgia na garganta ou o atropelo ao se dirigir a aliados e confrontar o mercado financeiro – acabou comprometendo as expectativas e levantando uma série de indagações, diz o professor.

O avanço da PEC no campo legislativo é, por ora, a boa notícia que circula no mercado, mas ele está sendo ofuscado por uma profusão de nomes apontados para o comando do Ministério da Fazenda

Ele observa que o governo eleito não diz o que pretende e “é necessário mais clareza”. Escolher o ministro da Fazenda não é simples ou fácil, ressalta Melo, que alerta para o fato de a polarização da campanha ter impedido a discussão de questões programáticas relevantes.

“Há um vazio. E se é complicado atender à demanda de informações que vem do mercado financeiro, é ainda mais difícil atender ao cidadão comum porque, para ele, o cenário mudou e não está claro o que vem adiante”, afirma.

Até um mês atrás, lembra Melo, o atual governo acenava com queda de inflação e economia “voando”. “Com a inflação voltando a subir, não adianta o presidente eleito pedir confiança. O cidadão tem motivos para estar cético. O brasileiro se pergunta se o governo vai mesmo ajudá-lo a equacionar suas dívidas e se ele terá, mais adiante, emprego.”

Em meio a expectativas indefinidas e correndo o risco de “a chama da vitória eleitoral não se manter”, possibilidade contemplada pelo professor do Insper, o anúncio da composição do gabinete ajudará a azeitar a contagem regressiva para o novo governo.

Até lá, a moderação nos pronunciamentos da equipe de transição é bem-vinda, inclusive, porque não deve ser desprezado o viés negativo de indicadores econômicos relevantes recém-anunciados.

Os índices de confiança monitorados pela Fundação Getulio Vargas (FGV) caem insistentemente. A compilação de outubro revela retrocesso na confiança do comércio, da indústria, da construção civil, de serviços, do consumidor e de empresários, além do aumento do grau de incerteza com a economia.

Especialistas da FGV apontam que os indicadores refletem a piora do cenário decorrente de taxas de juros elevadas, aumento do endividamento das famílias e da inadimplência, que já se estende às empresas, segundo a Serasa Experian.

O Banco Central (BC), por sua vez, identifica desaceleração de linhas de crédito de maior risco e exatamente as mais caras e que ajudam o cidadão a complementar o orçamento: crédito pessoal e cartões de crédito.

É fato que a taxa de desemprego declinou de 8,7% no trimestre encerrado em setembro, para 8,3% em outubro, segundo o IBGE. Entretanto, afirma o Itaú Unibanco, há sinais de desaceleração, com recuo do ritmo de crescimento do emprego formal e contração no segmento informal pelo quarto mês consecutivo.

O departamento econômico chefiado por Mario Mesquita mantém a expectativa de que o emprego formal continuará desacelerando nos próximos meses, à medida que a atividade econômica perde o fôlego. E projeta taxa de desemprego dessazonalizada de 8,6% no fim deste ano e de 9,3% em 2023.

A moderação nos pronunciamentos da equipe de transição é bem-vinda, inclusive, porque não deve ser desprezado o viés negativo de indicadores econômicos relevantes recém-anunciados

Na quarta-feira, 7 de dezembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne e deverá manter a taxa básica em 13,75%.

Parâmetro para a definição do custo do crédito, a estabilidade da Selic indica que não há perspectiva de dinheiro mais barato para o consumidor tão cedo. Inclusive, porque o BC tem sido claro ao sinalizar que o corte do juro pode ocorrer no fim do primeiro semestre de 2023. Mas não é certo que aconteça.

Roberto Campos Neto vem alertando que o próximo movimento da Selic dependerá, sobretudo, do posicionamento do novo governo quanto à política fiscal. Até o momento, indefinida.

Até pelo cenário que aí está, é preciso mais clareza sobre o que o novo governo pretende, diz Carlos Melo.

“Afirmar que haverá responsabilidade fiscal e social não é suficiente, sobretudo, quando se personalizou demais a figura do ministro da Fazenda”, pondera o professor, para quem é concreto o risco de “a chama da vitória eleitoral não se manter”.

Manter os “dividendos” da vitória, avalia, exige fortalecer as expectativas favoráveis e não adianta concentrar todas as esperanças no Ministério da Fazenda.

“Neste momento, o titular da Pasta terá mais ônus do que bônus porque o futuro ministro, seja quem for, vai encarar um cenário adverso pautado por uma crise internacional, economia em desaquecimento e um Estado desarranjado”, alerta.