Ganhos no mercado de trabalho e expansão fiscal por transferência de recursos às famílias sustentam a demanda por bens e serviços e favorecem o crescimento econômico e o bem-estar social – “dobradinha” que pode se converter em pontos de aprovação para o governo que tem, neste momento, o mercado como aliado.
Embora distantes do crescimento de 2,9% alcançado em 2023, apostas para o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, aglutinadas entre 2% e 2,3%, são animadoras. E assim devem continuar se a inflação não estragar a festa e o BC não abandonar o estado de prontidão em que está partindo para a ação.
Mudança que pode ocorrer caso a instituição decida, em junho, conter a queda da Selic iniciada em agosto do ano passado ao ritmo de 0,50 ponto percentual por reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) e garantida até o encontro agendado para maio.
Um freio no ritmo de corte do juro provocaria um levante no governo e no PT e turbinaria expectativas já deflagradas quanto à sucessão no comando do BC prevista para 1º de janeiro de 2025, quando expira o mandato de Roberto Campos Neto.
Essa é uma combinação de eventos capaz de promover instabilidade e aumento de prêmios de risco nos preços de ativos, sendo uma ameaça maior ao câmbio já sob pressão, sobretudo, porque o Federal Reserve (Fed) deverá cortar o juro neste ano, mas não a torto e a direito.
O mercado financeiro contempla hoje a redução da Selic de atuais 10,75% para 9% ao final de dezembro, assinala a Focus que prevê crescimento de 1,89% do PIB para 2024. Há um ano, essa estimativa estava abaixo de 1,50% e analistas disparavam alertas sobre um desaquecimento da atividade que viria a galope. Não veio.
A indústria no geral patina. Mas varejo e serviços surpreenderam positivamente em janeiro com altas mensais de, respectivamente, 2,5% e 0,7% que impulsionaram revisões para o PIB do ano.
Até por isso, o desempenho desses dois setores referente a fevereiro será um “tira-teima” a sancionar projeções mais otimistas à frente. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgará estatísticas de vendas no varejo na quinta-feira, 11 de abril, e de prestação de serviços na sexta, 12.
Na quarta-feira, 3 de abril, o Instituto informou que a indústria recuou 0,3% em fevereiro, contrariando projeções que apontavam alta. Entretanto, a abertura dos dados foi positiva por apontar potencial expansão de investimentos no primeiro trimestre. Um alento.
Mais atualizado, o Índice Gerente de Compras da S&P Global, que compila o mesmo indicador para o mundo inteiro, confirmou leve desaceleração da indústria brasileira em março, sem abandonar, contudo, o território expansionista.
Os serviços avançaram em março ao melhor resultado em 20 meses, evidenciando uma “recuperação acentuada e mais acelerada, que ultrapassou a média de longo prazo da série”, diz a consultoria que identificou um primeiro trimestre positivo – sujeito a melhora pelo arrefecimento das condições financeiras. Entretanto, do cenário internacional não sopram bons ventos.
Ventos contrários abatem o PIB?
O aumento da tensão geopolítica, pelo agravamento de conflitos no Oriente Médio com consequente elevação do preço do petróleo, e risco de o Fed, o BC americano, adiar para depois de junho o início de corte do juro em função do vigor renovado da economia, poderão comprometer a perspectiva favorável para o PIB brasileiro?
Em conversa com o NeoFeed, Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Pine, experiente profissional com passagem pelo Itaú Unibanco, J.Safra, Safra e Fibra, mantém a avaliação de que o setor externo deve contribuir positivamente para o crescimento do País que deve alcançar 2,3% neste ano. Entretanto, ele reconhece que a economia internacional apresenta “muitas incertezas que podem impedir a valorização do real e limitar o recuo da inflação dos bens com preços referenciados em dólar, os tradables”.
“O resultado pode ser restrição à queda do juro doméstico com impacto no crescimento mais à frente”, observa Oliveira que considera, porém, que o consumo das famílias será beneficiado pela queda do juro real, cujo impacto cumulativo e defasado ainda vai aparecer; pela robustez do mercado de trabalho; pelo impulso fiscal positivo, embora menor que em 2023; e pela queda da inflação que aumenta a renda real disponível. Uma visão positiva que persiste.